De pecado a crime e de crime a doença,
assim foram considerados,
e por esta ordem
em função dos poderes dominantes,
os comportamentos emocionais e afetivos
entre pessoas do mesmo sexo,
ao longo da história do Ocidente.
Naturalmente que no momento social em que vivemos, de coexistência de múltiplos entendimentos do ser humano e do sentido da vida, existe ainda uma larga franja populacional com posicionamentos negativos em relação ao afeto entre pessoas do mesmo sexo e, por esse motivo, é possível recebermos pacientes com algum mal estar por sentirem desejo emocional por pessoas do seu sexo. Nestas situações, felizmente cada vez mais raras, o modelo terapêutico adequado é o modelo afirmativo gay. Não se trata de um novo modelo de intervenção terapêutica, mas sim da integração nos modelos utilizados (psicanalítico, cognitivo-comportamental, humanista, psicodramático, etc.) do entendimento da sexualidade com todas as suas possibilidades e da informação sobre questões particulares da vida de gays e lésbicas. Trata-se, em suma, de um conjunto de princípios que deverão orientar a prática terapêutica com clientes homossexuais, particularmente com aqueles que apresentam dificuldades relativas à sua homossexualidade.
Todo este processo sócio-histórico resulta, em última instância, dos obstáculos que têm sido colocados ao direito de escolha da organização da vida erótica e emocional dos sujeitos. De facto, assistimos, ao longo de vários séculos, nas sociedades ocidentais, à condenação de comportamentos sexuais cujo fim não fosse a reprodução ou que, pelo menos, não tivesse essa possibilidade. É assim, por exemplo, com o “adultério”, que apesar de condenado nos penitenciais dos séculos iniciais da Era Romana, se penalizava com uma pena menor do que o sexo oral ou anal entre “esposos legítimos”. A perseguição dirigia-se a todas as formas de sexualidade não reprodutiva, não distinguindo o sexo dos parceiros, e sim os atos praticados. Algumas exceções eram feitas para os homens quando estavam em uma posição de dominação.
Simultaneamente observamos uma desvalorização da mulher, sendo associada ao desejo e à desordem e vista como um ser inferior a quem se atribuíam qualidades negativas. Ainda no século XX, Egas Moniz, prémio Nobel Português, faz parte dos autores que se referem à mulher como “o sexo fraco”.
É a partir de meados do século XVIII que a perseguição ao homoerotismo passa a ser mais específica e mais agressiva. Passa a estar em causa o sexo do parceiro e, especificamente, as caraterísticas comportamentais esperadas a partir de cada sexo. Nesse sentido, os papéis sexuais socialmente construídos (o feminino e o masculino) eram colocados em questão – o alvo de perseguição passava a ser os homens efeminados e as mulheres masculinizadas.
Assim, poder e género tornam-se pilares fundamentais da organização da estrutura social e, a nível micro, das relações entre as pessoas. É nesta moldura social que ainda no século XX encontramos registos de patologização dos comportamentos sexuais/amorosos entre pessoas do mesmo sexo e propostas terapêuticas para a sua remissão.
No século XXI, lamentavelmente, ainda escutamos terapeutas a dizer que fazem “tratamento da homossexualidade”; mantendo-se assim guardiões de uma ordem social que fomenta, e tomo emprestada a palavra a Adrienne Rich, compulsoriamente, uma heterossexualidade, socialmente monogâmica e com objetivos de reprodução.
Gabriela Moita
Sem comentários:
Enviar um comentário