quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake





Diagnosticado com um grave problema de coração, Daniel Blake (Dave Johns), um viúvo de 59 anos, tem indicação médica para deixar de trabalhar. Mas quando tenta receber os benefícios do Estado que lhe concedam uma forma de subsistência, vê-se enredado numa burocracia injusta e constrangedora. Apesar do esforço em encontrar um modo de provar a sua incapacidade, parece que ninguém está interessado em admiti-la. Durante uma espera numa repartição da Segurança Social conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira de duas crianças a precisar de ajuda urgente, que se mudou recentemente para Newcastle (Inglaterra).
Daniel e Katie, dois estranhos cujas voltas da vida os deixaram sem forma de sustento, vêem-se assim obrigados a aceitar ajuda do banco alimentar.
E é no meio do desespero que se tornam a única esperança um do outro…

Palma de Ouro na edição de 2016 do Festival de Cinema de Cannes, conta com assinatura do aclamado realizador Ken Loach e argumento de Paul Laverty, colaborador de Loach em vários outros filmes, entre eles “A Canção de Carla” (1996), “O Meu Nome É Joe” (1998), “Bread and Roses” (2000), “Sweet Sixteen” (2002), “Ae Fond Kiss...” (2004), “Brisa de Mudança” (2006) – também vencedor da Palma de Ouro -, “Neste Mundo Livre...” (2007), “O Meu Amigo Eric” (2009), “Route Irish - A Outra Verdade” (2010), “A Parte dos Anjos” (2012) e “O Salão de Jimmy” (2014).


Em 2014, o director britânico Ken Loach disse que estava cansado e anunciou que Jimmy’s hall seria o seu último filme. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis aposentar-se – a sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados como bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde etc. – que ele recuou.
Loach fez "Eu, Daniel Blake", e venceu o Festival de Cannes no ano passado.
Foi a sua segunda Palma de Ouro.

O filme tem como objectivo denunciar a precariedade da classe trabalhadora britânica diante de um Estado burocratizado, mecanizado, insensível – e, no limite, assassino.

Com este filme, a classe operária tem um novo herói, Daniel Blake.
A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em "Eu, Daniel Blake", mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado.
Logo no início, Daniel Blake passa por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um enfarte, não pode. E também não tem direito ao seguro social.
É um carpinteiro de Newcastle que sofre um enfarte e fica impedido de voltar ao trabalho.
Entra numa espiral surreal para obter o subsídio de desemprego, além de enfrentar o estigma de quem associa o benefício, um direito, a uma certa indisposição ao trabalho.

Daniel Blake é o cidadão impotente diante de um Estado que falha em garantir a sua dignidade quando ele mais precisa. Mais que isso, assiste inconformado à forma como os governos tratam cidadãos honestos como ele.

Blake não é só um homem da velha guarda, que viu o mundo mudar à sua volta e não conseguiu adaptar-se (numa das cenas, ele vê pela primeira vez um rato de computador e tenta deslizá-lo sobre o ecrã do computador); é alguém ainda capaz de produzir e cultivar vínculos, de se sensibilizar e oferecer ajuda diante de injustiças, de lembrar aos mortos-vivos engolidos por um sistema desmoralizado e desmoralizante que, ainda está vivo.

Tudo isto fica claro quando ele abre as portas a uma mãe abandonada por dois ex-maridos, obrigada a procurar abrigo no interior de Inglaterra com dois filhos porque o governo não lhe ofereceu nenhuma outra opção em Londres. Ela é o exemplo de um grupo social que, desamparado, não tem emprego nem tempo para se dedicar aos estudos para procurar empregos melhores.

Ou seja, pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas, na verdade, é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem pelos seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países.

Ao receber o prémio em Cannes, Loach afirmou que, “quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece”.Para arrematar: “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível”.

Loach notabilizou-se por dar voz e protagonismo aos injustiçados, os pequenos cidadãos que sofrem, absorvem, reagem e influenciam os grandes eventos da história.
Ao comentar o próprio filme, disse que “se os pobres não aceitassem que a pobreza é sua culpa, poderia haver um movimento para desafiar o sistema económico”.

Bem fiel ao seu método de provocar os actores, Loach, no primeiro dia de filmagem, deu a Dave Johns, muito conhecido no stand-up da Inglaterra e que fez o papel de Daniel Blake, um formulário para preencher – o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake.
“Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito sorrateiras, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o stress de uma pessoa naquelas condições. Daria um óptimo sketch de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do quotidiano.”


"Eu, Daniel Blake" não é apenas mais um bom filme de Loach.
É um dos maiores. Talvez seja o seu maior.
É um murro no estômago!
Ele prova que o cinema social não se esgotou.
Só precisa de um grande director como Loach.



Fontes: Cinecartaz, Adoro Cinema, Medeia Filmes

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