terça-feira, 27 de dezembro de 2016

SEMPRE




Do teu passado
não tenho ciúmes.

Vem com um homem
às costas,
vem com cem homens nos cabelos,
vem com mil homens entre o peito e os pés,
vem como um rio
cheio de afogados
que encontra o mar furioso,
a espuma eterna, o tempo!

Trá-los a todos
ao lugar onde te espero:
estaremos sempre sós,
estaremos sempre, tu e eu,
sozinhos sobre a terra
para começar a vida!


Pablo Neruda


Cabra-marinha mítica




Desde dia 21 entrámos no Signo de Capricórnio

Capricórnio é representado pela Cabra da Montanha que aspira subir ao topo da montanha.
Mas não é uma cabra de montanha comum.
É realmente uma cabra-marinha mítica. 
As patas traseiras tomaram a forma de uma cauda de peixe, o que faz com que a parte de trás desta cabra se assemelhe a uma sereia. A cauda de peixe representa a nossa conexão com o elemento água e as nossas emoções. 

A cabra-mar deve manter a sua cauda conectada à Mãe Terra através do seu corpo emocional. Se ela não ficar presente no sentimento de sensibilidade, os seus pés dianteiros perdem a aderência e não podem chegar ao topo da montanha. Esta simbologia transmite informações psicológicas muito importantes sobre a nossa viajem de subida na montanha da vida.

Durante o último milénio o patriarcado redefiniu Capricórnio à sua própria imagem e mascarou este arquétipo feminino com traços masculinos. A cabra transformou-se num símbolo de conquistar o mundo com disputa e trabalho duro.
A sensação sensível que serve para dirigir as nossas acções através de um conhecimento intuitivo/instintivo interior foi esquecida e substituída por estratégias mentais sobre como podemos explorar o Planeta e os seus abundantes recursos e conquistar a realidade física com nossa astúcia e tecnologia.


Quando estamos conectados à Mãe Terra através dos nossos sentimentos profundos, conhecemos, aceitamos e honramos a sua essência como um organismo vivo. Sem sentir a sensibilidade, a Terra viva aparece como um pacote inerte de recursos para ser usado para satisfazer as nossas próprias necessidades alimentadas pela ganância. 

Como um sistema económico, a "máquina da ganância" perdeu o contacto com a casa viva (Terra) que poderia apoiar e nutrir-nos a todos nós.
O problema básico de ignorar a nossa cauda de sentimento é que as nossas emoções ficam suprimidas no nosso subconsciente.
Para o intelecto, pode parecer útil ignorar os nossos sentimentos e emoções.
No entanto, a ignorância não é bem-aventurança.
O que se esconde no nosso subconsciente cobiçosamente governa o nosso intelecto e, portanto, as nossas acções (quer acreditemos ou reconheçamos essa realidade ou não). Não é preciso muito para testemunhar que o medo, a raiva e a ganância direcionam o processo decisório daqueles que controlam os sistemas políticos e económicos.
As regras da cauda escondida.
Os resultados são óbvios e profundamente perturbadores, mesmo se negarmos a causa.


Rattana



O Nascimento do Prazer




O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.
A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.
Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte.
Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido.
Pois o prazer não é de se brincar com ele.
Ele é nós.


Clarice Lispector
in, 'A Descoberta do Mundo'



segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Why Syria

Entrevista com Gregg Braden - O Poder do Sentimento

A morte é a maior ilusão que existe


Enzzo Barrena


Desenvolver-se significa mover-se a cada momento mais profundamente no princípio da vida; significa afastar-se da morte - não ir na direcção da morte.
Quanto mais profundo você vai para dentro da vida, mais entende a imortalidade dentro de você.
Você está se afastando da morte: chega a um momento em que você pode ver que a morte não é nada, apenas um trocar de roupas ou trocar de casas, trocar de formas - nada morre, nada pode morrer.
A morte é a maior ilusão que existe.  
Osho

Geometry of the fabric of the vacuum of spacetime




Nassim Haramein on the geometry of the fabric of the vacuum of spacetime in a clip from his "Black Whole" video...



                                                           
                                                        
The Tree of Life encodes the geometry of the fabric of the vacuum of space-time

This short clip from Nassim Haramein's "Crossing the Event Horizon" 4 DVD set shows how Nassim decoded the Tree of Life, an ancient symbol from the Kabalistic tradition.

If you consider the tree to be a 3D structure rather than a 2D "flat" symbol and you also consider that the trees come in pairs, as the tradition states, then you have all the geometric information you need to be able to build the foundational geometry of the fabric of space-time: a 64 tetrahedron grid.

Ten "golden globes" joined by 22 channels: 10 + 22 = 32, a pair of which equals 64. Many other ancient documents and traditions also describe this very same geometric information from the I Ching with it's 64 hexagrams to the "Tetragramaton" in the Bible...



E adias esta urgência?




Porque 
não vens agora, que te quero 
E adias esta urgência? 
Prometes-me o futuro e eu desespero 
O futuro é o disfarce da impotência. 

Hoje, aqui, já, neste momento, 
Ou nunca mais. 
A sombra do alento é o desalento 
O desejo o limite dos mortais.


Miguel Torga



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Natal




Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitros de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher!


Ary dos Santos


Crónica de Natal





Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. «Outra vez, uma história de Natal! Que chatice!» — digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me são conferidos. Os meus direitos são falar bem, assim como para outros não falar mal. Uma vez, em Paris, um chauffeur de táxi, desses que se fazem castiços e dizem palavrões para corresponder à fama que têm, aborreceu-me tanto que lhe respondi com palavrões. Ditos em francês, a mim não me impressionavam, mas ele levou muito a mal e ficou amuado. Como se eu pisasse um terreno que não era o meu e cometesse um abuso. Ele era malcriado mas eu - eu era injusta. Cada situação tem a sua justiça própria, é isto é duma complexidade que o código civil não alcança. 

Mas dizia eu: «Outra vez o Natal, e toda essa boa vontade de encomenda!» Ponho-me a percorrer as imagens que são de praxe, anjos trombeteiros, pastores com capotes de burel e meninos pobres do tempo da Revolução Industrial inglesa. Pobres e explorados, mas, entretanto, não excluídos do trato social através dos seus conflitos próprios, como se pode observar nos livros de Dickens. Actualmente as crianças estão mais isoladas dum processo de libertação adequada à sua normalidade. Não há qualquer lógica entre o pensamento que elas sugerem e a acção que lhes é imposta. Mas isto são considerações de Natal? Confessem que preferem uma história, uma coisa leve, talvez um pouco insensata e graciosa. Pois bem, falemos de pastores.

Um amigo meu passou uns dias na serra da Estrela para se curar duma depressão, uma dessas doenças que são produzidas pela sociedade burocrática onde todos se destroem em boa paz. Cuidou ele que a solidão e a vida rude o haviam de transformar. Mas o sofrimento, que não é disciplina nem necessidade, torna-se em crítica mesquinha. Ele andava pelos montes, com ar de censura e escândalo, perguntando às pessoas como podiam viver sem ir ao teatro e sem comer costelas panadas. Alumiando-se com azeite e deitando-se ao sol-pôr para não o gastar. Sobressaltava-o muito aquela imobilidade da serra com os rebanhos que pareciam pedras e os pastores com o cão de pêlo assanhado. Sentava-se ao lado deles e travava conversa.
— Olhe lá: você nunca sai daqui? — perguntava. E o pastor respondia:
— Eu, não senhor.
— E então, não se aborrece?
— Eu, não senhor — tornava o homem.
— Mas não se aborrece mesmo, sempre sozinho, a ver só ovelhas, aqui no cimo da serra? — insistia o meu amigo.
Então o pastor, apertado naquele inquérito, fez um esforço para compreender a desordem que provocava no espírito do homem da cidade, e disse, apontando, com um ligeiro movimento do queixo, as ovelhas:
— Ah! Elas às vezes bolem...
Queria desculpar-se, se o conseguiu ou não, não sei. O meu amigo não andou muito tempo por lá. Deu um jeito a um tornozelo e tiveram que o levar de padiola até à localidade, onde arranjou melhor transporte para o hospital. Disse daquilo cobras e lagartos. Também é preciso ver que não era homem para grandes descobertas. Até acha que as descobertas foram um erro histórico. Mas que tem o Natal a ver com isto? – direis. Descubram.

Agustina Bessa-Luís 
in "Crónica da Manhã"


O Natal dos dias de hoje





A minha avó contava-me que na véspera, quando já todos dormiam, metia dentro dos sapatos de cada uma das crianças um rebuçado, e que na manhã de Natal aquilo era de uma felicidade levada a extremos. Que faziam daquilo história para o ano todo, que depois daquela manhã eram todos mais felizes. Foi este o Natal que ela me passou, mesmo que eu o achasse fraco porque já tinha um Game Boy e carros telecomandados; mas apreciava o verdadeiro sentido das coisas, o gesto que enchia corações e os tornava felizes com tanto no meio de tão pouco.

Mais tarde ela mostrou-me que a noite de Natal era uma mesa cheia, de pessoas e comida, de gargalhadas. Era o dia que a família se juntava toda em casa deles, dos avós. Os pequenos numa mesa diferente da dos adultos, porque era nestas dias que nos davam “mais largas” e à meia noite em ponto se abriam os presentes. Apagavam as luzes, e só com as da árvore, aparecia um dos adultos vestido de Pai Natal. E foi a partir dos oito anos que deixei de olhar para a chaminé na cozinha, por cada vez que o via entrar pela porta da rua; sempre achei estranha aquela logística mal feita. Eram dias felizes, a gelatina da minha tia era um brilho nos olhos de cada um e costumávamos terminar os serões com uma “cartada”. E eu gostava verdadeiramente deste Natal que me criava ansiedade na véspera e saudade na partida.

Mas o Natal já não é o que era, o tempo tem a facilidade de levar com ele as pessoas que o faziam verdadeiramente genuíno e especial, que lhe acrescentavam felicidade. Porque acredito que não foi o Pai Natal que fez os melhores Natais de sempre, eram os nossos avós, os mais adultos, que lhes davam aquele cheiro único a filhoses; eram aqueles que nunca se cruzaram com um shopping na vida.

Hoje não gosto do Natal, da correria, da preocupação, do enredo à volta de um presente, da ostentação, de quem vai dar ou receber o melhor, da pressa levada às lojas, do consumismo louco e sem regras. Da forma crucial com que se passa isto para os mais novos e nem se dá conta. Não gosto das luzes, não consigo perceber onde reside a piada num jogo de luzes pela cidade inteira, por mais bonecos que possam ter, se isso acarreta custos maiores que os que se podem.
 
O cheiro já não é aquele, e ninguém me engana porque eu conheço o cheiro do Natal quando era a sério. Nem as sobremesas são as mesmas. As prendas já não têm horário para serem abertas, têm é que existir — e se forem mais melhor. Até já se perdeu a piada de se receber aquele par de meias num embrulho maior que elas.

Para juntar a família assim, podemos fazer um Natal todos os dias, porque o dia já não se distingue da mesma forma. A época mudou mais que o gelo nos glaciares e até o Sozinho em Casa cresceu. As renas já não estacionam o trenó nos imaginários dos mais inocentes e o Pai Natal quase que já chega num Bugatti dos bons. Os enfeites são mais que a solidariedade, a união é muito inferior às filas nas lojas e as famílias unidas são jantares de grupo em massa e quantidades industriais, onde os bifinhos com cogumelos superam em larga escala o bacalhau e o perú.

Já nada é como era antes. Não gosto mesmo deste Natal, onde a tradição perdeu para a vulgaridade. E a não ser que me sente a uma mesa com o Baltasar, o Melchior e o Gaspar… onde mandemos vir panados, comamos da mirra, coloquemos incenso para que não cheire ao frito das filhoses, e no fim de tudo possamos distribuir ouro pelos mais pobres; dificilmente voltarei a gostar do Natal — pelo menos da mesma forma que a minha avó mo mostrou.


Marco Gil





Já nada é o que era...foram-se os avós...foram-se as tradições...ficaram os shoppings, as prendas caras e os doces comprados na véspera, porque hoje...não há tempo.
É apenas mais um banquete em casa de algum familiar que só vemos nestas alturas... para uma grande maioria, pelo que conheço...

Por isso reinventei o Natal!
Eu Vivo esse!

Eu, só tenho memórias de infância a partir dos 7 anos...
E nessa altura, os meus pais entraram numa crise financeira difícil, e passado um ano nascem as minhas duas irmãs.
Quero com isto dizer que, os Natais da minha memória sempre foram sem prendas, com uns chocolates na Árvore de Natal.
Guardo na memória a lareira sempre acesa, a mesa com os doces de Natal feitos pela minha mãe quando acordava de manhã com as brasas da lareira ainda acesas na nossa casa, o bacalhau cozido com couves da horta, e a caldeirada de enguias acabadas de apanhar, as sestas depois de comer a ver filmes de Natal...
Nunca tive Pai Natal em casa...a minha mãe punha o menino jesus no presépio, antes de ir para a missa do galo, e à meia-noite quando chegávamos a casa já lá estava, já tinha nascido.
Acendíamos a lareira outra vez, comíamos mais uns docinhos com o café das velhas, víamos televisão junto à lareira...e o bom do natal para mim era esse momento depois da missa do galo.
É este Natal que guardo, e que reinventei.
E é isto que ainda hoje procuro viver nesta altura do ano.
O conforto e o quentinho de casa, com os doces e as comidas do Natal em família.
E para saber a Natal, gosto de comer essas coisas só nos dias de Natal.
E feitas em casa.

Hoje em dia, perdeu-se esse sentir.
Mas, como não sou nada saudosista, não me fere que assim seja.
Cada um vive o Natal à sua maneira.
Viver e deixar viver.
Cada coisa no seu tempo...

A última vez que passei o Natal em família foi em 2004.
Foi para esquecer...nunca vi tantos presentes juntos numa só divisão.
O histerismo a abrir as prendas... a comparação de prendas...
Tudo aquilo foi novidade para mim...nunca tinha passado um Natal tão consumista, e tão vazio de emoção e de sentimentos.
Mas, as pessoas são livres de o viver como querem e bem entendem.
Quanto a mim, decidi não passar mais o Natal em família...
Reinventei o Natal...o meu Natal...

Vejo muitas famílias que se juntam em hotéis, em família, sem prendas.
Só o estar em família, sem correrias, sem preocupações...
Outras, compram tudo feito para comer em casa, todos juntos...
Outras, têm laços familiares muito fortes, juntam-se varias vezes com regularidade ao longo do ano, e fazem o Natal das Crianças, em que só elas recebem um presente cada uma. Esses continuam a viver o Natal de Sempre, em que as crianças agora são os bisnetos.
Cada um vive o Natal da forma que se sente melhor.
Mas, eu acho que lá no fundo, o espírito natalício se mantém, que é reunir a família e comerem comidas de Natal juntos. Apenas o vivem de uma forma diferente, mais consumista, com menos emoção, com menos sentir...
Mas, nem todas as famílias o vivem dessa forma.
O Natal é o que as pessoas quiserem que ele seja...

Mudam-se os tempos... mudam as mentalidades... mudam as vontades!





quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Tuning dial is the heart



"Consider your own body being made mostly of space.

Close your eyes and experience the space that you’re made of and the space around you vibrating like a crystal.
Then imagine that the rate of vibration of your biocrystal structure in the structure of the vacuum, is equivalent to the information pouring in and out of you, in the same way that a crystal radio set tuned to a certain frequency allows you to hear a specific radio station.

In the body, if the brain is the antennae of the radio set, the tuning dial is the heart, which defines the frequency of information received through the fluid dynamics rhythm of your body, and which can be altered by your emotional state."

 Nassim Haramein




"Memory is not a function of the brain directly, 
but is a function of the brain accessing the information in the vacuum. 
So the brain is like a radio." 


Nassim Haramein



O Regresso de Lilith


Kirsty Mitchell




Eu sou Lilith, a deusa das duas noites, que regressa do exílio.Sou Lilith, a mulher-destino. Nenhum macho pode escapar à minha sorte, e nenhum macho lhe quererá escapar.

Eu sou as duas luas Lilith. A negra é complementada pela branca, pois a minha pureza é a centelha do deboche e minha abstinência, o princípio do possível. Eu sou a mulher-paraíso, que caiu do paraíso, sou a arrasa-paraísos.

Sou a virgem, rosto invisível da devassa, a mãe-amante e a mulher-homem. A noite porque eu sou o dia, o lado direito porque sou o lado esquerdo, e o Sul porque sou o Norte.

Eu sou Lilith dos seios brancos. Irresistível é o meu encanto, pois os meus cabelos são negros e longos e de mel os meus olhos. Diz a lenda que fui criada a partir da Terra para ser a primeira mulher de Adão, mas não me submeti.

Sou a mulher-festa e os convidados da festa. Feiticeira alada da noite é o meu apelido, e sou deusa da tentação e desejo. Chamaram-me patrona do prazer gratuito e da masturbação, liberta da condição de mãe para ser o destino imortal.

Eu sou Lilith, que retorna da masmorra do esquecimento branco, leoa do senhor e deusa das duas noites. Recolho na minha taça o que não pode ser recolhido, e bebo-o pois sou a sacerdotisa e o templo. Esgoto todas as intoxicações para que não acreditem que eu posso beber. Faço amor comigo mesma e e reproduzo-me para criar um povo da minha linhhagem, depois mato os meus amantes para dar espaço àqueles que ainda não me conheceram.

Regresso do calabouço do esquecimento branco para quem ainda me não conhece, volto para marcar lugar e para que não creiam que eu posso beber, da brancura do esquecimento para enraizar a vida e para que o número cresça, para matar os meus amantes eu regresso.

Eu sou Lilith, a mulher-floresta. Não vivi uma espera desejável, mas sofri os leões e as espécies puras de monstros. Fecundo todas as minhas costas para construir a história. Agrego as vozes nas minhas entranhas para que o número de escravos esteja completo. Como o meu próprio corpo para que me não tratem como faminta e bebo a minha água para nunca sofrer a sede. As minhas tranças são longas no inverno, e as minhas malas não têm tecto. Nada me satisfaz, nem me sacia, e eis que regresso para ser a rainha dos perdidos no mundo.

Sou a guardiã do bem e do encontro dos opostos. Os beijos no meu corpo são as feridas de quem tentou. Da flauta das duas coxas sobe o meu canto, e do meu canto a maldição espalha-se em água sobre a terra.


Sou Lilith, a leoa sedutora. Mão de cada servidor, janela de cada virgem. Anjo da queda e consciência do sono leve. Filha de Dalila, Maria Madalena e das sete fadas. Nenhum antídoto para a minha condenação. Da minha luxúria, erguem-se as montanhas e abrem-se os rios. Venho de novo para furar com as minhas ondas o véu do pudor, e para limpar as feridas da falta com o perfume do deboche.

Da flauta das duas coxas sobe o meu canto
E da minha luxúria abrem-se os rios.
Como não poderia haver uma maré
de cada vez que entre os meus verticais lábios brilha um sorriso?

Porque eu sou a primeiro e a última
A cortesã virgem
O medo cobiçado
A adorada desprezada
E a velada desnuda
Porque eu sou a maldição do que precede,
O pecado desaparecido dos desertos quando abandonei Adão.
Ele andou aqui e ali, quebrou a sua perfeição.
Desci-o à terra e acendi para ele a flor da figueira.

Eu sou Lilith, o segredo dos dedos que insistem. Quebro caminhos divulgo sonhos rebento as cidades do macho com o meu dilúvio. Não reuno dois de cada espécie na minha arca Em vez disso, volto a eles, para que o sexo se purifique de toda a pureza.

Eu, versículo da maçã, os livros escreveram-me, ainda que não me tenham lido. Prazer desenfreado esposa rebelde o cumprimento da luxúria que leva à ruína total. Na loucura se entreabre a minha camisa. Os que me escutam merecem morrer, e aqueles que me não escutam morrerão de despeito.

Eu não sou nem a rebelde nem a égua fácil.
Antes o desvanecer do pesar último.

Eu Lilith o anjo devasso. Primeira fuga de Adão e corrompidora de Satanás. O imaginário do sexo reprimido e o seu mais alto grito. Tímida pois sou a ninfa do vulcão, ciumenta pela doce obsessão do vício. O primeiro paraíso não pôde suportar-me. E caçaram-me para que eu semeie a discórdia na terra, para que governe nos leitos os assuntos dos meus sujeitos.

Sorte dos conhecedores e deusa das duas noites. União do sono e do despertar. Eu, o feto-poetisa, ao perder-me ganhei a vida. Regresso do meu exílio para ser a esposa dos sete dias e as cinzas do amanhã.

Eu sou a leoa sedutora e volto para cobrir as submissas de vergonha e para reinar sobre a terra. Venho para curar a costela de Adão e liberar cada homem da sua Eva.

Sou Lilith
Regresso do meu exílio
Para herdar a morte da mãe a que dei vida.


Joumana Haddad
in, O Regresso de Lilith




O original traduzido de árabe para inglês pela autora:


I am Lilith, returned from her exile.

I am Lilith, returned from the prison of white oblivion, lioness of the master and goddess of the twin moons. I gather in a cup what cannot be gathered, and I drink it, for I am the priestess and the temple. I leave no drop for no one, lest they think I have had enough. I copulate and multiply by myself to make a people from my own, and then kill my lovers to make way for those who did not know me.

I am Lilith, the forest woman. I did not know a hopeful wait but I have known lions and true beasts. I impregnate all parts in me to weave the tale; I gather voices in my womb to complete the number of slaves. I eat my body so I am not accused of hunger and I drink my water so I am not thirsty. My tresses are long for the winter and my bags have no ceiling. Nothing quenches me and nothing fills me, and I return to be the lioness of the lost on earth.

Long are my tresses
Far
And long
Like a smile fading away in the rain
Slumber after pleasure reached.
My shivers are scars of shadows sometimes
And gleams of the blade, at all times.

I am the guardian of the well, the sum of contrasts. Kisses on my body are the scars of those who tried. From the flute between the thighs my song rises and from my song flows the curse, water on the earth.

I am the two moons Lilith. The hand of every maiden, the window of every virgin. The angel of the fall and the conscience of light slumber. Daughter of Delilah, Magdalena and the seven fairies. From my lust mountains rise and rivers break. I return to injure the wisp of virtue with my water and rub the ointment of sin on the wounds of deprivation.

I am the curse of past curses
The enticer of boats so the storm will not abate
My names bejewel your tongues when thirsty you
Follow me as the touch follows the kiss
And take me like the night on his mother’s breast.

I am Lilith the secret of fingers that insist. I open the road and uncover dreams and lay bare the cities of manhood for my deluge. I do not gather two from each kind but I become them so the species will be pure from any virtue.

The dreams are all open to me
I am the conscience of light slumber
I wear and shed the dream
entice the boats away and don’t guide the storm
I scatter the sky with the cunning of a cloud
So no one gets my honey
I have no home and no pillow
I am the naked
Who gives nudity the flower of its meaning.

I am Lilith the cup and the server
I came to say:
More than one cup for me
I came to say:
The server is blind
I came to say:
Adam, Adam, you are busy with many matters but the need is one.

Gather me
The need is one
Come gather me in the rain of your eyes
Stab your mounts in my abyss
Carve your features in the memory of my palms
And breathe the tigress lurking at the drop of the shoulders.

I am Lilith, the verse of apple. Books wrote me even if you did not read me. I am the unbridled pleasure the renegade wife the fulfilment of lust which brings the great destruction. My shirt is a window on madness. Whoever hears me deserves to die and whoever does not hear me will be killed by his remorse.

I am the moon within
Astray is my compass and migration my home
No caller knocks at my door
No house leads to my window
And no window exists but the illusion of a window.

I am not the stubborn steed or the easy ride, rather the shiver of the first seduction.
I am neither the stubborn horse nor the easy steed, rather the debacle of the final regret.

I am Lilith the destiny woman
Salome’s last dance and the fading of the light
I climb your night stone by stone every time the sun of absence bleeds the horizon
I climb to set a dream to the table
I delve into your vagabond mind
I make room for my head in your sleep.

For my blazes I climb up the stairways of the night
And for your dreams
I seek not certainty but obsession
Not arriving but the pleasure of not arriving.
Your night is my ladder to me
And my hand to beneath the imaginary.

I am the two genders Lilith. I am the desired gender. I take and am not given. I bring back to Adam his truth, and to Eve her ferocious breast so the logic of creation is appeased.

I am the one who was conceived under the sign of ecstasy
She whose presence rises
She whose tongue is a beehive
She who is a cake, eaten and kept
She who is the crying hunger
And who Limbo preserves.

I am the arrogance of the two breasts
Budding to grow and laugh
To want and be eaten
My breasts are salty
So high that I do not reach them:
Kiss them for me.

Two lamps hint in two lights
Budding so that their mischief may be forgiven.

I am Lilith, the lascivious angel. Adam’s first steed, corrupter of Satan. The shadow of stifled sex and its purest scream. I am the shy maiden of the volcano, the jealous because I am the beautiful whisperer of the wilderness. The first paradise could not stand me. I was pushed out to sow conflict on earth and arrange in beds the matters of my subjects.

My hand is the key to flame and the fierceness of hope
Your bodies are firewood and my hand is the fireplace
My hand is unbridled desire:
With faith
It moves mountains.

I, the goddess of the twin nights, the destiny of the wise. The unity of sleep and wakefulness. I am the foetus poet. I slew myself and found her. I return from my exile to be the bride of the seven days and the destruction of future life.

I am the seducing lioness. I return to slay the prisoners and rule the earth.
I return to mend Adam’s ribs and rid the men from their Eves.

I am Lilith, returned from exile to inherit the death of the mother to whom
I gave birth


Joumana Haddad
in, The Return to Lilith



O Tempo que Foge




Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!


Ricardo Gondim
in, “Creio, mas tenho Dúvidas”



quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Curadores



Os Curadores são guerreiros espirituais que tiveram a coragem de entrar na sua própria escuridão, despertando e renascendo das profundezas dos seus medos, como uma fénix das cinzas.
Renascem com uma sabedoria e força que brilha o suficiente para ajudar, encorajar e inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo, e a renascerem da sua própria escuridão.
  
Melanie Koulouris



Amo-te Sem Saber Como




Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio 
ou seta de cravos que propagam o fogo: 
amo-te como se amam certas coisas obscuras, 
secretamente, entre a sombra e a alma. 

Amo-te como a planta que não floriu e tem 
dentro de si, escondida, a luz das flores, 
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo 
o denso aroma que subiu da terra. 

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde, 
amo-te directamente sem problemas nem orgulho: 
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira, 

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és, 
tão perto que a tua mão no meu peito é minha, 
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono. 


Pablo Neruda
in "Cem Sonetos de Amor"



O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo





Há no Ser Humano um desejo imenso pela liberdade, mas um medo ainda maior de vivê-la. Algo parecido disse Dostoiévski, ou talvez eu esteja dizendo algo parecido com o dito pelo escritor russo. No entanto, como seres significantes que somos, analisamos as coisas sempre a partir de uma determinada perspectiva e, assim, passamos a atribuir-lhes valor. Dessa maneira, até conceitos completamente opostos, como liberdade e escravidão, podem se confundir ou de acordo com o prisma de quem analisa, tornarem-se expressões sinónimas, como acontece no mundo distópico de George Orwell, 1984, em que um dos lemas do partido – “Escravidão é Liberdade” – é repetido à exaustão.

Não é à toa, as boas distopias têm como grande valor predizer o futuro.
E em todas elas – 1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451, Laranja Mecânica – há um ponto em comum: a liberdade dos indivíduos é tolhida e, consequentemente, convertida em escravidão.
No entanto, através de mecanismos sócio-políticos a escravidão é ressignificada como liberdade, de modo que mesmo tendo a sua liberdade cerceada, os indivíduos entendem gozarem plenamente desta.

Nas histórias supracitadas, embora a maior parte da população esteja acomodada e aceite com enorme facilidade absurdos, existem indivíduos que se permitem compreender as suas reais situações e ousam lutar contra a ordem estabelecida. Esse processo é, todavia, extremamente doloroso, uma vez que é muito mais fácil se acomodar a enfrentar a realidade e todas as consequências dolorosas que enfrentamos invariavelmente quando decidimos sair da caverna, para lembrar Platão.

Posto isso, há de se considerar que ser verdadeiramente livre requer a responsabilidade de encarar o mundo sem fantasias, ou seja, tal como ele é. Dessa forma, existe no homem grande susceptibilidade a aceitar o irreal como real, a fantasia como verdade, a Matrix como o mundo real. Sim, o filme Matrix é um grande exemplo do medo que possuímos de encarar a realidade. No personagem de Cypher (Joe Pantoliano) encontramos o maior expoente desse comodismo, já que sendo a realidade um mundo destruído, um caos constante, é muito melhor viver na Matrix, onde ele “pode ser o que quiser”, ainda que não passe de uma grande mentira.

Em outras palavras, Cypher representa a ideia de que sendo a realidade algo tão assustador, a ignorância é uma benção, pois sendo ignorante, pode-se comprar mentiras como verdades facilmente, bem como, aceitar a Matrix como realidade e a escravidão como liberdade.

As realidades apresentadas no mundo das artes (ficções, que ironia), refletem a nossa própria realidade, em que, assim como Cypher, temos preferido viver vidas fantasiosas, cercadas de superficialidade e aparências, determinadas pelo hedonismo da sociedade de consumo e, consequentemente, o nosso egoísmo ganancioso buscando galopantemente realizar todos os desejos que impedem de acordarmos de um sonho ridículo.

Apesar de tudo isso, pode-se considerar que de facto é melhor ser um escravo feliz do que um ser livre, triste, inconformado e amedrontado. No entanto, a problemática ganha corpo na medida em que se entende que há coisas que só podem ser feitas sendo o sujeito livre, uma vez que a gaiola é sempre limitadora, sobretudo, aos desejos mais intrínsecos e, portanto, mais latentes e verdadeiros no ser. Assim, por mais que a escravidão seja ressignificada, fantasiada e “transformada” em liberdade, sempre haverá pontos em que o indivíduo sentirá necessidade de alçar voos mais altos, os quais, obviamente, não poderão ser realizados, haja vista a limitação das gaiolas, o que implica a insatisfação, ainda que tardia, da condição escrava em que o indivíduo se encontra.

Sendo assim, constatamos que “O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo”, posto que para gozar a liberdade é preciso coragem para se arriscar no terreno das incertezas e da luta. E, assim, temos preferido permanecer na caverna, orgulhosos das nossas sombras, já que lembrando outra vez Dostoiévski – “As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”. Entretanto, como disse, mais hora, menos hora, nos enxergamos e percebemos que o que nos circunda é falso, de tal maneira que desejamos sair, correr, voar, ser livres.

O grande problema nisso é que quando se acostuma a viver numa gaiola, quando se é livre perde-se a capacidade de voar, pois as correntes que nos prendem são criadas pelas nossas mentes, de forma que mesmo fora da caverna, continuamos prisioneiros de uma mente que se acostumou a ser covarde e preferiu acreditar na contradição de que ser escravo era o maior acto de liberdade.


Erick Morais


terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O mundo das aparências


Victor Demarchelier



Apareço, Logo Existo: 
O mundo das aparências 
por Bauman, Nietzsche e Shakespeare



O mundo contemporâneo é regido pelo estratagema da comunicação, provavelmente este seja o maior pilar erguido pela era da informação. Bauman, contextualizando Descartes, versa que para que haja existência – neste mundo tenebroso – é preciso, sobretudo, aparecer; propagandear-se, por assim dizer. ”Apareço, logo existo”. Quem não está presente nas Redes Sociais é como uma esponja, um sujeito paupérrimo, possivelmente um eremita. É preciso que se diga: o Facebook, muito mais do que refletir a nossa imagem, cria outro ser, indiferente ao que somos geralmente na vida tangível. A internet é um paraíso digital no qual podemos selecionar um mundo só nosso: somos mais bonitos, mais pacientes e mais inteligentes. Para fugir do inferno dantesco que é a realidade, basta uma espaçonave para o mundo digital. Quem topa a viagem?

Hamlet talvez seja o Personagem que mais ojerizaria ”o mundo contemporâneo das aparências”, afinal, como asseverou o Historiador Leandro Karnal, Hamlet é o anti-facebook. O personagem de Shakespeare odeia o mundo dos seres falastrões, indivíduos que se regozijam com o personagem que eles mesmo criam e chamam de ”eu”; a prova disso era o seu desprezo ao personagem mais falso da peça: Polónio.
Nietzsche, também um assíduo leitor de Shakespeare, chama atenção para o descaso que nós temos com nós mesmos, a recusa que temos em conhecer o nosso interior, de tal maneira que não suportamos mais ficar sozinhos e erigimos, dessa forma, um cárcere sobre nós mesmos.

O falso amor de si mesmo transforma a solidão em prisão.
Friedrich Nietzsche

O filósofo Esloveno Slavoj Zizek entende que cada vez mais a modernidade alimenta o mundo das aparências, de tal maneira que hoje não basta irmos a casa da vizinha que odiamos e dizer bom dia, é preciso pairar uma aparência de jubilo e felicidade. Não basta sorrirmos para uma foto em um dia em que preferimos ter uma corda pra se enforcar, é indubitavelmente importante que seja um sorriso sincero. A vida nos prepara para sermos atores em um mundo sem roteiro, em que tudo que sabemos é que precisamos Comprar e Sorrir. 

A frase trágica de Macbeth, personagem mais trágico de Shakespeare, traduz essa inconstância:

“A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cómico que se empavona e agita por uma hora no palco, sem que seja, após, ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa.”

Faríamos qualquer coisa para conseguir a aceitação dos outros? 
Um pacto com o demónio, um ”eu te amo” dissimulado, uma foto mostrando uma vida totalmente diversa da nossa? 
As perguntas são flechas certeiras que acertam o nosso peito.
E se a psicanálise estiver certa e formos mesmo ”seres da falta”, então, porventura estamos perdidos? Não podemos viver sem ter que penhorar as nossas vidas à igreja, às drogas , à hipocrisia. 
Precisamos mesmo de um mecanismo de fuga, para que não lembremos de nossa limitação e da morte que nos persegue a cada dia? 
Cada um com a sua caverna escura e sombria.

Viver é ter de carregar nas costas os cadáveres de nosso passado: as inúmeras pessoas que já fomos e que hoje se perderam em uma memória cada vez mais escassa, aqueles amigos que foram e nunca mais voltaram, os que morreram biologicamente e os que morreram pra dar lugar a outro ser completamente diferente. Ficar sozinho é acender uma vela a cada um destes seres moribundos, que balbuciam em nossas costas, pedindo misericórdia e rezando para que tudo volte a ser como era antes. Não há mais volta, e nós dois sabemos disso, caro leitor. Mesmo que você remarque encontros com os amigos de infância, ao encontrá-los, você perceberá que não são mais os mesmos que brincavam com seus brinquedos no Jardim De Infância. Os desenhos não têm a mesma graça de quando éramos crianças.Talvez isso revele o porquê de querermos ficar sempre em multidões, temos medo do que podemos encontrar dentro de nós, medo desses cadáveres do passado. E, assim, nos tornamos uma presa fácil a um mundo de fingimento.

Falar muito de si mesmo também pode ser uma forma de ocultar-se, a frase é do Filósofo Bigodudo (Nietzsche), e ela revela a mais profunda ideia de manipulação, pois quando falamos de nós mesmos, também estamos selecionando o que falar, portanto, escondendo as margens diabólicas de nossas vidas, para evitar qualquer possível apedrejamento físico ou mental. Desconfie de pessoas que passam muito tempo falando de suas próprias vidas e de suas virtudes, elas provavelmente fazem isso por medo de que descubram a faca que as suas mãos seguram por detrás de suas costas.

E voltando a peça de Shakespeare, Macbech, uma frase proferida por um de seus personagens é bastante elucidativa para concatenar os pontos, eis a frase:

“Não existe arte que ensine a ler no rosto as feições da alma.”

A menos que tenhamos habilidades similares as do Professor Xavier, não poderemos entender o que se passa na cabeça das pessoas. O que os olhares e sorrisos escondem por dentro – às vezes lágrimas, às vezes ódio – qualquer disfarce que nos furta o entendimento do que há por dentro das cascas sorridentes.

Eu sugiro uma visita ao Oraculo de Delfos e uma leitura da frase pleonástica esculpida em sua entrada :
“Conhece- te a ti mesmo”,
frase socrática que nos convida a embarcar em um mundo perigoso, todavia, necessário – o mundo que há dentro de nós. E só depois tentar entender o significado dos sorrisos vazios.


João Neto Pitta



Assim te lembro




Penso em ti como um desejo interrompido 

que se teceu na minha memória.

E sonho-te mais do que te recordo.

Selecciono. 
Invento-te um nome, um rosto. 

Reconstruo. 
Reconstruo-te.

Peça a peça.
Minuciosamente – real ou irreal,

- Assim te lembro.


| Amélia Pais |


Amar É Deixar Ir




Emocionada...
Esta é a minha ideia de Relacionamento Livre, que é muito diferente de um Relacionamento Aberto, Polígamo, ou Poliamor, como lhe queiram chamar...
A minha ideia de  relacionamentos saudáveis entre pais e filhos, entre amigos...
É muito difícil um Ser Humano amar assim... são precisos muitos e muitos e muitos anos de amadurecimento, e mesmo assim, é quase impossível... somos muito egoístas.
Este é o Verdadeiro Amor Incondicional!!!!
Não conheço nenhum Ser Humano capaz de tal capacidade de amar.
Pomos sempre condições aos que amamos...sejam eles filhos, família, amigos ou amantes...


Sobre Amor Condicional e Amor Incondicional,
 VER AQUI amor-e-odio amor-condicional-e-incondicional


Dechen, um pequeno monge budista tibetano em processo de aprendizagem, tem uma grande paixão pela jardinagem. Ele planta uma flor no jardim, observa-a, cuida dela, dedica-se a ela com muito carinho e total dedicação.
Um dia, vem uma tempestade e, o monge tenta proteger a flor do vento, da chuva e do frio.
Para a proteger, ele tira a flor do jardim e põe-na num vaso dentro de casa, protegida do que ele considerava mau para ela.
No entanto, a planta com o tempo foi perdendo o brilho e a força, apesar de todos os cuidados do pequeno monge. O monge cada vez se dedica mais à flor, mas os seus esforços são em vão. A flor começa a perder as pétalas, e está prestes a morrer.
Até que um dia, o pequeno monge deixa de fazer as suas tarefas, deixa de ser quem é, para ficar ao lado da flor. Passa a ficar obcecado, frustrado e furioso.
E quando o seu mestre o chama à atenção, pelo seu comportamento obsessivo com a flor, ele foge do templo revoltado. Estava uma noite de tempestade, e quando parou de chover, o pequeno monge olhou para o jardim e viu as flores todas cheias de vida, de força e de brilho.
Foi quando o pequeno monge descobriu que a flor só teria uma vida feliz no lugar dela, no jardim.
Ele tira a flor do vaso e planta-a de novo no jardim que ela tanto ama.
Ali a flor renasce e volta a ser bela.
E o menino monge descobre que, quando amamos muito algo ou alguém, não podemos deixá-lo cativo. Pois cada ser é ímpar e possui o seu modo íntimo de felicidade.
Ele descobre que amar é aceitar a felicidade do outro, mesmo que essa felicidade não seja ao seu lado.
Que não adianta deixar de ser ele próprio, para se dedicar ao que ele acha ser o melhor para o outro.
E que, por mais que nos dediquemos ao nosso objecto de desejo, ele precisa do seu próprio espaço para respirar, para crescer, para resplandecer e ser a melhor versão de si mesmo.


 “Deixar livre 
é o único modo de amar verdadeiramente”. 
Clara Dawn



The Solar System family portrait




The Solar System family portrait. 
 (it took 50 years 
to the day to complete the set of these photos)...








segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

.........................without memory, there is no time




Nassim Haramein theorizes that without memory, there is no time. 
If you can't remember the second before then you have no concept of time or the concept of time looses it's meaning... 
The reason we have memory, he suggests, is because events are encoded holographically on to the structure of spacetime itself, therefore memory and consciousness are not just in the brain they are actually imprinted on to spacetime itself through a quantum wormhole information network...



Contrariedades




Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; 
Nem posso tolerar os livros mais bizarros. 
Incrível! Já fumei três maços de cigarros 
Consecutivamente. 

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: 
Tanta depravação nos usos, nos costumes! 
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes 
E os ângulos agudos. 

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora 
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; 
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes 
E engoma para fora. 

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! 
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. 
Lidando sempre! E deve a conta na botica! 
Mal ganha para sopas... 

O obstáculo estimula, torna-nos perversos; 
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, 
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, 
Um folhetim de versos. 

Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta 
No fundo da gaveta. O que produz o estudo? 
Mais duma redação, das que elogiam tudo, 
Me tem fechado a porta. 

A crítica segundo o método de Taine 
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa 
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa 
Vale um desdém solene. 

Com raras exceções merece-me o epigrama. 
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo, 
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho 
Diverte-se na lama. 

Eu nunca dediquei poemas às fortunas, 
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas. 
Independente! Só por isso os jornalistas 
Me negam as colunas. 

Receiam que o assinante ingênuo os abandone, 
Se forem publicar tais coisas, tais autores. 
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores 
Deliram por Zaccone. 

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa, 
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie; 
E a mim, não há questão que mais me contrarie 
Do que escrever em prosa. 

A adulação repugna aos sentimentos finos; 
Eu raramente falo aos nossos literatos, 
E apuro-me em lançar originais e exatos, 
Os meus alexandrinos... 

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso! 
Ignora que a asfixia a combustão das brasas, 
Não foge do estendal que lhe umedece as casas, 
E fina-se ao desprezo! 

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova. 
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente, 
Oiço-a cantarolar uma canção plangente 
Duma opereta nova! 

Perfeitamente. Vou findar sem azedume. 
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, 
Conseguirei reler essas antigas rimas, 
Impressas em volume? 

Nas letras eu conheço um campo de manobras; 
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague, 
E esta poesia pede um editor que pague 
Todas as minhas obras 

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? 
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? 
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia... 
Que mundo! Coitadinha! 


Cesário Verde
in "O Livro de Cesário Verde"




O Amor e a Vida





O amor é uma imagem da nossa vida. Tanto o primeiro quanto a segunda estão sujeitos às mesmas revoluções e mudanças. A sua juventude é resplandecente, alegre e cheia de esperanças porque somos felizes por sermos jovens assim como somos felizes por amar. Este agradabilíssimo estado leva-nos a procurar outros bens muito sólidos. Não nos contentamos nessa fase da vida com o facto de subsistirmos, queremos progredir, ocupamo-nos com os meios para nos aperfeiçoarmos e para assegurar a nossa boa sorte. Procuramos a protecção dos ministros, mostrando-nos solícitos e não aguentamos que outrem queira o mesmo que temos em vista. Este estímulo cumula-nos de mil trabalhos e esforços que logo se apagam quando alcançamos o desejado. Todas as nossas paixões ficam então satisfeitas e nem por sombras podemos imaginar que a nossa felicidade tenha fim.

No entanto, esta felicidade raramente dura muito e fatiga-se da graça da novidade. Para possuirmos o que desejámos não paramos de desejar mais e mais. Habituamo-nos ao que temos, mas os mesmos haveres não conservam o seu preço, como nem sempre nos tocam do mesmo modo. Mudamos imperceptivelmente sem disso nos darmos conta. O que já adquirimos torna-se parte de nós mesmos e sofreríamos muito com a sua perda, mas já não somos sensíveis ao prazer de conservar o adquirido. A alegria já não é viva, procuramos noutro lado que não naquele que tanto desejámos.

Esta inconstância involuntária acontece com o tempo que, sem querermos, não perdoa: mexe no nosso amor e na nossa vida. Apaga sub-repticiamente dia-a-dia algo da nossa juventude e da nossa alegria, destruindo os nossos maiores encantos. Tornamo-nos mais circunspectos e juntamos negócios às paixões. O amor já não subsiste por si mesmo, indo alimentar-se de ajudas exteriores. Este estado do amor corresponde àquela idade em que começamos a ver por onde devemos acabar com ele, mas não temos a força para acabar directamente.

No declínio, no amor como no da vida, ninguém pode decidir-se a prevenir os desgostos que ainda estão por vir; ainda se vive para os males, mas não mais para os prazeres. Os ciúmes, a desconfiança, o medo de nos tornarmos maçadores e o medo que nos abandonem são males ligados à velhice do amor, tal como as doenças são ligadas à demasiado longa duração da vida. Nesta idade, sentimo-nos viver porque sentimos que estamos doentes, como só sabemos que estamos apaixonados quando sentimos as penas do amor. Não saímos do torpor das demasiado longas relações senão pelo despeito e pela mágoa de nos vermos sempre ligados. Finalmente, de todas as decrepitudes, aquela do amor é a mais insuportável.


François de La Rochefoucauld