domingo, 29 de janeiro de 2017

Os Irmãos Karamázov




... ele (Ivan Fiodorovitch Karamazov) declarou em tom solene que em toda a face da terra não existe absolutamente nada que obrigue os homens a amarem seus semelhantes, que essa lei da natureza, que reza que o homem ame a humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu o amor na Terra, este não se deveu a lei natural mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam na própria imortalidade. Ivan Fiodorovitch acrescentou, entre parenteses, que é nisso que consiste toda a lei natural, de sorte que, destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia. Mas isso ainda é pouco, ele concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalidade, a lei moral da natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total da lei religiosa anterior, e que o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser permitido ao homem mas até mesmo reconhecido como a saída indispensável, a mais racional e quase a mais nobre para a situação. - página 109, da editora 34.

Se Deus não existir, e a religião fosse extinta de todas as formas, o que aconteceria?
"Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito."


"O amor é mestre, mas é preciso saber adquiri-lo, porque se adquire dificilmente, ao preço de um esforço prolongado; é preciso amar, de facto, não por um instante, mas até ao fim."


“Eu sempre gostei de becos, de recantos desertos e escuros, atrás da praça – lá estão as aventuras, as surpresas, lá estão as pepitas no lodo.” - Mítia Karamázov em conversa com o irmão, Aliócha Pág. 164


“E o homem realmente inventou Deus. E o estranho, o surpreendente não seria o fato de Deus realmente existir; o que, porém, surpreende é que essa ideia – a ideia da necessidade de Deus – possa ter subido à cabeça de um animal tão selvagem e perverso como o ser humano...” - Ivan Karamázov Pág. 323


“De facto, às vezes se fala da crueldade ‘bestial’ do homem, mas isso é terrivelmente injusto e ofensivo para com os animais: a fera nunca pode ser tão cruel como o homem, tão artisticamente, tão esteticamente cruel. / Acho que se o diabo não existe e, portanto, o homem o criou então o criou à sua imagem e semelhança.” - Ivan Karamázov Pág. 329 e 330



Será que não pensaste que ele (o Homem) acabaria questionando e renegando até tua imagem e tua verdade se o oprimissem com um fardo tão terrível como o livre arbítrio? - página 353 da editora 34.



Se Deus não existir, e a religião fosse extinta de todas as formas, o que aconteceria?
Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito. - página 840 da editora 34.



“Sabei que não há nada mais elevado, nem mais forte, nem mais saudável, nem doravante mais útil para a vida que uma boa lembrança, sobretudo aquela trazida ainda na infância, da casa de família. Muitos vos falam de vossa educação, mas uma lembrança maravilhosa, sagrada, conservada desde a infância, pode ser a melhor educação. Se o ser humano traz consigo muitas destas lembranças para sua vida, está salvo pelo resto da existência.” - Aliócha palestrando para as crianças - Pág. 996




“E ainda que venhamos a nos dedicar aos mais importantes assuntos, a conquistar honrarias, ou a cair na maior desgraça – apesar de tudo nunca esqueçais como certa vez nos sentimos bem aqui, todos comungando, unidos por aquele sentimento tão bom e bonito, que durante aquele momento de nosso amor pelo infeliz menino nos fez, talvez, melhores do que em realidade somos.” - Pág. 996




Fiódor Dostoiévski




Todos somos Karamázov!!!!!!!!

Sou fã de Dostoiévski e da sua habilidade de tumultuar as nossas almas com as suas profundas questões psicológicas e morais.
999 páginas...
Finalmente, tirei-o da pilha de livros por ler...




“Sem uma referência divina passaríamos a viver numa espécie de vale-tudo moral?”, questiona Rodrigo Cavalcante em "Procura-se Deus" (2005).

O filósofo Oswaldo Giacoia Júnior responde:
“Não necessariamente. A busca de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem necessidade de uma legitimação divina.”

Pode-se dizer que ao longo da história da humanidade foram construídos certos valores éticos religiosos que obrigam de certa forma o ser humano a seguir um padrão de condutas estabelecido pela região – qualquer que seja -.
Caso a pessoa não siga tal padrão haverá castigos após a morte, ou dependendo da religião, até mesmo durante a vida – ou algo do género. A maioria dos fiéis ao agir com bondade, por exemplo, age a pensar numa boa recompensa.
Estas pessoas tornam-se cegas pela religião, esquecem os seus verdadeiros instintos, e suas atitudes de bondade podem ser falsas, conscientemente ou subconscientemente.

Ter a religião como base de condutas e atitudes acarreta personalidades não verdadeiras, cujas vidas encontram-se repletas de obstáculos, que não passam de regras religiosas, tomadas como algo sagrado. A religião não passa de uma abstração antrópica que pode inexistir se a pessoa quiser, e assim poderá realizar atos verdadeiros e seguir caminhos livres, sem regras e condutas falsas – que foram feitas justamente para tentar colocar ordem no mundo, porém deixando-o cada vez mais fragmentado, preconceituoso, desordenado, maligno, desequilibrado, falso, etc.


Nas palavras de Cavalcante:
No século 18, por exemplo, os ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética, surgiram de formulações dos filósofos iluministas, que acreditam ser possível defendê-los com base na razão, não na religião. Vale lembrar que na época esse tema era nada popular no Vaticano. Em meados do século XX, o francês Jean Paul Sartre, o pai do existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da existência para além da vida humana -, disse que a nossa própria condição de seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série de condutas éticas baseadas na razão, e não na fé.


O homem tem que parar de procurar respostas abstratas e com um final feliz ou triste, como céu e inferno, e encarar a realidade. Tem que começar a ver as coisas com uma nova óptica, ver as coisas como elas realmente são. Assim, as pessoas passarão a ter atitudes de essência verdadeira e ficarão cientes, por exemplo, do ciclo da vida, passando a encarar a morte da maneira que tem de ser vista, como um acontecimento natural.

Cavalcante questiona:

Será que a adopção pura e simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade?

Como observa Giacoia:

A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia ao longo dos tempos. Dos grandes conflitos religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo.


O cristianismo, por exemplo, foi criado com objetivo de dominar a massa, cujos criadores inventaram uma série de condutas em nome de Cristo. Ou seja, desde a sua criação já ocorreu malícia. A população é cega pela ignorância e toma tudo como verdade. Em linhas gerais, as religiões não geram paz e sim muito preconceito e guerras, o oposto de seus princípios gerais. Pode-se concluir, portanto, que as pessoas não entendem nem sequer as palavras religiosas tão ditas e seus princípios principais. Se não existisse religião, o mundo estaria mais unido e mais próximo à paz. Se não houvesse conceitos abstratos como céu e inferno, o homem teria uma óptica mais realista e suas atitudes não seriam falsas pensando em recompensas inexistentes.


Se houvesse solidariedade verdadeira entre as pessoas e se não existissem condutas para serem seguidas afastando cada vez mais o homem do livre arbítrio, a civilização desenvolveria maneiras para não atingir a desordem, porém de forma realista, sem inventar histórias como por exemplo a do céu e inferno para manter a ordem.



Rodrigo Cavalcante 
in, "Procura-se Deus. Deus Existe? Será que a ciência tem uma resposta?"




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