terça-feira, 31 de julho de 2018

O Som do Silêncio





Tudo se acaba. É mentira.
Há parcelas que se juntam,
se adicionam,
como a ideia e o sentimento,
o tempo
perdido
e o momento de acção
iluminado.

Ninguém se convença
que acaba.
Há o céu que nos espera,
a sua ilusão
remordida até ao paroxismo.
Ou há passado
sem destino.

A dolorosa mensagem
da nossa vida
é estar: caminhar sempre;
atar as vides da vinha
vindimada.

Saber esperar.
Andar, andar,
nem que seja de rastos.


Ruy Cinatti





Escutar a Voz dos Astros





Grato Saturno, por cercear nossa natureza humana, nos impondo limites vitais e estruturando em nós a responsabilidade.

Grato Plutão, por fazer morrer em nós o que precisa morrer para renascermos, limpando os canais para a vida.

Grato Júpiter, por indicar o nosso caminho e expandir em nós a sabedoria.

Grato Marte, pela força de guerreiro com que nos nutre para empreendermos nossa luta nesta jornada da vida humana.

Grato Urano, por fazer romper vínculos cármicos que nos atam, nos libertando em prol de uma mais elevada consciência.

Grato Neptuno, por fazer de nós seres mais compassivos e nos mostrar o amor universal.

Grato Mercúrio, grande mensageiro, por nos dotar da capacidade de aprender, pensar e nos comunicar.

Grato Lua, por nos revelar nosso arraigado corpo emocional, clareando nossos bloqueios cármicos e a possibilidade de sermos emocionalmente sadios.

Grato Vénus, por nos mostrar como vivemos o amor em sua forma humana, para assim aprendermos a transcender em busca do amor maior.

Grato Sol, Astro rei, que brilha sobre nós sua radiante luz, para que possamos realizar a essência de nosso Ser e vencer a jornada do Herói, que somos em nós mesmos, em nossa aventura humana.

Grato a todos os planetas, por manter connosco uma comunicação espiritual tão viva.


Marcelo Dalla










sábado, 28 de julho de 2018

VIGÍLIA





Paralelamente sigo dois caminhos 
Abstrato na visão de um céu profundo. 
Nem um nem outro me serve, nem aquele 
Destino que se insinua 
Com voz semelhante à minha. O melhor mundo 
Está por descobrir. Não seque a lua 
Nem o perfil da proa. Vai direito 
Ao vago, incerto, misterioso 
Bater das velas sinalado de oculto. 

Quero-me mais dentro de mim, mais desumano 
Em comunhão suprema, surto e alado 
Nas aragens noturnas que desdobram as vagas, 
Chamam dorsos de peixe à tona de água 
E precipitam asas na esteira de luz. 
Da vida nada senão a melhoria 
De um paraíso sonhado e procurado 
Com ternura, coragem e espírito sereno. 

Doçura luminosa de um olhar. Ameno 
Brincar de almas verticais em pleno 
Sol de alvorada que descerra as pálpebras. 


Ruy Cinatti 
in, Nós Não Somos Deste Mundo





................................. pessoas desafiantes


Desmond Boylan





A harmonia é fácil com pessoas fáceis ou harmónicas por natureza. O desafio de evolução esconde-se obviamente nas pessoas desafiantes que tal como as maravilhosas, também têm algo para nos ensinar. Porque são, pelas mais variadas razões, mais difíceis do que as pacificadoras, nem sempre conseguimos atingir o estado de paz e harmonia que gostaríamos. Umas vezes porque nós próprios não conseguimos, outras porque o outro ainda não permite. No entanto, a impossibilidade de conseguir a harmonia com o outro não impede a harmonia por si, até porque a resposta do outro não deixa de ser uma projeção da própria desarmonia interna.

Antes então de chegarmos ao outro, somos primeiro responsáveis por harmonizar o nosso próprio interior, incluíndo os espaços onde vivem dentro de nós, as representações internas dessas mesmas pessoas desafiantes. E nesse espaço que é só nosso e do qual somos responsáveis, podemos e devemos conseguir a harmonia com o outro. Seja através do perdão, da aceitação e do entendimento do papel que ele representa na nossa história.

Eu diria mesmo que muito mais importante do que conseguirmos a harmonia com os outros, é consegui-la antes dentro de nós, aprendendo a ver os outros como espíritos companheiros, seres sagrados, atraídos pela nossa própria energia, que estão presentes na nossa vida contribuindo com a sua energia para o nosso processo de evolução.

Enquanto o julgamento ao outro estiver a servir de mecanismo do ego para a própria inconsciência, não será possível a harmonia, seja ela interna ou com o outro.

A cura só poderá acontecer a partir do momento em que percebemos que o outro apenas trouxe o desafio que nos permitiu evoluir para um mais elevado patamar de evolução. Não temos que "gostar" deles, estar com eles, permitir os seus abusos e temos o direito de lhes colocar limites. Mas somos responsáveis por derrubar os bloqueios internos que nos impedem de aceitar o seu papel na nossa história.

Assim, esteja o outro vivo ou já tenha partido, esteja ele presente ou já pertença ao passado, seja ele da família ou não, que a tua relação interna com ele seja analisada à luz do espírito e das leis cósmicas, de maneira a que o consigas ver com o coração, aceitar a sua proposta e lhe consigas ter gratidão.


Vera Luz 




quinta-feira, 26 de julho de 2018

LEI DA AFINIDADE





"O controlador atrai o dependente.
O agressivo atrai o submisso.
O isolado atrai o solitário.
O desconfiado atrai o mentiroso.
O egoísta atrai o orgulhoso.
O irónico atrai o debochado.
O sabe-tudo atrai o ignorante.
O nervoso atrai o irritado.
A vítima atrai o culpado.

O inteligente atrai o sábio.
O próspero atrai a riqueza.
O desejo atrai o calor.
O gentil atrai a delicadeza.
O aconchego atrai o alivio.
A dedicação atrai o reconhecimento.
A atenção atrai o amor.
A simpatia atrai o carisma.
A alegria atrai o bom humor.
O silêncio atrai o discernimento.
A maturidade atrai o bom senso."





A Favor do Vento





Se ninguém se posicionasse contra a violência, contra a corrupção e contra outras tantas indignidades, viver seria ainda mais difícil do que normalmente é. Ser combativo é uma atitude necessária e exige bravura, coragem, empenho, espírito de luta. Meus aplausos e respeito a quem tem disposição para o enfrentamento.

Eu deixei de ter faz tempo. Lutei pelo o que eu queria lutar quando era garota e o saldo foi bom, mas parei de dar murro em ponta de faca e troquei de estratégia. Hoje, em vez de me posicionar contra isso e aquilo, em vez de ataques virulentos e muitas vezes quixotescos, prefiro viver de acordo com o que acredito que é certo. Funciona também, e desgasta menos.

Na esfera privada, não tento mais fazer ninguém mudar de ideia. Desisti de trazer para perto quem prefere ficar afastado. Não crio ilusão de que o que já se provou ineficaz um dia funcionará por obra do Espírito Santo. Não me fixo mais nos defeitos dos outros. Não perco a cabeça quando ouço asneiras (antes tinha vontade de sacudir a pessoa pelos ombros, fazendo seus cabelos voarem para frente e para trás como se fosse um boneco de pano). Há muito que não espero que os outros ajam conforme eu gostaria. Não aguardo favores, elogios ou adesões. Não fico em estado de alerta para flagrar quando pisam na bola comigo – percebo quando pisam, mas procuro não stressar com isso. Nem sempre consigo ser tão magnânima, mas tento. E, por fim, perdoo. Não por ter parentesco em primeiro grau com Nossa Senhora, mas porque dá menos trabalho.

Lei do menor esforço, sim. Mas com resultados práticos muito favoráveis.

Agora escolho os caminhos menos tortuosos e as parcerias mais afetivas, sinceras e engraçadas. Se me fizer rir, está valendo. Digo não com a mesma facilidade com que digo sim: passei a ser 100% honesta em relação aos meus desejos, deixei de ser condescendente com o que não me satisfaz. Só tolero dificuldades que gerem algo positivo mais à frente. Cumpro tudo aquilo que eu exigiria dos outros se ainda tivesse disposição para fazer exigências. Agora só exijo de mim, e ainda assim, pouco.

A minha porção rigorosa e mesquinha existe, mas tenho educação suficiente para não exibi-la por aí. A minha parte canalha restrinjo aos meus pensamentos secretos. Sou do contra só quando contra mim. A briga é interna e não muito violenta: não me aplico golpes baixos. Meus demônios são inimigos adestrados.

No mais, sigo a favor do vento. Falo com clareza, faço escolhas condizentes com quem sou e facilito o que posso. Talvez, para alguns, uma vida sem tormentas diárias produza um vazio impossível de suportar. Cada um, cada qual. Eu joguei a toalha: o que não suporto mais nessa vida é peso.



Martha Medeiros




terça-feira, 24 de julho de 2018

REGRESSO ETERNO





Altos silêncios da noite e os olhos perdidos, 
Submersos na escuridão das árvores 
Como na alma o rumor de um regato, 
Insistente e melódico, 
Serpeando entre pedras o fulgor de uma ideia, 
Quase emoção; 
E folhas que caem e distraem 
O sentido interior 
Na natureza calma e definida 
Pela vivência dum corpo em cuja essência 
A terra inteira vibra 
E a noite de estrelas premedita. 

A noite! Se fosse noite ... 
Mas os meus passos soam e não param, 
Mesmo parados pelo pensamento, 
Pelo terror que não acaba e perverte os sentidos 
A esquina do acaso; 
Outros mundos se somem, 
Outros no ar luzes refletem sem origem. 
É por eles que os meus passos não param. 
E é por eles que o mistério se incendeia. 

Tudo é tangível, luminoso e vago 
Na orla que se afasta e a ilha dobra 
Em balas de precário sonho... 
Tudo é possível porque à vida dura 
E a noite se desfaz 
Em altos silêncios puros. 
Mas nada impede o renascer da imagem, 
A infância perdida, reavida, 
Nuns olhos vagabundos debruçados, 
Junto a um regato que sem cessar murmura. 


Ruy Cinatti 
 in, Nós Não Somos Deste Mundo






Da Cabeça para o Coração e do Coração para o Ser





O ser humano pode funcionar 
a partir de três centros: 
a cabeça, 
o coração, 
o umbigo. 



Se você funcionar a partir da cabeça continuará a produzir cada vez mais pensamentos.
São muito pouco substanciais, são sonhos; prometem muito e não dão nada.
A mente é uma grande aldrabona! Mas tem uma grande capacidade para o iludir porque pode projectar. Pode dar-lhe grandes utopias, grandes desejos e continuar a dizer “Amanhã vai acontecer” — e nunca nada acontece! Nunca acontece nada na mente. A mente não é um lugar onde as coisas acontecem.

O segundo centro é o coração.
Este é o centro do sentimento - sentimos através do coração. Estamos mais próximos de casa; ainda não estamos em casa, mas estamos mais próximos. Quando sentimos, somos mais substanciais, temos mais solidez.

Quando sentimos, há uma possibilidade de alguma coisa acontecer. Na mente não há possibilidade nenhuma; no coração existe uma pequena possibilidade.

Mas a realidade também não está no coração. A realidade está num ponto mais profundo que o coração e esse ponto é o umbigo. Este é o centro do ser.

Pensar, Sentir e Ser — estes são os três centros.

Sinta mais e pensará menos. Não lute com o pensamento, porque ao lutar com o pensamento estará a criar outros pensamentos, pensamentos de luta. E assim a mente nunca é derrotada. Se você ganhar, foi a mente que ganhou; se for derrotado, foi você quem foi derrotado. De qualquer das formas você perde - por isso, nunca lute com os pensamentos, pois isso é em vão.

Em vez de lutar com os pensamentos, transfira a sua energia para os sentimentos. Cante em vez de pensar; ame em vez de filosofar; leia poesia em vez de prosa. Dance, observe a natureza e, o que quer que faça, faça-o com o coração.

Por exemplo, se tocar em alguém, toque essa pessoa a partir do coração. Toque com sentimento; deixe o seu ser vibrar. Quando olhar para uma pessoa, não se limite a fazê-lo com um olhar vazio. Deixe que a energia saia pelos seus olhos e verá imediatamente que algo está a acontecer no coração. É só uma questão de experimentar.

O coração é o centro negligenciado. Quando começamos a prestar atenção ao coração, ele começa a funcionar. E quando ele começa a funcionar, a energia que estava em movimento na mente começa automaticamente a mover-se através do coração. E o coração está mais perto do centro de energia - o centro de energia é o umbigo por isso, enviar energia para a cabeça é, de facto, difícil.

Então, comece a sentir cada vez mais. 
Este é o primeiro passo a dar.

Depois de dar este primeiro passo, o segundo será muito, muito fácil.
Primeiro, ame — metade do caminho já está feito. E se é fácil passar da cabeça para o coração, é ainda mais fácil passar do coração para o umbigo.

No umbigo você é apenas um ser, um ser puro - sem sentir nem pensar. Você não se move de todo. É o centro do ciclone.
Tudo o resto está a mover-se: a cabeça está a mover-se, o coração está a mover-se e o corpo está a mover-se. Tudo está em movimento, tudo está num fluxo constante.
Só o centro da sua existência, o centro do umbigo, está imóvel; é o eixo da roda.


Osho




segunda-feira, 23 de julho de 2018

Rosa de Rilke





Diz-me, rosa, que pensar
do que em ti mesmo habita,
do que a tua lenta essência grita
e impõe a este espaço de escrita,
dessas tuas ânsias de voar?

Quantas vezes esse ar viste
desejar pelas coisas ser aberto
ou, através de um desconcerto
mostrar-se amargo e certo.
Enquanto à tua volta ele insiste,
rosa, em ficar perto.



RAINER MARIA RILKE
in, AS ROSAS




The Gravitational Force





"[…] all of the sudden I am left with only two forces in the universe: The gravitational force (which is the stronger force, no longer the weakest force) and the electromagnetic field. And I could even reduce further to one force, which is gravitational. Because, if something is not held to the center, then it will not radiate. If it’s not held to the center, it will not orbit. If it doesn’t orbit, it will not radiate. So the fundamental force is the force that holds to the center, is the force that collapse towards infinity, is the force that goes to singularity. And the result of that force is an electromagnetic field that’s just a tiny tiny bit of what’s there, and we call that our reality, because we see it radiates so we think there is something." 

Nassim Haramein





sexta-feira, 20 de julho de 2018

Elegias de Duino






Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo
senão o grau Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face – a quem furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos – talvez pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.

Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d’amore se abandonava. Tudo isto era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
distraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vem
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.
Tua quase as invejas – essas abandonadas
que te pareceram tão mais ardentes que as
apaziguadas. Retoma infinitamente o inesgotável
louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda
mesma foi um pretexto para ser – nascimento supremo.
Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio
esgotado, como se as forças lhe faltassem
para realizar duas vezes a mesma obra.
Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem
qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou
como ela? Frutificarão afinal esses longínquos
sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam libertar-se
do objeto amado e superá-lo, frementes?
Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo
mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detém.

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas
os santos ouviam, quando o imenso chamado
os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,
os prodigiosos, e nada percebiam,
tão absortos ouviam. Não que possas suportar
a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,
a incessante mensagem que gera o silêncio.
Ergue-se agora, para que ouças, o rumor
dos jovens mortos. Onde quer que fosses,
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz
de seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,
sublimes? A estela funerária em Santa Maria Formosa…
O que pede essa voz? A ansiada libertação
da aparência de injustiça que às vezes perturba
a agilidade pura de suas almas.

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,
à rosas e a outras coisas singularmente promissoras
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medroas,
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome
como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar em seu seio
um vestígio de eternidade. – Os vivos cometem
o grande erro de distinguir demasiado
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem
se caminham entre vivos ou mortos.
Através das duas esferas, todas as idades a corrente
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles
que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos, violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.




Rainer Maria Rilke
in, “ELEGIAS DE DUINO”, I e II (TRECHO)





A TRISTEZA É TAMBÉM UMA ONDA






Borgeby Gard, Fladie, Suécia 
12 de Agosto de 1904

Venho outra vez palestrar consigo, meu prezado senhor Kappus, se bem que pouco tenha a dizer-lhe que possa ajudá-lo ou ser-lhe útil. Diz-me que múltiplas e enormes tristezas cruzaram o seu caminho e que a passagem dessas tristezas bastou para o abalar. Peço-lhe que se interrogue e que veja se essas enormes tristezas não atravessaram as regiões mais profundas de si mesmo, se não modificaram muitas coisas em si, se nenhum ponto do seu ser se transformou ao contacto. Apenas são cruéis e perigosas as tristezas que passeamos na multidão para que esta lhes dê remédio e que se parecem a essas moléstia, negligentemente tratadas, que somem num momento para retornar em seguida, mais perigosas do que nunca. Estas acumulam-se em nós e também são vida, mas vida que não foi vivida, vida desprezada e como que abandonada, mas que nem por isso deixas às vezes de ser fatal. Se a nossa vista alcançasse para além dos limites do conhecimento, e mesmo para além do halo das nossas intuições, talvez acolhêssemos as nossas melancolias com mais confiança ainda do que as nossas alegrias. As tristezas são auroras novas em que o desconhecido nos visita. A alma, assustada e temerosa, cala-se, tudo se afasta, faz-se uma grande tranquilidade e o incognoscível surge em silêncio.

Quase todas as nossas tristezas, são acredito, estados de tensão que experimentamos como que tolhidos, assustados por já não nos sentirmos viver. Estamos sós com esse desconhecido que penetrou em nós, privados de tudo aquilo a que estávamos habituados a confiar-nos. Pelejamos como se lutássemos com uma corrente de que tivéssemos de suportar as ondas. A tristeza é também uma onda. O desconhecido uniu-se a nós, penetrou no âmago do nosso coração, e já nem sequer está no nosso coração, pois se mesclou com o nosso sangue e assim ignoramos o que se passou. Seria fácil fazerem-nos crer que não se passou nada. E, todavia, eis-nos transformados como uma casa pela presença de um hóspede. Não podemos dizer quem chegou, não o saberemos talvez nunca, mas muitos sinais nos indicam que foi o futuro que, deste modo, entrou em nós para se transformar na nossa substância, muito antes de tomar forma. Eis porque a solidão e o recolhimento são tão importantes quando estamos melancólicos. Esse instante aparentemente oco, esse instante de tensão que o futuro nos penetra, está infinitamente mais perto da existência do que aquele outro instante em que se nos impõe do exterior, em pleno tumulto e como que por acaso. Quanto mais silenciosos, pacientes e recolhidos formos nas nossas melancolias, de forma mais eficaz o desconhecido penetrará em nós. O desconhecido é o nosso bem. Metamorfoseia-se na carne do nosso destino, ligando-nos a este quando foge de nós para se realizar, isto é, para se projetar no cosmos. E é preciso que assim seja. É preciso – e é nisto que consiste a nossa evolução – que jamais encontremos nada que não nos pertença há já muito tempo. […]

Como poderia a nossa condição não ser difícil?
E para regressarmos à solidão, torna-se-nos cada vez mais patente que a solidão não é uma coisa que possamos aceitar ou recusar ao nosso talante. Podemos, é indubitável, enganar-nos a nós próprios e fazer de conta que não é assim. Porém, nada mais. Como seria preferível entender que somos sempre solidão e partir desta verdade! Sem dúvida, esta certeza provocar-nos-ia vertigens porque todos os horizontes familiares sumiriam, tudo nos pareceria longínquo e o longínquo recuaria até o infinito. Só um homem que, bruscamente e sem ser avisado, fosse transportado do seu quarto para o alto de uma montanha, sentiria qualquer coisa de parecido: uma insegurança sem par, um abalo tal, oriundo de uma força desconhecida, que seria quase capaz de o destruir. […] Devemos aceitar a nossa vida tão completamente quanto possível. Tudo, mesmo o inconcebível, deve tornar-se possível. No fundo, a única valentia que nos é pedida é a de fazermos face ao singular, ao maravilhoso, ao extraordinário que se nos deparar. Custou bem caro à vida que os homens, neste ponto, tivessem sido débeis.
Essa vida que chamam imaginária, esse cosmos que pretendem sobrenatural, a morte, todas estas coisas nos são, no fundo, consubstanciais, mas foram expelidas da vida por uma defesa diária, a tal ponto que os sentidos que teriam podido apreendê-las se atrofiaram. O medo do sobrenatural não empobreceu somente a existência do indivíduo, mas ainda as relações de homem para homem, subtraindo-as ao rio das possibilidades infinitas para as colocar a salvo, em qualquer ponto seguro das margens. Não é só devido à indolência que estas relações são indizìvelmente monótonas e se reproduzem sem alternativas: é também porque o homem teme as novidades que não sente à altura de enfrentar e cujo epílogo é imprevisível. Só aquele que espera tudo, que não exclui nada, nem mesmo o mistério viverá, como fazendo parte da vida, as relações de homem para homem e, indo ao mesmo tempo até à fronteira da sua própria vida. Se concebermos a vida do indivíduo como um quarto maior ou menor, torna-se evidente que quase todos aprendem apenas a conhecer um canto desse quarto, aquele local em frente da janela, aquele raio em que se movem e onde encontram uma relativa segurança. Quanto mais humana não é, porém, aquela insegurança, cheia de perigos, que leva os prisioneiros, nas histórias de Poe, a explorar com os dedos as suas horríveis masmorras, a tudo conhecer dos terrores indescritíveis que resultam dessa curiosidade! Mas nós não somos prisioneiros. Nenhum alçapão, nenhuma armadilha nos ameaça. Não temos nada a recear. Fomos colocados na vida por ser a vida o elemento que mais nos convém. Uma adaptação milenária faz com que nos pareçamos com o cosmos, a tal ponto que, se permanecêssemos calmos, mal nos distinguiríamos, por um feliz mimetismo, do que nos cerca. Não temos nenhuma razão de desconfiar do universo, porque este não nos é contrário. Se existem terrores, esses terrores são os nossos; se há abismos, são os nossos abismos; se há perigos, devemos esforçar-nos por amá-los. Se construirmos a nossa existência sobre o lema de que devemos sempre dar preferência ao mais difícil, tudo o que ainda hoje nos parece singular se tornará familiar e fiel. Como olvidar esses mitos antigos que se encontram no início da história de todos os povos, os mitos dos dragões que, no momento supremo, se transformam em princesas? Todos os dragões da nossa existência são talvez princesas que esperam ver-nos, um dia, belos e audazes. Todas as coisas assustadoras não são mais, talvez, do que coisas indefesas que esperam que as socorramos [...]

Não se observe muito. Evite tirar conclusões sumárias do que se passa em si. Abandone-se e não raciocine. Caso contrário, seria levado a censurar o seu próprio passado (sob o ângulo moral, entende-se…), porque o passado é em parte responsável do que hoje lhe acontece. […]
Se me permite, dir-lhe-ei ainda uma coisa: não acredite que sob estas palavras simples e tranquilas, que às vezes o acalmam, aquele que se esforça por reconforta-lo viva sem empecilhos. A sua existência não está isenta de penas e tristezas que o deixam muito aquém delas. Mas, se assim não fosse, nunca teria podido achar estas palavras.


Rainer Maria Rilke
in, Cartas A Um Jovem Poeta




quarta-feira, 18 de julho de 2018

Linha de Rumo





Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado…
Olho em redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.
Tanto tempo perdido…
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campos de flores
E silvas…
Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver.
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.
Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo.
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos.
Adrede.


Ruy Cinatti
In, O Livro do Nómada meu Amigo





Desarmadilhar o Mundo





As armadilhas de dentro
A nossa tentação é quase sempre maniqueísta. A visão simples que separa os “bons” dos “maus” é sempre a mais imediata. Quanto menos entendemos, mais julgamos.

A cilada maior é acreditarmos que as armadilhas estão sempre fora de nós, num mundo que temos por cruel e desumano. Ora, por muito que nos custe, nós somos também esse mundo. E as armadilhas que pensávamos exteriores residem profundamente dentro de nós. Quebrar as armadilhas do mundo é, antes de mais, quebrar o mundo de armadilhas em que se converteu o nosso próprio olhar. Precisamos de passar um programa antivírus pelo nosso hardware mental. Escolhi falar dessas ratoeiras interiores que nos convertem em nómadas deambulando entre ecos e sombras.


A armadilha da realidade
Uma das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de “realidade”. Falo, é claro, da ideia de realidade que actua como a grande fiscalizadora do nosso pensamento. O maior desafio é sermos capazes de não ficar aprisionados nesse recinto que uns chamam de “razão”, outros de “bom-senso”. A realidade é uma construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Nós
não temos sempre que a levar tão a sério.

Quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. Essa lição se converteu num lema da minha conduta. Ho Chi Minh ensinou a si próprio a ler para além dos muros da prisão. Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar a escolher entre sentidos visíveis e invisíveis. É ensinar a pensar no sentido original da palavra “pensar” que significava “curar” ou “tratar” um ferimento. Temos de repensar o mundo no sentido terapêutico de o salvar de doenças de que padece. Uma das prescrições médicas é mantermos a habilidade da transcendência, recusando ficar pelo que é imediatamente perceptível. Isso implica a aplicação de um medicamento chamado inquietação crítica. Significa fazermos com a nossa vida quotidiana aquilo que fizemos neste congresso que é deixar entrar a luz da poesia na casa do pensamento.


A armadilha da identidade
A mais perigosa armadilha é aquela que possui a aparência de uma ferramenta de emancipação. Uma dessas ciladas é a ideia de que nós, seres humanos, possuímos uma identidade essencial: somos o que somos porque estamos geneticamente programados. Ser-se mulher, homem, branco, negro, velho ou criança, ser-se doente ou infeliz, tudo isso surge como condição inscrita no ADN. Essas categorias parecem provir apenas da Natureza. A nossa existência resultaria, assim, apenas de uma leitura de um código de bases e nucleótidos.

Esta biologização da identidade é uma capciosa armadilha. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza humana é não ter natureza nenhuma. Com isso ela combatia a ideia estereotipada da identidade. Aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente.

A imensa felicidade que a escrita me deu foi a de poder viajar por entre categorias existenciais. Na realidade, de pouco vale a leitura se ela não nos fizer transitar de vidas. De pouco vale escrever ou ler se não nos deixarmos dissolver por outras identidades e não reacordarmos em outros corpos, outras vozes.

A questão não é apenas do domínio de técnicas de decifração do alfabeto. Tratase, sim, de possuirmos instrumentos para sermos felizes. E o segredo é estar disponível para que outras lógicas nos habitem, é visitarmos e sermos visitados por outras sensibilidades. É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil
mesmo é sermos os outros.


A armadilha da hegemonia da escrita
Uma terceira armadilha é pensar que a sabedoria tem residência exclusiva no universo da escrita. É olhar a oralidade como um sinal de menoridade. Com alguma condescendência, é usual pensar a oralidade como património tradicional que deve ser preservado. O culto de uma sabedoria livresca pode contrariar o propósito da cultura e do livro que é o da descoberta da alteridade.

Certa vez, um menino de rua em Maputo veio-me devolver um livro que ele vira nas mãos de uma estudante à saída da escola. Notando a minha fotografia na capa, esse menino acreditou que a estudante me tinha roubado o livro. Me comoveu esse menino que atravessou a cidade para me devolver algo que, no entender dele, me pertencia. Mas o que ele me entregava era mais do que um objecto. Ele me entregava a inquietação profunda, a interrogação: a quem pertence realmente um livro? Ele é nosso porque o adquirimos, sim. O livro deve ser objecto e mercadoria para chegar às nossas mãos. Mas só somos donos desse objecto quando ele deixa de ser objecto e deixa de ser mercadoria. O livro só cumpre o seu destino quando transitamos de leitores para produtores do texto, quando tomamos posse dele como seus co-autores.

A mais importante linha divisória em Moçambique não é tanto a fronteira que separa analfabetos e alfabetizados, mas a fronteira entre a lógica da escrita e a lógica da oralidade. A absoluta maioria dos 20 milhões de moçambicanos vive e funciona num tipo de racionalidade que tem pouco a ver com o universo urbano. Mas em Moçambique, como no resto do mundo, a lógica da escrita instalou-se com absoluta hegemonia. Nesses casos, pressupostos filosóficos do mundo rural correm o risco de ser excluídos e extintos. Algumas das ideias que venho defendendo nesta comunicação estão claramente presentes na epistemologia da ruralidade africana. A concepção relacional da identidade, inscrita no provérbio: “Eu sou os outros”; a ideia de que a felicidade se alcança não por domínio mas por harmonias; a ideia de um tempo circular; o sentimento de gerir o mundo em diálogo com os mortos: todos estes conceitos constam da rica cosmogonia rural africana. É evidente que não se pode romantizar esse mundo não urbanizado. Ele necessita de enfrentar o confronto com a modernidade. O desafio seria alfabetizar sem que a riqueza da oralidade fosse eliminada. O desafio seria ensinar a escrita a conversar com a oralidade.



Não são só os livros que se lêem

Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.

Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o acto de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é, quando nos tornamos personagens. Mais do que saber ler, será que sabemos, ainda hoje, contar histórias? Ou sabemos simplesmente escutar histórias onde nos parece reinar apenas silêncio?

Lembrei aqui o episódio do menino de rua porque tudo começa aí, na infância. A infância não é um tempo, não é uma idade, uma colecção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentimento do Tempo.

A verdade é que mantemos uma relação com a criança como se ela fosse uma menoridade, uma falta, um estado precário. Mas a infância não é apenas um estágio para a maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós.

Recordo-me de que a guerra tinha deflagrado no meu país e o meu pai me levava a passear por antigas vias-férreas à procura de minérios brilhantes que tombavam dos comboios. Em redor, havia um mundo que se desmoronava mas ali estava um homem ensinando o seu filho a catar brilhos entre as poeiras do chão. Essa foi uma primeira lição de poesia. Uma lição de leitura do chão que todos os dias pisava. Meu pai me sugeria uma espécie de intimidade entre o chão e o olhar. E ali estava uma cura para uma ferida que eu não saberei nunca localizar em mim, uma espécie de memória de alguém que viveu em mim e fechou atrás de si um cortinado de brumas.

Pois eu vivo praticando a lição de leitura do meu pai que promove o chão em página. E estou aplicando o ensinamento de Ho Chi Minh que despromove a prisão em possibilidade de página. Deste modo aprendendo algo que sei que nunca chegarei a saber.

Enquanto escrevia o meu romance O Último Voo do Flamingo viajei pelo litoral do sul de Moçambique à procura de mitos e lendas sobre o mar. Mas tal não aconteceu. Dificilmente havia histórias ou lendas. O imaginário destes povos pertencia invariavelmente à terra firme. Apesar de habitarem o litoral, os seus sonhos moravam longe do oceano.

Aos poucos fui entendendo — aquelas zonas costeiras eram habitadas por gente que chegou recentemente à beira-mar. São agricultores-pastores que foram sendo empurrados para o litoral. A sua cultura é a da imensidão da savana interior. Em suas línguas não existem palavras próprias para designar barco. O pequeno barquinho toma o nome a partir do inglês — bôte. O navio grande é chamado de xitimela xa mati (literalmente, “o comboio da água”). O próprio oceano é chamado de “lugar grande”. Pescar diz-se “matar o peixe”. Deitar a rede é “peneirar a água”.

As armadilhas de pesca são construídas à semelhança daquelas usadas na caça. Os territórios de colecta de mariscos na praia são parcelados e sujeitos a pousio, exactamente como se faz nos terrenos agrícolas. Ao contrário do que sucede no centro e no norte de Moçambique, estes povos pescam sem serem pescadores. São lavradores que também colhem no mar. O seu assunto continua sendo a semente e
o fruto. Os seus sonhos moram em terra e os deuses viajam pela chuva.

Nós estamos todos como esses povos que desconheciam a relação com o mar. O chamado “progresso” nos empurrou para uma fronteira que é recente, e olhamos o horizonte como se fosse um abismo sem fim. Não sabemos dar nome às coisas e não sabemos sonhar neste tempo que nos cabe como nosso. Os nossos deuses dificilmente têm moradia no actual mundo.

Mas é exactamente nesse espaço de fronteira que estamos aprendendo a ser criaturas de fronteira, costureiros de diferenças e viajantes de caminhos que atravessam não outras terras mas outras gentes. A poesia de Gullar deu mote a este encontro. O poeta Gullar defende que a poesia tem por missão desafiar o impossível e dizer o indizível. O que o poeta faz é mais do que dar nome às coisas. O que ele faz é converter as coisas em aparência pura. O que o poeta faz é iluminar as coisas. Como nos versos com que encerro:

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós.



Mia Couto
in, “E se Obama fosse africano?”








terça-feira, 17 de julho de 2018

Quando o Amor Morrer Dentro de Ti





Quando o amor morrer dentro de ti, 
Caminha para o alto onde haja espaço, 
E com o silêncio outrora pressentido 
Molda em duas colunas os teus braços. 
Relembra a confusão dos pensamentos, 
E neles ateia o fogo adormecido 
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido 
Espalhou generoso aos quatro ventos. 
Aos que passarem dá-lhes o abrigo 
E o nocturno calor que se debruça 
Sobre as faces brilhantes de soluços. 
E se ninguém vier, ergue o sudário 
Que mil saudosas lágrimas velaram; 
Desfralda na tua alma o inventário 
Do templo onde a vida ora de bruços 
A Deus e aos sonhos que gelaram. 


Ruy Cinatti
in, “Obra Poética”





Por que as pessoas gritam quando estão com raiva?





No Tibete, conta-se que um velho sábio perguntou a
seus seguidores o seguinte:

Por que as pessoas gritam quando estão com raiva?

Os homens pensaram por alguns instantes:

“Porque perdemos a calma”, respondeu o primeiro, “é por isso que gritamos.

-Mas porque gritar quando a outra pessoa está ao seu lado?

-O sábio perguntou- Não é possível falar com ele em voz baixa?

Por que você grita com uma pessoa quando está com raiva?

Os demais seguidores deram algumas outras respostas, contudo, nenhum delas deixou o sábio satisfeito.

Finalmente ele explicou:

Quando duas pessoas estão com raiva, seus corações se distanciam um do outro. Para encurtar essa distância, gritam para serem ouvidos. Quanto mais irritados estiverem, mais fortes terão de gritar para se fazerem ouvir através dessa grande distância .

Então o sábio perguntou:

-O que acontece quando duas pessoas se amam?

Eles não gritam, falam suavemente.
Por quê? Seus corações estão muito próximos.

A distância entre eles é muito pequena.

O sábio continuou: “Quando você se apaixona ainda mais, o
que acontece? Eles não falam, apenas sussurram e se aproximam ainda mais de seu amor. Finalmente, eles nem precisam sussurrar, apenas olham um para o outro e é isso. É assim que
duas pessoas são próximas quando se amam.

E, encerrando a explicação, concluiu:
– Quando você argumentar, não deixe seus corações se afastarem. Não permita que saiam da sua boca palavras que os distanciem ainda mais. Pois, se assim proceder, chegará um dia em que a distância é tão grande que você não encontrará o caminho de volta.


Desconhecido



sábado, 14 de julho de 2018

After a While





After a while you learn the subtle difference
Between holding a hand and chaining a soul,
And you learn that love doesn’t mean leaning 
And company doesn’t mean security,
And you begin to learn that kisses aren’t contracts
And presents aren’t promises.
And you begin to accept your defeats
With your head up and your eyes open
With the grace of a woman, not the grief of a child.
And you learn to build all your roads on today,
Because tomorrow’s ground is too uncertain for plans,
And futures have a way of falling down in mid-flight.
After a while you learn
That even sunshine burns if you get too much.
So you plant your own garden and decorate your own soul,
Instead of waiting for someone to bring you flowers.
And you learn that you really can endure,
That you really are strong,
And you really do have worth.
And you learn and learn,
With every goodbye you learn.


Veronica A. Shoffstall






Versão alterada do poema:

After some time you learn the difference,
The subtle difference between holding a hand and chaining a soul.
And you learn that love doesn’t mean leaning,
And company doesn’t always mean security.
And you begin to learn that kisses aren’t contracts,
And presents aren’t promises.
And you begin to accept your defeats,
With your head up and your eyes ahead,
With the grace of a woman, not the grief of a child.
And you learn to build all your roads on today,
Because tomorrow’s ground is too uncertain for plans,
And futures have a way of falling down in mid-flight.
After a while you learn,
That even the sun burns if you get too much,
And learn that it doesn’t matter how much you do care about,
Some people simply don’t care at all.
And you accept that it doesn’t matter how good a person is,
She will hurt you once in a while,
And you need to forgive her for that.
You learn that talking can relieve emotional pain.
You discover that it takes several years to build a relationship based on confidence,
And just a few seconds to destroy it.
And that you can do something just in an instant,
And which you will regret for the rest of your life.
You learn that the true friendships,
Continue to grow even from miles away.
And that what matters isn’t what you have in your life,
But who you have in your life.
And that good friends are the family,
Which allows us to choose.
You learn that we don’t have to switch our friends,
If we understand that friends can also change.
You realize that you are your best friend,
And that you can do anything, or nothing,
And have good moments together.
You discover that the people who you most care about in your life,
Are taken from you so quickly,
So we must always leave the people who we care about with lovely words,
It may be the last time we see them.
You learn that the circunstances and the enviroment have influence upon us,
But we are responsible for ourselves.
You start to learn that you should not compare yourself with others,
But with the best you can be.
You discover that it takes a long time to become the person you wish to be,
And that the time is short.
You learn that it doesn’t matter where you have reached,
But where you are going to.
But if you don’t know where you are going to,
Anywhere will do.
You learn that either you control your acts,
Or they shall control you.
And that to be flexible doesn’t mean to be weak or not to have personality,
Because it doesn’t matter how delicate and fragile the situation is,
There are always two sides.
You learn that heroes are those who did what was necessary to be done,
Facing the consequences.
You learn that patience demands a lot of practice.
You discover that sometimes,
The person who you most expect to be kicked by when you fall,
Is one of the few who will help you to stand up.
You learn that maturity has more to do with the kinds of experiences you had
And what you have learned from them,
Than how many birthdays you have celebrated.
You learn that there are more from you parents inside you than you thought.
You learn that we shall never tell a child that dreams are silly,
Very few things are so humiliating,
And it would be a tragedy if she belived in it.
You learn that when you are angry,
You have the right to be angry,
But this doesn’t give you the right to be cruel.
You discover that only because someone doesn’t love you the way you would like her to,
It doesn’t mean that this person doesn’t love you the most she can,
Beacuse there are people who love us,
But just don’t know how to show or live that.
You learn that sometimes it isn’t enough being forgiven by someone,
Sometimes you have to learn how to forgive yourself.
You learn that with the same harshness you judge,
Some day you will be condemned.
You learn that it doesn’t matter in how many pieces your heart has been broken,
The world doesn’t stop for you to fix it.
You learn that time isn’t something you can turn back,
Therefore you must plant your own garden and decorate your own soul,
Instead of waiting for someone to bring you flowers.
And you learn that you really can endure.
You really are strong .
And you can go so farther than you thougt you could go.
And that life really has a value.
And you have value within the life.
And that our gifts are betrayers,
And make us lose
The good we could conquer,
If it wasn’t for the fear of trying.


Veronica A. Shoffstall



Versão portuguesa falsamente atribuída a William Shakespeare:


Depois de algum tempo aprendes a diferença,
A subtil diferença entre dar uma mão e acorrentar uma alma,
E aprendes que amar não é apoiar-se
E que companhia nem sempre significa segurança,
E começas a aprender que beijos não são contratos,
E presentes não são promessas.

E começas a aceitar as tuas derrotas com a cabeça erguida e os olhos adiante,
Com a graça de uma mulher, e não com a tristeza de uma criança
E aprendes a construir todas as tuas estradas no hoje,
Porque o terreno de amanhã é incerto demais para planos,
E o futuro tem a sua forma de cair em pleno vôo.

Aprendes que falar pode curar dores emocionais
Descobres que se leva anos para construir uma confiança
E apenas segundos para destruí-la.
E que podes fazer coisas num instante,
Das quais te arrependerás para o resto da tua vida.

Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer
Mesmo a longa distância,
E o que importa não é o que tens na vida,
Mas quem tens na vida.
E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprendes que não temos que mudar de amigos
Se compreendermos que os amigos mudam,
Percebes que o teu melhor amigo e tu
Podem fazer qualquer coisa ou nada
E terem bons momentos juntos.

Descobres que só porque alguém não te ama do jeito que tu queres que te amem
Não significa que esse alguém não te ame com tudo que pode
Pois existem pessoas que nos amam
Mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver com isso.

Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém
Algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo
Aprendes que com a mesma severidade com que tu julgas
Tu serás em algum momento condenado.

Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido,
O mundo não pára para que o consertes,
Aprendes que tempo é algo que não pode voltar a trás,
Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma,
Ao invés de esperar que alguém te traga flores.

E aprendes que realmente podes superar, que realmente és forte,
E que podes ir muito mais longe depois de pensares que não podes mais.
E que a vida realmente tem valor,
E que tu tens valor diante da vida.
E finalmente aprendes que as nossas dúvidas são traidoras
E nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar,
Se não fosse o medo de tentar...