sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Retrato de Mulher Triste






Vestiu-se para um baile que não há. 
Sentou-se com suas últimas jóias. 
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram, 
embala-se em valsas que não dançou, 
levemente sorri para um homem. 
O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha, 
levantará com desdém o arco das sobrancelhas, 
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida 
tem de abaixar as quase infantis pestanas, 
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.


Cecília Meireles
in, "Poemas" 





A "Ignorância", de Milan Kundera





Estes últimos dias reli o livro "Ignorância", de Milan Kundera, escrito em 2000, que fala sobre os emigrantes e a nostalgia, sentimento que ele define como “o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar.”

A história passa-se no período da Guerra Fria, e em "A Ignorância", Milan aborda directamente o problema da emigração do Leste europeu antes e após o terminus da Guerra Fria, em Novembro de 1989.
Os protagonistas, Josef e Irena, que estavam exilados, ele na Dinamarca e ela na França, encontram-se de forma inesperada no aeroporto de Paris, no momento em que estavam de visita à cidade natal: Praga.
Acontece que, depois de 20 anos fora do lugar, as lembranças do passado não eram muito precisas, as relações com os moradores do local e até a ideia de pátria estavam perdidas.
O que era para ser um retorno se transforma num conflito emocional e intenso para os protagonistas, que chegam à cidade a sentirem-se estrangeiros, quando na realidade são tratados normalmente.
Os moradores não demonstram interesse pelas suas histórias ou experiências, da mesma forma que eles não se sentem adaptados aos costumes e comportamentos daquele povo.

A minha família está toda emigrada nos EUA, e também eu vivo essa experiência, de uma forma diferente.
Eu não sou nada saudosista...acho que tudo tem um tempo na nossa vida, ciclos com um início e fim.
E por isso, não tenho saudades do que foi...não tenho necessidade de voltar a visitar o passado.

Sempre ouvi a minha família a falar destas mesmas coisas de que fala o livro.
E, por isso, foi especial ler este livro, quando o li pela primeira vez.
Como se me estivesse a ajudar a entendê-los melhor, conforme ia lendo o livro.
Cada um tem a sua forma de sentir a vida!
E há que respeitar e entender todas elas.

"Se um exilado, depois de vinte anos no estrangeiro, voltasse ao seu país natal ainda com cem anos de vida pela frente, certamente não sentiria a emoção de um Grande Retorno, é provável que para ele não se trataria absolutamente de um retorno, mas apenas de um dos muitos desvios no longo percurso da sua existência.
Pois a própria noção de pátria, no sentido nobre e sentimental da palavra, está ligada à brevidade relativa de nossa vida, que nos dá muito pouco tempo para que nos afeiçoemos a outros país, a outros países, a outras línguas."

Enquanto escreve sobre os sentimentos dos personagens, Kundera deixa claro o quanto somos ignorantes em relação ao que perdemos, ao que deixamos para trás e ao que nos entristece.
Fala de nostalgia, de memória, de anoranza – palavra espanhola de raiz etimológica latina do verbo ignorare – e que é utilizada como equivalente a nostalgia ou até saudade; um sofrimento causado pelas reminiscências do passado onde o pathos provém da ignorância:
“Tu estás longe, eu não sei o que te acontece”.
Logo, sofre-se.

Ele fala sobre saudade, ausência, angústia, lembranças, passado, presente e futuro, e também demonstra o quanto as repercussões políticas podem intervir na individualidade de cada um.
Entra nas respectivas casas e caixinhas cerebrais de cada personagem, para analisar e dissecar todas as componentes emocionais que desencadeiam atitudes aparentemente incompreensíveis.

Fala-se, sobretudo, de desenraizamento, de enfraquecimento dos vínculos sociais em relação ao local de origem, quando se trata de refugiados políticos.
O enfraquecimento, aliado ao crescimento das distâncias, que une o emigrado à terra onde nasceu e cresceu, faz esmorecer os laços familiares e está ligado a um certo ressentimento por parte de quem fica – salvo raríssimas excepções. Trata-se de uma consequência natural da perseguição às famílias dos emigrados por parte de um Estado que encarava o desejo de sair da terra natal como um acto de alta traição despoletando a frieza e o ressentimento por quem se sente deixado ao abandono.

Nas ligações de amizade, observa-se tanto a tentativa de apagar os anos de vida “lá fora” por parte que quem fica, como o desejo irreprimível e constantemente frustrado de relatar a própria odisseia por parte de quem regressa, ainda que esse regresso seja temporário.

A ausência de perguntas em relação aos anos passados fora do país é uma constante. Salvo uma única excepção.
No caso da camaradagem entre refugiados.

Em relação às ligações amorosas, mesmo situadas num passado longínquo, Milan Kundera cria uma interessante dicotomia, em relação ao binómio esquecimento/lembrança, particularmente nas recordações fugazes mas sempre presentes de Irena – imigrada em França – e nas diluidíssimas memórias de Josef ao reler o diário da sua adolescência…

" Imagino a emoção de dois seres que voltam a ver-se passados anos. Outrora frequentaram-se, e pensam por isso estar ligados pela mesma experiência, pelas mesmas recordações.
As mesmas recordações?
É aqui que o mal entendido começa: não têm as mesmas recordações; os dois guardam do passado duas ou três pequenas situações, mas cada um tem as suas; as suas recordações não são parecidas; não se encontram; e nem sequer quantitativamente são comparáveis; um recorda-se do outro mais do que o outro se recorda dele; primeiro porque a capacidade de memória difere de um indivíduo para o outro, mas também porque não têm a mesma importância um para o outro. Quando Irena viu Josef no aeroporto, lembrava-se de cada pormenor da aventura passada de ambos; Josef não se lembrava de nada. Desde o primeiro segundo, o seu encontro assentava numa desigualdade injusta e revoltante"


Tudo conspira para a destruição progressiva da vontade de voltar. Apesar do amor, da nostalgia dos lugares, da História, dos poetas, das sonoridades linguísticas, da literatura…

Logo no segundo capítulo, o Autor consegue cativar-nos com um mini-ensaio sobre a nostalgia, palavra de origem grega, quase universal para a maior parte das línguas europeias. Mas as subtis declinações semânticas da palavra, desdobrada em outros signos equivalentes como por exemplo, saudade, são-nos dadas através de uma análise transversal desses sinónimos, nos vários idiomas. É então que chegamos ao conceito de ignorância como declinação de nostalgia. E ignorância é a palavra ou variante de nostalgia que melhor define a exacta coloração do estado de espírito de dois protagonistas de histórias gémeas que se cruzam num ponto de fuga, situado num passado distante: Irena e Josef.

"Em grego, regressar diz-se "nostos", "Algos" significa sofrimento.
A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo insatisfeito de regressar. (...)
Anoranza, dizem os espanhóis, saudade dizem os portugueses.
Recordação dolorosa do país. Recordação dolorosa do lugar.
Em inglês diz-se "Homesickness", em alemão "Heimweh", em holandês "Heimwee".
Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: "Soknudur": nostalgia no sentido geral; e "Heimfra": recordação dolorosa do país.
Os checos, para além da palavra nostalgia, vinda do grego, têm também a palavra "Stesk" e o seu verbo; a mais comovente expressão de amor checa: "Styska se mi po tobe" - "Tenho nostalgia de ti; não posso suportar a dor da tua ausência.
Em espanhol "añorar" (ter nostalgia) vem do catalão "enyorar", derivado da palavra latina "ignorare" (ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e eu não sei o que lá se passa.
Os franceses não têm palavra para nostalgia...dizem "je m'ennuie de toi"...demasiado ligeiro para um sentimento tão grave. Os alemães, raramente utilizam a palavra nostalgia na forma grega; preferem dizer "Sehnsucht", desejo do que está ausente, mas visa tanto o que foi como o que nunca foi, e por isso não implica necessariamente a ideia de um "nostos"...a obsessão de um regresso...
Foi na aurora da antiga cultura grega que nasceu "A Odisseia", a epopeia fundadora da Nostalgia.
Ulisses, o maior aventureiro de todos os tempos, é também o maior nostálgico. Foi sem grande prazer para a Guerra de Tróia, onde ficou 10 anos. Depois apressou-se a regressar à sua Ítaca natal, mas as intrigas dos Deuses prolongaram o seu périplo, primeiro por 3 anos recheados dos acontecimentos mais insólitos, depois por 7 outros anos que passou refém e amante da Deusa Calipso que, apaixonada, não o deixava partir da sua ilha, onde viveu uma verdadeira "dolce vita", vida confortável, vida de alegrias. No entanto, entre a "dolce vita" no estrangeiro e o arriscado regresso a casa, escolheu o regresso. À exploração apaixonada do desconhecido(a aventura), preferiu a apoteose do conhecido (o regresso). Ao infinito ( porque a aventura entende não findar mais), preferiu o fim ( porque o regresso é a reconciliação com a finitude da vida). "

As recorrentes citações à "Odisseia", de Homero, não surgem, portanto, ao acaso. 

Ignorância é, pois, a irmã siamesa da saudade, ambas filhas da nostalgia…é este o tema do livro. Uma emoção a cujo desdobramento vamos assistir em dois seres que emigraram, tal como acontece em "A insustentável Leveza do Ser" entre Thomas e Sabina, embora este num prisma diferente: o custo de oportunidade relativamente à decisão de emigrar ou não emigrar.
É por este motivo que A Ignorância é, de certa forma, um desenvolvimento da obra anterior.

O Autor destaca também a problemática da imprevisibilidade do rumo da História que se traduz num desconhecimento em relação ao futuro, ao exemplificar com as vãs pretensões de Arnold Schönberg à imortalidade, no sentido de permanência na memória colectiva não só do seu nome, mas, sobretudo, da sua música.

"Sobre o futuro, toda a gente se engana. O homem só pode estar certo do momento presente. Mas será bem verdade? O presente, poderá ele verdadeiramente conhecê-lo?Será capaz de o julgar? Claro que não. Porque, como poderia conhecer o sentido do presente quem não conhece o futuro? Se não sabemos a direcção a que futuro o presente nos leva, , como poderemos dizer que este presente é bom ou mau, que merece a nossa desconfiança ou o nosso ódio?"
" As discussões travadas nas altas esferas do espírito são sempre míopes perante o que, sem razão nem lógica, se passa em baixo: os dois grandes exércitos batem-se até à morte por causas sagradas; mas será uma minúscula bactéria de peste que os esmagará a ambos. Schonberg estava consciente da bactéria. Já em 1930, escrevia: "A rádio é um inimigo impiedoso...atafulha-nos de música sem se perguntar se temos vontade de a ouvir, se temos possibilidade de a perceber, de tal modo que a música se torna um simples ruído, um ruído entre outros ruídos. (...)
Se outrora se ouvia música por amor à música, hoje ela berra em toda a parte e sempre sem se perguntar se temos vontade de a ouvir. Berra nos altifalantes, nos automóveis, nos restaurantes, nos elevadores, nas ruas, nas salas de espera, nas salas de ginástica, música reescrita, abreviada, despedaçada, fragmentos de rock, de jazz, de ópera, vaga onde tudo se mistura sem que se saiba quem é o compositor ( a música transformada em ruído é anónima), sem que se distinga o princípio ou o fim ( a música transformada em ruído não conhece forma)." 


A analogia do exílio de Josef com a viagem de Ulisses, presente nos sentimentos de frustração de Odisseu, torna-se por demais evidente para o protagonista.
A propósito de Josef, o protagonista masculino de A Ignorância, o autor/narrador disserta ainda sobre a forma de amar de um Ulisses de origem checa: o amor que dedica a Penélope e o amor que o retém junto de Calipso, num refúgio idílico. Narrador e Josef não hesitam em valorizar a segunda, apesar da tradição colocar a primeira num pedestal.

Irena é ainda mais difícil de desiludir, devido ao seu passado familiar. Mas é simultaneamente mais vulnerável, por perseguir uma lembrança…fugaz como uma miragem.
A nostalgia, sob a forma de ignorância, no caso de Irena e, também, um pouco em Josef (embora este seja menos fácil de iludir por estereótipos) é, sobretudo, induzida pela sociedade ocidental e pelos clichés que fazem parte do imaginário colectivo e que não comportam casos específicos como o destas personagens. Dois Ulisses nos tempos modernos, para os quais a deturpação da realidade é, também, dada pelo carácter selectivo da memória, pela reconstrução dessa mesma realidade com o objectivo de dar, aos elementos seleccionados, um enquadramento, dotando-os de um sentido fictício…

Mas enquanto que, para Josef, o local escolhido para viver se revestiu de referências positivas, que lhe permitiram distanciar-se ainda mais de um passado do qual não colheu, praticamente, boas recordações, para Irena a vida no Ocidente não foi fácil.
Sobretudo depois de enviuvar.
Acompanha-a, sempre, uma nota de insatisfação, em relação à vida afectiva o que a leva a perseguir uma imagem, cristalizada num passado remoto.

As componentes emocionais como a solidariedade/rivalidade entre irmãos, ambições e conflitos entre cunhados, competição e desejo de domínio numa relação mãe-filha, aliada a uma sede irreprimível de libertação – seja através da fuga, seja através de um amor ideal, utópico, imaginado, construído, se quisermos –, são alguns dos ingredientes que vêm enriquecer uma obra de volume diminuto, mas de conteúdo inesgotável.

"A Ignorância", apresenta uma ideia cruel: 
para o desterrado, não existe a "grande volta". 
O exílio é uma doença sem cura, 
que quase nunca ela bane o indivíduo apenas da terra. 
Pode fazer isso em relação a todas as dimensões 
que importam na vida.


Existirá o "grande regresso"? 
É possível retomar a vida interrompida?

Em certa passagem, Josef duvida que Ulisses tenha sido feliz com sua escolha.
Há felicidade no que pode acabar?
E, se a marcha inexorável da vida aponta para o fim, a condição de existir terá sentido?

Nem Josef nem Irena se realizam com o regresso porque ele explicita-lhes ainda a sua irreversível condição de estrangeiro. 
Na França, ninguém aceita que a exilada não tenha desejado correr para Praga no dia seguinte à revolução; no seu país, as suas amigas não a reconhecem mais como tcheca.
Josef não fica à vontade na terra natal. Mal vê a hora de retornar para a Dinamarca.

Antes de tudo, é preciso preparar-se para conhecer a natureza da dor.








quinta-feira, 28 de setembro de 2017

tu-nós...






O MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS. 

Este rosto com que amamos, com que morremos, não é 
nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas 
palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. A noite 
recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o 
seu reino não fosse pertença delas, invenção delas. Só a custo, 
perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem 
à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as 
quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. 
E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra 
maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade 
de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, 
assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - 
e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham 
a ira, os que perdem o amor. 

Já não há tempo para confusões - a Revolução é um momento, 
o revolucionário todos os momentos. Não se pode 
confundir o amor a uma causa, a uma pátria, com o Amor. 
Não se pode confundir a adesão a tipos étnicos com o amor
ao homem e à liberdade. NÃO SE PODE CONFUNDIR! Quem 
ama a terra natal fica na terra natal; quem gosta do folclore 
não vem para a cidade. Ser pobre não é condição para se 
ganhar o céu ou o inferno. Não estar morto não quer forçosamente 
dizer que se esteja vivo, como não escrever não
equivale sempre a ser analfabeto. Há mortos nas sepulturas 
muito mais presentes na vida do que se julga e gente que
nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra que toda 
uma geração de escritores. 

A acção poética implica: para com o amor uma atitude 
apaixonada, para com a amizade uma atitude intransigente, 
para com a Revolução uma atitude pessimista, para com a 
sociedade uma atitude ameaçadora. As visões poéticas são 
autónomas, a sua comunicação esotérica. 

Os profetas, os reformistas, os reaccionários, os progressistas 
arregalarão os olhos e em seguida hão-de fechá-los de 
vergonha. Fechá-los como têm feito sempre, afinal, e em 
seguida mergulharem nas suas profecias. Olharem para a parte 
inferior da própria cintura e em seguida fecharem os olhos 
de vergonha. Abandonarem-se desenfreadamente à carpintaria 
das suas tábuas de valores, brandirem-nas por cima das 
nossas cabeças como padrões para a vida, para a arte, para o 
amor e em seguida fecharem os olhos de vergonha às 
manifestações mais cruéis da vida, da arte e do amor. 

MAS NÃO IMPORTA, PORQUE EU SEI QUE NÃO ESTOU 
SOZINHO no meu desespero e na minha revolta. Sei pela luz 
que passa de homem para homem quando alguém faz o gesto 
de matar, pela que se extingue em cada homem à vista dos 
massacres, sei pelas palavras que uivam, pelas que sangram, 
pelas que arrancam os lábios, sei pelos jogos selvagens da 
infância, por um estandarte negro sobre o coração, pela luz 
crepuscular como uma navalha nos olhos, pelas cidades que 
chegam durante as tempestades, pelos que se aproximam de 
peito descoberto ao cair da noite - um a um mordem os pulsos 
e cantam - sei pelos animais feridos, pelos que cantam nas 
torturas. 

Por isso, para que não me confundam nem agora nem 
nunca, declaro a minha revolta, o meu desespero, a minha 
liberdade, declaro tudo isto de faca nos dentes e de chicote em 
punho e que ninguém se aproxime para aquém dos mil passos 

EXCEPTO TU MEU AMOR EXCEPTO TU 
MEU AMOR 

minha aranha mágica agarrada ao meu peito 
cravando as patas aceradas no meu sexo 
e a boca na minha boca 
conto pelos teus cabelos os anos em que fui criança 
marco-os com alfinetes de ouro numa almofada branca 
um ano       dois anos       um século 
agora um alfinete na garganta deste pássaro 
tão próximo e tão vivo 
outro alfinete       o último       o maior 
no meu próprio plexo 

MEU AMOR 
conto pelos teus cabelos os dias e as noites
e a distância que vai da terra à minha infância 
e nenhum avião ainda percorreu 
conto as cidades e os povos os vivos e os mortos 
e ainda ficam cabelos por contar 
anos e anos ficarão por contar  

DEFENDE-ME ATÉ QUE EU CONTE 
O TEU ÚLTIMO CABELO 


António José Forte





Cortar o cordão umbilical




Os problemas de sua família não são seus


A família é nosso primeiro meio social, é onde construímos e nutrimos nossas primeiras relações e também onde iniciamos nosso desenvolvimento do Eu. Os vínculos costumam se desenvolver de forma intensa, por vezes nos tornando cuidadores e defensores de nossa família.

Acontece que muitas vezes esses laços se constituem de forma a não estabelecer limites a essas relações, tornando-as disfuncionais.


Família disfuncional? O que é?  
“Uma família disfuncional é aquela que responde as exigências internas e externas de mudança, padronizando seu funcionamento. Relaciona-se sempre da mesma maneira, de forma rígida não permitindo possibilidades de alternativa. Podemos dizer que ocorre um bloqueio no processo de comunicação familiar”. Fonte: Boa Saúde

Em muitos casos um familiar responsabiliza-se por resoluções de problemas e conflitos que não deveriam ser de sua preocupação. 
Veja alguns que estão recentes em minha mente:


  • Filho que assumiu a posição de ‘chefe da casa’ após separação conturbada dos pais. Além de cuidar de si e de suas questões ‘adolescentes’, o filho sente-se na obrigação de cuidar da mãe e educar o irmão mais novo;
  • Filho de pais que vivem em meio a separações e ameaças de divórcio. O filho vira mecanismo de reconciliação/separação do casal, sendo peça fundamental para que um ciclo briga-separa-volta se mantenha a todo vapor;
  • Filha mais velha e adulta sente-se responsável por dar suporte a sua mãe (que criou a filha parte da infância sozinha), seja financeira ou emocionalmente. Tornando-se refém dos problemas da mãe, que são normalmente resolvidos pela filha ou não resolvidos para se manter esse tipo de relação;
  • Irmã que sente-se responsável por cuidar dos irmãos e já na fase adulta continua a resolver os conflitos e arcar com despesas financeiras dos irmãos;
  • Mãe que, apesar dos filhos já serem adultos e estarem casados, sente-se responsável por conduzir a vida dos filhos e assumir despesas e responsabilidades deles;

Ao expor os exemplos acima não me refiro a situações isoladas ou casos específicos. Me refiro a ciclos repetitivos que adoecem as relações e sobrepõem responsabilidades individuais, transferindo-as ao outro.

Em casos como os já citados todos têm prejuízos em suas vidas. Uma pessoa sobrecarrega-se, outra não amadurece, mantendo uma relação imatura, sem espaço para desenvolvimento com intuito de melhora.

Para alguns pode ser visto como prova de amor, mas não.
Amor baseia-se em troca, respeito mútuo e limites.
Estipular limites sim é uma prova de amor, amor ao outro e a si mesmo.

Normalmente quem se encontra neste tipo de situação enfrenta dificuldade em romper com o ciclo vicioso que retroalimenta, no entanto, é extremamente necessário que o indivíduo entenda o papel que vêm exercendo e o que o motiva a manter-se nessa posição (normalmente há algum ganho ou enrijecimento por um ganho do passado). A consciência do funcionamento familiar já é de grande valia já que muitas pessoas vivenciam essas situações sem nem ao menos perceber que algo está disfuncional, mesmo em casos em que haja sofrimento manifesto.

Em alguns casos uma conversa com alguém fora da família, como um amigo, poderá alertar e alterar o status da família. Outras vezes o processo terapêutico se faz necessário.

O processo terapêutico individual por si só já provocará desdobramentos no lidar deste individuo com seus familiares. Agora se o processo terapêutico for familiar, ou seja, todos os membros da família participarem, o processo poderá ser muito mais rápido, pois os conflitos referentes ao envolvimento e mecanismo familiar serão resolvidos por todos juntos, além de propiciar que todos entendam seu papel no funcionamento da família, possibilitando, assim, a escolha de permanecer retroalimentando os laços disfuncionais ou reescrevendo novas formas de organização e arranjo familiar.


Thais Lopes Trajano



SAMUEL ÚRIA & MANUELA AZEVEDO - CARGA DE OMBRO

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Chris Cornell - The Promise (Official Video)

Solitude





the flesh covers the bone 
and they put a mind 
in there and 
sometimes a soul, 
and the women break 
vases against the walls 
and the men drink too 
much 
and nobody finds the 
one 
but keep 
looking 
crawling in and out 
of beds. 
flesh covers 
the bone and the 
flesh searches 
for more than 
flesh. 

there's no chance 
at all: 
we are all trapped 
by a singular fate. 

nobody ever finds 
the one. 

the city dumps fill 
the junkyards fill
the madhouses fill
the hospitals fill
the graveyards fill 

nothing else 
fills. 


Charles Bukowski






.......................................... viajar sozinha





"Uma pessoa que ama viajar sozinha é vista como um espírito livre.
Um verdadeiro nómada que se livrou das amarras da sociedade e se atreveu a marchar no ritmo da sua própria batida.

O viajante solo não precisa da afirmação de outras pessoas, ele próprio toma todas as decisões mais ousadas, todos os dias. Eles são aqueles com fogo nos olhos, que caminham quilómetros para ver o pôr do sol perfeito. Eles vivem a vida, cada segundo de cada dia, para si mesmos.
Numa sociedade que encoraja o conformismo, isso os torna desinibidos de alma guerreira.

Viajar sozinho é maravilhoso, pode mudar a vida e é libertador.
Você vai aprender grandes lições sobre o amor, a vida e sobre o incrível planeta em que vivemos. Você vai mudar como pessoa, e vai ficar mais forte.
Você nunca vai depender de ninguém, vai ser o verdadeiro mestre de seu destino.

Conhecer gente nova vai se tornar uma ocorrência diária, e rapidamente você vai aprender a nunca aceitar menos que isso.
Você vai encontrar sua tribo, uma mistura de novos e velhos amigos.
No início, vai deixar que qualquer tipo de pessoa estranha e maravilhosa entre na sua vida, mas rapidamente vai aprender a ser mais seletivo com quem fica por perto.
Toda essa magia começa a evoluir desde o primeiro dia, assim que você entra no avião, autocarro ou barco com destino a uma terra distante.

A cada dia que navegar pelo globo como um viajante solo, você vai aprender muito, não só sobre os outros, mas também sobre você mesmo. A bondade de estranhos vai abrir um pedacinho de seu coração que você nem sabia existir.
Como um viajante solo, você vai experimentar o melhor que o mundo tem a oferecer.
Qualquer estereótipo ou visão sobre culturas inteiras ou terras perigosas vai se dissolver à medida em que vê a verdade.

Agora, sobre a sua vida amorosa, bem, sinto muito te falar isso, mas viajar sozinho joga uma imensa bomba anti-cupido em você.
BUM!
Você nunca mais vai ser “namorável” para pessoas comuns."






terça-feira, 26 de setembro de 2017

Visões






Perante os que olham a realidade como se fosse
o único absoluto, sinto-me como se estivesse perante
aqueles marinheiros loucos que, ao verem
aproximar-se o temporal, se lançam à água,
deixando para trás os mapas e a bússola. Na verdade,
entendo essa mesma realidade, que os outros
veneram, como algo tão impuro como o chão que 
pisamos, com a diferença de que os pés não sabem
distinguir o caminho certo se o rumo de quem anda
não os dirigir de acordo com uma ideia, um destino, o
que quer que seja que possa eliminar o acaso. E
é aqui que os crentes no real me contradizem: "Não vês
que o ideal se esfuma por entre dedos, e que
tudo o que pensas que faz parte da tua vida não passa
de sonho que logo se dissipa quando acordas 
da noite"? Porém, digo-lhes, se à noite fico 
acordado é precisamente porque o escuro, a sombra, 
a própria treva, me confirmam na convicção de 
que esta realidade em que vivemos não passa de aparência,
de simples ilusão nascida do nosso desejo de viver
num quotidiano fabricado pelo pensamento. E 
neste preciso momento verifico que estou perante
seres abstractos, fantasmas de um arquétipo inútil, 
astros que se apagam no céu da consciência que,
para mim, não tem mais realidade do que este papel
em que escrevo, e só é real quando o leio.


Nuno Júdice




Cosmic Energy





This new power for the driving of the world’s machinery will be derived from the energy which operates the universe, the cosmic energy, whose central source for the earth is the sun and which is everywhere present in unlimited quantities.
 – Nikola Tesla




segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Vou pensar em ti






Amanhã, ou enquanto dormes
- agora mesmo -, vou pensar em ti.
Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele,
e o movimento dos dias passe como aves
que perdem o sentido do voo - até que tudo
o que me rodeia tome a forma do teu corpo.
E em mim circules - quando estendo a mão
por dentro da noite e te acordo,
no fogo dos meus olhos.


Al Berto





Connect





Connect with your existence, 
connect within yourself, 
connect with this infinite beauty that you are made of. 
And then express it in the world. 
Make the world around you an expression of that beauty, 
of that power, 
of that consciousness. 


 Nassim Haramein






Karma e Dharma





Karma é o que não podemos mudar. 
Dharma é o poder que temos de mudar. 
Tão importante mantermos conscientes 
estas duas diferentes realidades... 

Vera Luz






sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Eu Quero Ser Feliz Agora






Se alguém disser pra você não cantar
Deixar teu sonho ali pr'uma outra hora
Que a segurança exige medo
Que quem tem medo Deus adora

Se alguém disser pra você não dançar
Que nessa festa você tá de fora
Que você volte pro rebanho.
Não acredite, grite, sem demora...
Eu quero ser feliz Agora

Se alguém vier com papo perigoso 
de dizer que é preciso paciência pra viver.
Que andando ali quieto
Comportado, limitado
Só coitado, você não vai se perder
Que manso imitando uma boiada, 
você vai boca fechada pro curral sem merecer
Que Deus só manda ajuda a quem se ferra, 
e quando o guarda-chuva emperra certamente vai chover.
Se joga na primeira ousadia, 
que tá pra nascer o dia do futuro que te adora.
E bota o microfone na lapela, 
olha pra vida e diz pra ela...
Eu quero ser feliz agora



Oswaldo Montenegro





Polarity





Polarity, or action and reaction, we meet in every part of nature;
in darkness and light, in heat and cold, in the ebb and flow of waters, in male and female, in the inspiration and expiration of plants and animals; in the equation of quantity and quality in the fluids of the animal body; in the systole and diasystole of the human heart; in the centrifugal and centripetal gravity; in electricity, galvanism and chemical affinity.

Ralph Waldo Emerson



quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Animal Spirit Guides






Calling on animals for spiritual guidance



We all have an intimate connection with the animal kingdom even though we may not always recognize it. Whether you live in an urban, suburban, or rural area, you're bound to see at least a few animals throughout the day.
You may not even notice their presence, but they are there.
It's amazing how animals permeate our consciousness and are with us all the time.

You can bring your Animal Spirit Guides into your daily life
to help with both your emotional and physical healing.

Animal Spirit Guides are spiritual beings that can help us in a life-positive way. 
You can call on them for guidance, protection, healing, and inspiration.
We may see them, hear them, feel them, or just know they're with us, and we can have any number of spirit guides throughout our life whether we're aware of them or not.
Their intention is to help us have a more peaceful, harmonious, and happier life.
They are happy to serve and willingly do so whenever called.

This world is magical and is always communicating with us, particularly through the animals. Our animal brothers and sisters not only want to communicate but want to help us.
It's not just the animals themselves, but the spirit of these animals that comes through in their communications.
It only requires us to call on them for help, be open to, and learn how to discern their messages.



Open your channels of communication with animal spirits as you learn about:


  • Observing animals in your environment
  • Reviewing animals in your life and how they've contributed
  • Exploring the modalities for perceiving the messages from animals
  • Interpreting the messages from Animal Spirit Guides that you are already receiving
  • Identifying and connecting with your power animal
  • Calling on your Animal Spirit Guides for personal healing and guidance




Those of us in the western world have been raised with cultural values that have taught us to see the natural world as outside and disconnected from us, with its main purpose being to supply our own human needs.
Since our long ago ancestors had to rely on Earth Mother to provide their basic survival needs, they learned out of necessity to communicate with animals and how to discern their meanings and messages.

We're seeing a resurgence and revival of some of these old ways and realizing that indigenous peoples and our long ago ancestors knew something about the natural world that had been lost to us.
Many of us are renewing and revising our relationship with the animals and opening ourselves to their guidance and teachings.

The spirit of the animals wants to help us live in harmony with the Earth, to offer help, inspiration, and healing. 
They only require us to be willing to ask and to receive their counsel.



STEVEN FARMER




Quando fores velha






Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou

E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.


W. B. YEATS
in, Poemas








quarta-feira, 20 de setembro de 2017

APRENDENDO A PARAR






A era em que vivemos é a era da velocidade.
Tudo acontece rápido demais.
Não temos tempo para pensar em nada: a vida simplesmente nos engole com suas pressões sociais, laborais e familiares. Ou nos adaptamos, ou enlouquecemos.
Adaptar-se, nesse caso, significa aprendermos a parar.

Embora tenhamos aprendido muitas coisas na escola, nunca nos ensinaram a parar.
Parar é uma maneira de refletir e assimilar tudo o que aprendemos, ficando mais receptivos para podermos avaliar de maneira mais positiva e justa qualquer empreendimento que nos propusermos. Para o yogi, parar é o que vem antes do samadhi, a realidade luminosa que está além do samsara.
Parar é um gesto de respeito e amor por nós mesmos.
Ao mesmo tempo, é um ato de generosidade em relação àqueles com quem convivemos.
Se nossa alma ficar mais harmoniosa, essa harmonia irá refletir-se à nossa volta.

Cultivar o ato de parar conscientemente equivale a viver a vida como uma jornada, uma aventura de descobertas.

Mas, se não soubermos parar conscientemente, nosso corpo irá parar sozinho, através de uma doença ou um acidente.

Parar é essencial se quisermos manter a felicidade e a sanidade nos dias de hoje.
Todo o mundo está procurando a felicidade; alguns, procuram até a imortalidade; mas quase ninguém sabe o que fazer num sábado chuvoso.
Assim, a arte de viver fica sepultada sob as pressões que a sociedade impõe ao indivíduo.

Nas palavras de H. D. Thoreau, 
"A vida se mede, não pelo número de anos que passamos na Terra, mas pelo que usufruímos".

Parar tem a ver igualmente com os nossos valores mais íntimos.
Se não soubermos parar, seremos vítimas fáceis do consumismo.
Se não soubermos parar, acabaremos achando que vestir aquela griffe é tudo o que precisamos para ser felizes, ou que usar aquele cartão de crédito pode resolver nossos problemas emocionais.



Pedro Kupfer




Para um amigo cujo trabalho deu em nada






Agora sabe-se toda a verdade,
Sê reservado e aceita a derrota
De qualquer garganta sem vergonha,
Pois como podes tu competir,
Sendo educado na honra, com alguém
Que, se se provasse que mente,
Não se sentiria envergonhado nem aos seus
Olhos nem aos dos vizinhos?
Educado para uma tarefa mais dura
Do que o Triunfo, afasta-te
E como uma corda sorridente
Tocada por dedos loucos
No meio de um lugar de pedra,
Sê misterioso e exulta,
Porque acima de tudo
Isso é o mais difícil.



in, De Os pássaros e outros poemas
W. B. Yeats





terça-feira, 19 de setembro de 2017

A Rosa de Yeats





A rosa do mundo


Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?

Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,

Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,

Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,

E morreram os filhos de Usna.



Nós passamos e passa o trabalho do mundo:

Entre humanas almas, que se agitam e quebram

Como as pálidas águas em seu fluxo invernal,

Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,

Vive este solitário rosto.



Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:

Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,

Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;

Ele fez do mundo um caminho de erva

Para os seus errantes pés.








A rosa na cruz do tempo



Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias!

Aproxima-te, vem até mim, enquanto de outrora os tempos canto:

O de Cuchulain, em luta com a maré inclemente;

O do Druida sombrio, filho dos bosques, de olhos calmos,

Esse que alimentou os sonhos de Fergus e a indizível ruína;

É a tua tristeza o que antiquíssimas estrelas

Dançando com sandálias de prata sobre o mar,

Cantam em sua alta e solitária melodia.

Aproxima-te pois, agora que já não me cega o destino do homem,

E posso encontrar sob os ramos do amor e do ódio,

E nas mais simples coisas que vivem apenas um dia,

A eterna beleza errante, errando ainda.



Aproxima-te, vem até mim, vem — Ah, deixa-me algum espaço

Que de seu hálito a rosa encha!

Que não seja eu quem não ouve o que implora;

O verme indefeso e oculto em seu pequeno esconderijo,

A ratazana que entre as ervas de mim foge,

E a terrível esperança mortal que labuta e morre;

Que seja eu quem ouve as estranhas coisas ditas

Por Deus aos luminosos corações dos mortos antigos,

E aprende essa língua que os homens ignoram.

Vem até mim; antes de partir queria o

Velho Eire cantar e cantar de outrora os tempos:

Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias.






O amante diz da rosa no seu coração



Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,

O grito de uma criança à beira do caminho, o rangido de uma carroça que se arrasta,

O pesado andar do lavrador, passo a passo sobre o limo invernal,

Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.



Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;

A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me num verde outeiro solitário,

Com a terra, o céu, a água renovados, como um cofre de ouro

Para os meus sonhos da tua imagem que floresce numa rosa tão profundamente no meu coração.





W.B.Yeats
in, Poemas









ACORDO DE UNIÃO INSTÁVEL






Eu me comprometo a estar ao seu lado enquanto for agradável, divertido, estimulante, e também nos momentos em que for chato (mas não insuportável), nos momentos desanimados (mas não sem vida), nos momentos que exigirem paciência (mas não sacrifício).
Quando chegarmos ao insuportável e sacrificante, eu vou embora, ou vai você — sai primeiro aquele que estiver mais perto da porta.

Eu me comprometo a estar com você sempre que der vontade e não estar com você sempre que der vontade de estar com amigos com quem tenho gargalhadas privadas a trocar, ou quando eu precisar ficar sozinha, pois estar consigo mesma também é uma relação a ser preservada, e em troca, é óbvio: você terá todo o tempo do mundo para o seu mundo.

Eu me comprometo a amar você porque você é gentil, surpreendente, diferente, carinhoso, lindo, sem noção, pontual e tem olhos verdes, e espero que você repare que sou livre, intuitiva, inteligente, durona, engraçada, pontual e tenho olhos castanhos, e que nada disso garante coisa nenhuma, apenas intensifica o frio na barriga.
Entrar no universo do outro é sempre uma viagem excitante.

Eu me comprometo a ter água gelada e bananas, você prometa ter vinho branco e morangos.
Eu juro que vou desligar a tv quando você chegar, você promete acender a lareira quando eu aparecer, eu vou esticar os lençóis antes de a gente deitar, você vai amarfanhar meus lençóis antes de ir embora, e isso tudo vai ser simplesmente bom.

Eu me comprometo a dizer a verdade sobre coisas que você não quer saber, mas vai perguntar: a vida amorosa antes de você aparecer, o que fiz e desfiz, a normalidade da minha adolescência (compensada por algumas bizarrices da maturidade), tudo isso entrará no espólio da nossa relação, e eu, a contragosto, escutarei sobre todas as embrulhadas com sua ex, os sofrimentos causados por aquela que se mandou e acreditarei que sou a salvação da sua lavoura, até que a próxima me desbanque.
Você sabe que paixão rima com ilusão, então me iluda e eu te iludo, até que tudo se transforme na verdade mais absoluta.

Não sei se irei gostar tanto assim dos seus primos, que você considera tão hilários, e eu não sei se você gostará tanto assim das minhas amigas, que eu considero tão extraordinárias, mas vamos confiar na nossa capacidade de fingir com toda honestidade.

E agora a razão primordial deste contrato.
Se eu sumir, você fica com nossas lembranças, nossas selfies e nossas escovas de dentes: proibido compartilhar.
Se você desaparecer, eu fico com nossos panos sobre os sofás, nossos cachorros e nossas histórias: que por dever de ofício, talvez eu compartilhe, mas com discrição.
E que toda essa deliciosa loucura dure para sempre até o sol raiar.


Martha Medeiros





segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Quando vocês estiverem tristes






Quando vocês estiverem tristes, pensem em coisas lindas:
Balas, travessuras, carinho, carrinho, beijo de mãe,
Brincadeira de queimado, árvore de natal,
Árvore de jabuticaba, céu amarelo, bolas azuis,
Risadas, colo de pai, história de avó...
Quando vocês forem grandes e acharem que a vida não é linda,
Pensem em coisas lindas.
Mas pensem com força, com muita força,
Porque aí o céu vai ficar cheio de vacas gordas amarelas,
Cachorro bonzinho, bruxa simpática,
Sorvete de chocolate, caramelos e amigos
Vamos, vamos lá! vamos pensar só em coisas lindas!
Brincar na chuva, boneca nova, boneca velha, bola grande,
Mar verde, submarino amarelo, fruta molhada, banho de rio,
Guerra de travesseiro, boneco de areia, princesas,
Heróis, cavalos voadores...



Oswaldo Montenegro




Dark Night of the Soul





While we are in a dark night of the soul experience, 
hold steady knowing the light will appear once again.



Whenever a word is overused, it is most likely being misused, and over time, it begins to lose its meaningfulness. For example, we often refer to a fleeting feeling of depression or a period of confusion, as a dark night of the soul, but neither of these things qualifies as such.

A dark night of the soul is a very specific experience that some people encounter on their spiritual journeys. There are people who never encounter a dark night of the soul, but others must endure this as part of the process of breaking through to the dawn of higher consciousness. 

The dark night of the soul invites us to fully recognize the confines of our egos' identity.
We may feel as if we are trapped in a prison that affords us no access to light or the outside.
We are coming from a place of higher knowing, and we may have spent a lot of time and energy reaching toward the light of higher consciousness.

This is why the dark night has such a quality of despair:
We are suddenly shut off from what we thought we had realized and the emotional pain is very real. We may even begin to feel that it was all an illusion and that we are lost forever in this darkness. 

The more we struggle, the darker things get, until finally we surrender to our not knowing what to do, how to think, where to turn. It is from this place of losing our sense of ourselves as in control that the ego begins to crack or soften and the possibility of light entering becomes real.

Some of us will have to endure this process only once in our lives, while others may have to go through it many times.
The great revelation of the dark night is the releasing of our old, false identity. 
We finally give up believing in this false self and thus become capable of owning and embracing the light.




MADISYN TAYLOR