sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A patologização da homossexualidade como forma de controlo social






De pecado a crime e de crime a doença, 
assim foram  considerados, 
e por esta ordem 
em função dos poderes dominantes, 
os comportamentos emocionais e afetivos 
entre pessoas do mesmo sexo, 
ao longo da história do Ocidente.



Catalogada como uma perturbação desde o final do século XIX, a homossexualidade é retirada dos manuais de diagnóstico médicos apenas no final do século XX. Desde então, tanto as associações de psiquiatria e de psicologia, como a Organização Mundial de Saúde, foram peremptórias relativamente aos efeitos nocivos das chamadas terapias de reconversão ou conversão, desenvolvidas naquele contexto de entendimento da homossexualidade como patologia.

Naturalmente que no momento social em que vivemos, de coexistência de múltiplos entendimentos do ser humano e do sentido da vida, existe ainda uma larga franja populacional com posicionamentos negativos em relação ao afeto entre pessoas do mesmo sexo e, por esse motivo, é possível  recebermos pacientes com algum mal estar por sentirem desejo emocional por pessoas do seu sexo. Nestas situações, felizmente cada vez mais raras, o modelo terapêutico adequado é o modelo afirmativo gay. Não se trata de um novo modelo de intervenção terapêutica, mas sim da integração nos modelos utilizados (psicanalítico, cognitivo-comportamental, humanista, psicodramático, etc.) do entendimento da sexualidade com todas as suas possibilidades e da informação sobre questões particulares da vida de gays e lésbicas. Trata-se, em suma, de um conjunto de princípios que deverão orientar a prática terapêutica com clientes homossexuais, particularmente com aqueles que apresentam dificuldades relativas à sua homossexualidade.

Todo este processo sócio-histórico resulta, em última instância, dos obstáculos que têm sido colocados ao direito de escolha da organização da vida erótica e emocional dos sujeitos. De facto, assistimos, ao longo de vários séculos, nas sociedades ocidentais, à condenação de comportamentos sexuais cujo fim não fosse a reprodução ou que, pelo menos, não tivesse essa possibilidade. É assim, por exemplo, com o “adultério”, que apesar de condenado nos penitenciais dos séculos iniciais da Era Romana, se penalizava com uma pena menor do que o sexo oral ou anal entre “esposos legítimos”. A perseguição dirigia-se a todas as formas de sexualidade não reprodutiva, não distinguindo o sexo dos parceiros, e sim os atos praticados. Algumas exceções eram feitas para os homens quando estavam em uma posição de dominação.

Simultaneamente observamos uma desvalorização da mulher, sendo associada ao desejo e à desordem e vista como um ser inferior a quem se atribuíam qualidades negativas. Ainda no século XX, Egas Moniz, prémio Nobel Português, faz parte dos autores que se referem à mulher como “o sexo fraco”.

É a partir de meados do século XVIII que a perseguição ao homoerotismo passa a ser mais específica e mais agressiva. Passa a estar em causa o sexo do parceiro e, especificamente, as caraterísticas comportamentais esperadas a partir de cada sexo. Nesse sentido, os papéis sexuais socialmente construídos (o feminino e o masculino) eram colocados em questão – o alvo de perseguição passava a ser os homens efeminados e as mulheres masculinizadas.

Assim, poder e género tornam-se pilares fundamentais da organização da estrutura social e, a nível micro, das relações entre as pessoas. É nesta moldura social que ainda no século XX encontramos registos de patologização dos comportamentos sexuais/amorosos entre pessoas do mesmo sexo e propostas terapêuticas para a sua remissão.

No século XXI, lamentavelmente, ainda escutamos terapeutas a dizer que fazem “tratamento da homossexualidade”; mantendo-se assim guardiões de uma ordem social que fomenta, e tomo emprestada a palavra a Adrienne Rich, compulsoriamente, uma heterossexualidade, socialmente monogâmica e com objetivos de reprodução.


Gabriela Moita



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