sábado, 30 de abril de 2016

Magnificat



Quando é que passará esta noite interna, o universo, 
E eu, a minha alma, terei o meu dia? 
Quando é que despertarei de estar acordado? 
Não sei. O sol brilha alto, 
Impossível de fitar. 
As estrelas pestanejam frio, 
Impossíveis de contar. O coração pulsa alheio, 
Impossível de escutar. Quando é que passará este drama sem teatro, 
Ou este teatro sem drama, 
E recolherei a casa? 
Onde? Como? Quando? 
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo? 
É esse! É esse! Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei; 
E então será dia. Sorri, dormindo, minha alma! 
Sorri, minha alma, será dia !

Álvaro de Campos


A vida é um paradoxo




A minha vida é um paradoxo, um desejo simultâneo de movimento e estabilidade, conexão e solitude. Eu entendo tudo, mas percebo que não sei nada. Descobri os segredos mais profundos do Universo, e ainda estou constantemente a tentar descobrir as respostas para a minha própria existência.

Oscilo entre aqui e lá, mortalidade e infinito, a terra e as estrelas.
Eu pertenço a todos os lugares e a lugar nenhum.

Tenho um amor selvagem por lugares, pessoas e modos de ser que ditam a maioria das minhas decisões e empreendem uma constante guerra dentro de mim.
As cidades têm magia e movimento, histórias e pessoas; elas pulsam com a sua própria força de vida. Mantêm as possibilidades de encontros casuais e oportunidades; amantes se encontram uns aos outros, olhos se cruzam entre multidões e cafés. Amigos e desconhecidos reúnem-se em parques e em mesas carregadas de comida, vinho e memórias.

No entanto, a quietude da natureza sempre me chamou para os seus braços; Fico seduzida pelo seu ritmo calmo, a sua paciência, os seus sons. Não há nada que se compare ao som das ondas contra a costa ou a estranha sensação de conforto que se sente em florestas. As montanhas chamam-me para algum lugar dentro de mim; e as pedras, as árvores e os riachos. A sua sabedoria antiga estende-se de volta ao início dos tempos.

Ninguém jamais deixou o deserto sem aprender algo sobre o seu próprio eu.

Esta justaposição de caos e solitude tem sido um tema de repetição na minha vida. É um reflexo do meu mundo interior; Eu sou dois seres contidos dentro de um corpo. Eu contenho desejos opostos; Sou feita de trovoadas e lagos plácidos. Eu sou parte furacão, parte um calmo rio, selvagem e ainda assim com fundações.

Eu quero a vibração, o romance das cidades e a estrada aberta, no entanto anseio pela calma de estabelecer raízes profundas nas selvagens planícies da terra.

Sou perpétuamente puxada em mil direcções diferentes; pela sedução hipnótica do desejo de viajar e um profundo desejo de experimentar tudo o que puder.

~ Zoe Quiney


Presos ao Passado




Num romance que estou a escrever há uma personagem a quem perguntam:
"E onde irás ser sepultado?"
E ela responde:
"A minha sepultura maior não mora no futuro. A minha cova é o meu passado."

De facto, cada um de nós corre o risco de ficar sepultado no seu próprio passado.
Todos temos de resistir para não ficarmos aprisionados numa memória simplificada que é o retrato que outros fizeram de nós.
Todos trazemos escrito um livro, e esse texto quer-se impor como nossa nascente e como nosso destino.
Se existe uma guerra em cada um de nós é a de nos opormos a esse fado, de estarmos condenados a uma única e previsível narrativa.


Mia Couto
in, E Se Obama Fosse Africano?


sexta-feira, 29 de abril de 2016

................................exigência de ser algo




QUAL A CRENÇA QUE NOS OBRIGA 
A TRANSFORMARMO-NOS À FORÇA?


Mais um momento incrivel para tomada de consciência, nas próximas horas iremos ter a oportunidade de quebrar a crença da exigência de ser algo, de chegar a algo, de encontrar o caminho para terminar com algo, de sentir onde estamos a dar vida a uma ilusão do ego que não aceita a sua fragilidade...

Somos seres humanos, temos todo o direito a sentir a nossa fragilidade, mas ainda vivemos sob a crença de que se compreendermos tudo vamos evitar essa exposição ...

Essa atitude deverá ser mudada, pois ela está a impulsionar uma instintiva urgência, tenho que perceber para não viver isto que estou a sentir... só percebendo vou controlar e não sentir...
Sem nos apercebermos estamos a dar vida a uma exigência violentissima, a criar uma pressão de obrigatoriedade de saber para não sentir e a empurrarmos a criança para um quarto onde já nada pode ter para brincar, pois tem que estar sempre a fazer tpc... não pode relaxar usufruir ...

Claro que existe uma duplicidade nesta energia, na verdade a vida é esse crescimento constante onde tomamos consciência de atitudes que fragilizam e violentam o nosso ser, então pára ... não te obrigues, porque é aí que está a ilusão...
És feliz com essa constante obrigação ?
Porque te obrigas?
Qual a crença que está escondida?
Queres fazer tudo para finalmente usufruires?

É uma ilusão, desmonta essa crença e sente onde a Criança Deus no teu coração te está a pedir que a deixes ser frágil, que a cuides, que lhe dês amor e pára de a obrigares a fingir que não é frágil, de lhe devolveres responsabilidades em cima de responsabilidades para crescer...

A imagem que me vem é da eterna busca do santo graal...
Onde está a verdade para finalmente poder descansar...
Que ilusão, que violência essa urgência de Ser...

Criança Deus está em Nós... cuidar da nossa fragilidade , aceitá-la e não violentá-la...
Dar-lhe a liberdade de SER...
Ao querermos fugir dela criamos violência, pois ela vai ser obrigada a fazer algo para não sentir...
Impossível...

Retirar essa obrigação transforma tudo... cria calma, tranquilidade, mesmo na maior tempestade... só assim ela pode fazer quando se sentir segura...
Deus fala no coração e une consciência essência e cuidar humano...
Esse é o porto seguro da Criança feliz...
Mas sem ilusões, pois aceitar a nossa fragilidade é aceitar não obrigar nada...
Então dá-se a Paz, mesmo que o mundo esteja virado ao contrário...
Eu aceito a minha fragilidade e derrubo a máscara da obrigação...

Lua conjunta a Plutão em capricórnio, trigono ao mercúrio em touro, trigono a jupiter em virgem e sextil a neptuno em peixes...

Ruth Fairfield


5 planetas retrógrados...Aguenta coração!!!!
De 28 de Abril até 09 de Maio a intensidade está no seu pico...

Mercúrio  28/Abr/16  a  22/Mai/16
Marte  17/Abr/16  a  29/Jun/16
Júpiter 16/Jan/ 16  a  9/Maio/16
Saturno  25/Mar/16  a  13/Ago/16
Plutão  18/Abr/16  a  26/Set/16



"Tente ser mais atento aos movimentos reactivos que o estão a mover, use a mente para percepcionar apenas o momento, onde andam as suas emoções, as suas compulsões e em vez de saltar de um polo para outro, reacção versus paralisia... encontre um ponto de estabilidade apenas com o que está sentir no momento... não tente perceber o que fazer para encontrar estabilidade, mas encontre a estabilidade na percepção do momento apenas, do que está a tentar controlar para encontrar estabilidade...
Não irá a lado nenhum assim, é apenas controle do que sente ...
Aceite o que sente e relaxe, encontre-se consigo nessa nova forma de estar... só assim a acção será matura..."

Ruth Fairfield


O Caminho do Mago




Existe um Mago dentro de todos nós.

Esse Mago tudo vê e tudo sabe.

O Mago está além dos opostos da luz e das trevas, do bem e do mal, do prazer e da dor.

Tudo que o Mago vê tem suas raízes no mundo invisível.

A natureza reflete o estado de alma do Mago.

O corpo e a mente podem adormecer, mas o mago está sempre desperto.

O Mago possui o segredo da imortalidade.

A volta da magia só pode acontecer com o retorno da inocência.

A essência do Mago é a transformação.

Quem sou eu?

É a única pergunta que vale a pena ser feita e a única que jamais é respondida. É seu destino desempenhar uma infinidade de papéis, mas esses papéis não são você.O espírito não é localizado, mas deixa atrás de si uma impressão digital que chamamos de corpo.

Um Mago não acredita ser um evento localizado que sonha com um mundo maior. Um Mago é um mundo que sonha com eventos localizados.

Os Magos não acreditam na morte. À luz da consciência, tudo está vivo! Não existem inícios ou fins. Para o Mago, eles não passam de elaborações mentais. Para viver mais plenamente, é preciso morrer para o passado. As moléculas se dissolvem e se extinguem, mas a consciência sobrevive à morte da matéria na qual ela viaja.

A consciência do Mago é um campo que existe em toda a parte. As correntes de conhecimento contidas no campo são eternas e circulam eternamente. Séculos de conhecimento estão comprimidos em momentos reveladores. Vivemos como ondulações de energia no vasto oceano de energia.

Quando o ego é posto de lado, temos acesso à totalidade da memória. Quando as portas da percepção forem purificadas, você começará a ver o mundo invisível: o mundo do Mago.

Existe dentro de você um manancial de vida onde você pode purificar-se e transformar-se.
Purificar-se consiste em livrar-se das toxinas da sua vida: emoções tóxicas, pensamentos tóxicos e relacionamentos tóxicos. Todos os corpos vivos, físicos e subtis, são feixes de energia que podem ser directamente percebidos.

O Mago vive num estado de conhecimento. Esse conhecimento dirige sua própria realização. O campo da consciência se organiza ao redor das nossas intenções. O conhecimento e a intenção são forças. O que você pretende muda o campo ao seu favor. As intenções comprimidas em palavras envolvem o poder mágico.

O Mago não tenta solucionar o mistério da vida. Ele está aqui para vivê-lo.

Todos possuímos um eu-sombra que é a parte da nossa realidade total. A sombra não está presente para magoá-lo e sim para mostrar-lhe onde você está incompleto. Quando a sombra é abraçada, ela pode ser curada. Quando ela é curada, ela se transforma em amor. Quando você puder viver com todas as suas qualidades opostas, você estará vivendo seu eu total como o Mago.

O Mago é o mestre da alquimia. A alquimia é a transformação. É através da alquimia que você começa a busca da perfeição. Você é o mundo. Quando você se transforma, o mundo em que você vive também será transformado.

As metas da busca – o heroísmo, a esperança, a graça e o amor – são a herança do intemporal.

Para invocar a ajuda do Mago, você precisa ser forte na verdade, sem ser teimoso no julgamento.

A sabedoria está viva e é, portanto, sempre imprevisível. A ordem é outra face do caos, o caos é outra face da ordem. A incerteza que você sente interiormente é a porta de entrada para a sabedoria. A insegurança sempre estará com o que busca: ele continua a tropeçar, mas nunca tomba.

A ordem humana é feita de regras.
A ordem do Mago não tem regras: ela flui com a natureza da vida.

A realidade da sua experiência é uma imagem especular das suas expectativas. Se você projectar as mesmas imagens todos os dias, sua realidade será a mesma todos os dias. Quando a atenção é perfeita, ela cria ordem e clareza a partir do caos e da confusão.

Os Magos não lamentam a perda, porque a única coisa que pode ser perdida é o irreal. 
Mesmo que você perca tudo, o real permanecerá. No cascalho da devastação e do desastre estão enterrados tesouros ocultos. Quando você examinar as cinzas, examine bem!

Na medida em que você conhece o amor, você se torna o amor. O amor é mais do que uma emoção. Ele é uma força da natureza e, portanto, tem que conter a verdade. Quando você pronuncia a palavra amor, você pode captar o sentimento, mas a essência não pode ser proferida.
O amor mais puro situa-se onde é menos esperado: no desapego.

Além de andar, sonhar e dormir, existem infinitas esferas de consciência. O Mago existe simultaneamente em todas as épocas. O Mago vê infinitas versões de cada evento. As linhas rectas do tempo são na verdade fios de uma teia que se estende em direcção ao infinito.

Os buscadores nunca se perdem, porque o espírito está sempre acenando para eles. Os buscadores recebem continuamente pistas do mundo do espírito. As pessoas comuns chamam essas pistas de coincidências. Não existem coincidências para o Mago. Cada evento existe para expor outra camada da alma.

O espírito deseja conhecê-lo. Para aceitar esse convite, você precisa deixar cair suas defesas. Comece a procurar em seu coração. A gruta do coração é o lar da verdade.

A imortalidade pode ser vivida em meio à mortalidade. O tempo e o intemporal não são opostos. Por abarcar tudo, o intemporal não tem opostos.

No nível do ego, nos esforçamos para resolver nossos problemas. O espírito percebe que o problema é o esforço. O Mago tem consciência da batalha entre o ego e o espírito, mas compreende que ambos são imortais e não podem morrer. Cada aspecto seu é imortal, até mesmo as partes que você julga com mais severidade.

Os Magos jamais condenam o desejo. Foi seguindo seus desejos que eles se tornaram Magos. Todo desejo é criado por algum desejo passado. A cadeia do desejo nunca acaba. Ela é a própria vida. Não considere nenhum desejo inútil ou errado: um dia cada um deles será realizado. Os desejos são sementes que esperam o momento propício para germinar. A partir de uma única semente de desejo, florestas inteiras se desenvolvem. Acalente cada desejo do seu coração, por mais trivial que ele possa parecer. Um dia esses desejos triviais o conduzirão a Deus.

O maior bem que você pode fazer ao mundo é tornar-se um Mago!


in, O CAMINHO DO MAGO
Deepak Chopra


Se eu fosse eu




Quando eu não sei onde guardei um papel…

Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.

Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.

“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.

No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.


Clarice Lispector



quinta-feira, 28 de abril de 2016

Ama-me




Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora. 
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura. 

Ama-me. Embora eu te pareça 
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

Hilda Hilst


.....................abraça-me por dentro




Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.

Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos. 

Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.

(...)

Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.

Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem séculos e dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas. Existem expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e encontram restos de civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades inteiras cobertas pela lava de vulcões extintos. Existem aviões que levantam voo e aterram nos aeroportos interiores do nosso corpo, populações que emigram, êxodos de multidões famintas. E existem momentos despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre. Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes. 

Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
    Escuta,
    ouve.
    Amor.
    Amor.

(...)

Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que já se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditávamos não era certo e nos parece que voltámos atrás. Nunca voltamos atrás. Não se pode voltar atrás, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias. Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exactamente igual.
— Porquê, pai?
— Porque a memória não deixa que seja igual, mesmo que seja uma memória muito vaga, mesmo que seja só assim uma espécie de sensação muito vaga. É que a memória não é sempre aquilo que gostaríamos que fosse. Grande parte dos nossos problemas estão na memória volúvel que possuímos. Aquilo que é hoje uma verdade absoluta, amanhã pode não ter nenhum valor. Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos. E quando estamos cansados, deixamos de aprender. Queremos não aprender por vontade. Essa é a nossa maneira de resistir, mais ou menos, àquilo que nos custa entender. E aquilo que nos custa entender pode ter muitas formas, pode chegar de muitos lugares.
— Porquê, pai?
— Porque nos parece que é assim. Mas talvez não seja assim. Aquilo que nos custa entender é sempre uma surpresa que nos contradiz. Então, procuramos convencer-nos das mais diversas maneiras, encontramos as respostas mais elaboradas e incríveis para as perguntas mais simples. E acreditamos mesmo nelas, queremos mesmo acreditar nelas e somos capazes. Somos mesmo capazes. Não imaginas aquilo em que somos capazes de acreditar. 
— Porquê, pai?
Porque temos de sobreviver. Porque, à noite, a esta hora, temos de encontrar força para conseguirmos dormir, descansar, e temos de acreditar que no dia seguinte poderemos acordar na vida que quisemos, que desejámos. Temos de acreditar que poderemos acordar na vida que conseguimos construir e que essa vida tem valor, vale a pena. Muito mais difícil do que esse esforço é considerarmos que fomos incapazes, que não conseguimos melhor, que a culpa foi nossa, toda e exclusiva. 

(...)

Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusões. As ambições que demorámos anos a acreditar que alcançávamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, não são nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo é visto daí, de onde estás. Depois, há os olhos que estão ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo é nada. Ou esse tudo é ainda mais tudo. Ou esse tudo é mil coisas vezes mil coisas que nos são impossíveis de compreender, apreender, porque só temos uma única vida.
— Porquê, pai?
— Não sei. Mas creio que é assim. Só temos uma única vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformámos as certezas que construímos na nossa própria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existência dependia delas e que não seríamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, é o nosso sangue. Mas, em consciência absoluta, não podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada, nem de nada de nada de nada. Assim, repetido até nos sentirmos ridículos. E sentimo-nos ridículos muitas vezes e, em cada uma delas, a única razão desse ridículo é não conseguirmos expulsar da nossa biologia, do nosso sangue, dos nossos órgãos, essas certezas injustificadas, ou justificadas por palavras sempre incompletas. Mas é bom que seja assim. Porque podemos continuar e, enquanto continuamos, continuamos. Estamos vivos. Ou acreditamos que estamos vivos, o que é, talvez, a mesma coisa.
— Porquê, pai?
— Porque o amor, filho.

(...)


Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. Nós esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silêncio, mas eles não se esquecem de nós, não fazem uma pausa mínima na sua vigia, sentinelas até daquilo que não se vê. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressão porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nível transparente, nessa dimensão sussurrada. Os livros sabem mais do que nós mas, sem defesa, estão à nossa mercê. Podemos atirá-los à parede, podemos atirá-los ao ar, folhas a restolhar, ar, ar, e vê-los cair, duros e sérios, no chão.

(...) Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas. 

(...)



José Luís Peixoto
in, Abraço 


Malleus Maleficarum



Para compreendermos a importância do Malleus é preciso ter­mos uma visão ao menos mínima da história da mulher no interior da história humana em geral.

Segundo a maioria dos antropólogos, o ser humano habita este planeta há mais de dois milhões de anos. Mais de três quartos deste tempo a nossa espécie passou nas culturas de colecta e caça aos peque­nos animais. Nessas sociedades não havia necessidade de força física para a sobrevivência, e nelas as mulheres possuíam um lugar central.

No nosso tempo ainda existem remanescentes dessas culturas, tais como os grupos mahoris (Indonésia), pigmeus e bosquímanos (África Central). Estes são os grupos mais primitivos que existem e ainda sobrevivem da coleta dos frutos da terra e da pequena caça ou pesca. Nesses grupos, a mulher ainda é considerada um ser sagrado, porque pode dar a vida e, portanto, ajudar a fertilidade da terra e dos animais. Nesses grupos, o princípio masculino e o feminino governam o mundo juntos. Havia divisão de trabalho entre os sexos, mas não ha­via desigualdade. A vida corria mansa e paradisíaca.

Nas sociedades de caça aos grandes animais, que sucedem a essas mais primitivas, em que a força física é essencial, é que se inicia a supremacia masculina. Mas nem nas sociedades de colecta nem nas de caça se conhecia função masculina na procriação. Também nas sociedades de caça a mulher era considerada um ser sagrado, que possuía o privilégio dado pelos deuses de reproduzir a espécie. Os homens se sentiam marginalizados nesse processo e invejavam as mulheres. Essa primitiva inveja do útero” dos homens é a antepassada da moderna “inveja do pênis” que sentem as mulheres nas culturas patriarcais mais recentes.

A inveja do útero dava origem a dois ritos universalmente encontrados nas sociedades de caça pelos antropólogos e observados em partes opostas do mundo, como Brasil e Oceania. O primeiro é o fenômeno da couvade, em que a mulher começa a trabalhar dois dias depois de parir e o homem fica de resguardo com o recém-nascido, recebendo visitas e presentes... O segundo é a iniciação dos homens. Na adolescência, a mulher tem sinais exteriores que marcam o limiar da sua entrada no mundo adulto. A menstruação a torna apta à maternidade e representa um novo patamar em sua vida. Mas os adolescentes homens não possuem esse sinal tão óbvio. Por isso, na puberdade eles são arrancados pelos homens às suas mães, para serem iniciados na “casa dos homens”. Em quase todas essas iniciações, o ritual é semelhante: é a imitação cerimonial do parto com objetos de madeira e instrumentos musicais. E nenhuma mulher ou criança pode se aproximar da casa dos homens, sob pena de morte. Desse dia em diante o homem pode “parir” ritualmente e, portanto, tomar seu lugar na cadeia das gerações...

Ao contrário da mulher, que possuía o “poder biológico”, o homem foi desenvolvendo o “poder cultural” à medida que a tecnologia foi avançando. Enquanto as sociedades eram de colecta, as mulheres mantinham uma espécie de poder, mas diferente das culturas patriarcais. Essas culturas primitivas tinham de ser cooperativas, para poder sobreviver em condições hostis, e portanto não havia coerção ou centralização, mas rodízio de lideranças, e as relações entre homens e mulheres eram mais fluidas do que viriam a ser nas futuras sociedades patriarcais.

Nos grupos matricêntricos, as formas de associação entre homens e mulheres não incluíam nem a transmissão do poder nem a da heran­ça, por isso a liberdade em termos sexuais era maior. Por outro lado, quase não existia guerra, pois não havia pressão populacional pela conquista de novos territórios.

E só nas regiões em que a colecta é escassa, ou onde vão se esgotando os recursos naturais vegetais e os pequenos animais, que se inicia a caça sistemática aos grandes animais. E aí começam a se instalar a supremacia masculina e a competitividade entre os grupos na busca de novos territórios. Agora, para sobreviver, as sociedades têm de competir entre si por um alimento escasso. As guerras se tornam constantes e passam a ser mitificadas. Os homens mais valorizados são os heróis guerreiros. Começa a se romper a harmonia que ligava a espécie humana à natureza. Mas ainda não se instala definitivamente a lei do mais forte. O homem ainda não conhece com precisão a sua função reprodutora e crê que a mulher fica grávida dos deuses. Por isso ela ainda conserva poder de decisão. Nas culturas que vivem da caça, já existe estratificação social e sexual, mas não é completa como nas sociedades que se lhes seguem.

E no decorrer do neolítico que, em algum momento, o homem começa a dominar a sua função biológica reprodutora, e, podendo controlá-la, pode também controlar a sexualidade feminina. Aparece então o casamento como o conhecemos hoje, em que a mulher é propriedade do homem e a herança se transmite através da descendência masculina. Já acontece assim, por exemplo, nas sociedades pastoris descritas na Bíblia. Nessa época, o homem já tinha aprendido a fundir metais. Essa descoberta acontece por volta de 10000 ou 8000 a.C. E, à medida que essa tecnologia se aperfeiçoa, começam a ser fabricadas não só armas mais sofisticadas como também instrumentos que permitem cultivar melhor a terra (o arado, por ex.).

Hoje há consenso entre os antropólogos de que os primeiros hu­manos a descobrir os ciclos da natureza foram as mulheres, porque podiam compará-los com o ciclo do próprio corpo. Mulheres também devem ter sido as primeiras plantadoras e as primeiras ceramistas, mas foram os homens que, a partir da invenção do arado, sistematizaram as atividades agrícolas, iniciando uma nova era, a era agrária, e com ela a história em que vivemos hoje.

Para poder arar a terra, os grupamentos humanos deixam de ser nômades. São obrigados a se tornar sedentários. Dividem a terra e for­mam as primeiras plantações. Começam a se estabelecer as primeiras aldeias, depois as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e os impérios, no sentido antigo do termo. As sociedades, então, se tor­nam patriarcais, isto é, os portadores dos valores e da sua transmissão são os homens. Já não são mais os princípios feminino e masculino que governam juntos o mundo, mas, sim, a lei do mais forte. A comi­da era primeiro para o dono da terra, sua família, seus escravos e seus soldados. Até ser escravo era privilégio. Só os párias nômades, os sem-terra, é que pereciam no primeiro inverno ou na primeira escassez.

Nesse contexto, quanto mais filhos, mais soldados e mais mão-de-obra barata para arar a terra. As mulheres tinham a sua sexualidade rigidamente controlada pelos homens. O casamento era monogâmico e a mulher era obrigada a sair virgem das mãos do pai para as mãos do marido. Qualquer ruptura desta norma podia significar a mor­te. Assim também o adultério: um filho de outro homem viria ameaçar a transmissão da herança que se fazia através da descendência da mulher. A mulher fica, então, reduzida ao âmbito doméstico. Perde qualquer capacidade de decisão no domínio público, que fica inteira­mente reservado ao homem. A dicotomia entre o privado e o público torna-se, então, a origem da dependência econômica da mulher, e esta dependência, por sua vez, gera, no decorrer das gerações, uma sub­missão psicológica que dura até hoje.

E nesse contexto que transcorre todo o período histórico até aos dias de hoje.
De matricêntrica, a cultura humana passa a patriarcal.


 "O Martelo das Feiticeiras-Malleus Maleficarum" 
(Escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger) 
ROSE MARIE MURARO


quarta-feira, 27 de abril de 2016

TOTEM - EL TIGRE




El tigre es conocido por ser poseedor de un gran poder, fuerza, y de mucha Energía. A su vez el tigre tótem es reconocido por su fuerza de voluntad a la hora de enfrentarse a la adversidad. Y tiene la característica de actuar sin analizar mucho la situación en determinadas ocasiones, lo que puede convertirse en un arma de doble filo.

El tigre como tótem simboliza el poder y la pasión. El tigre es un tótem algo extravagante, con mirada audaz y una elegancia innata. Los que tienen al tótem tigre irradian sensibilidad, elegancia y sensualidad.

El tótem tigre es algo solitario, no le atraen las uniones sentimentales convencionales, el tótem tigre encuentra siempre uniones magnéticas y apasionadas, aunque son buenas madres cuando el tótem tigre pertenece a una mujer.

Las personas con tótem tigre es posible que se sientan atraídas por el agua, si además en su carta natal el elemento agua está presente, es posible que además sea beneficiado con el tótem tigre. Sepa que el tigre es animal nocturno y lunar, como el agua, y es posible que si tiene al tigre como tótem, le guste la vida y la actividad nocturna. Sus biorritmos funcionan mejor al caer el sol.

También se dice que cuando aparece de súbito el tótem tigre, o se sueña con él, o lo vemos en meditaciones o visualizaciones espontaneas aparecerá una persona muy influyente y atrayente en su vida, que le va a hacer sentir emociones muy profundas y con la que tendrá fuertes lazos kármicos, posiblemente valga la pena la experiencia, pero hay que prepararse para las intensidad de los momentos que se avecinan.



PROPIEDADES MÁGICAS DEL TIGRE

El tigre es en sí todo un amuleto de riqueza y energía extra.

El tigre es poder, Energía, generosidad, iluminación,pero también tiene el don de la imprevisibilidad y la sorpresa.


En China, el tigre es considerado el rey de todos los animales (no el león) y representa la energía de gran magnitud. Además, el tigre está asociado con Tsai Shen Yeh, el dios chino de la riqueza, y este dios es generalmente representado sentado en un tigre en el arte asiático.
Es por ello que se considera al tigre como un amuleto de riqueza

La tradición asiática considera que el tigre es el protector de los muertos, y con frecuencia se ve representado al tigre en las tumbas como una marca de protección, para asegurar la paz a aquellos que han vivido.
También en la tradición asiática el tigre es símbolo de fuerza y potencia sexual y fertilidad masculina, por lo que abundan los amuletos del pene asociado al tigre.

Los tigres son considerados una energía yang. 

En la mitología china antigua, hay cinco tigres que mantienen en equilibrio las fuerzas cósmicas.

Los tigres tienen estas fuerzas cósmicas en su lugar y evitan el caos y el colapso en el universo.
Estos cinco tigres son los siguientes:

Tigre blanco: Regula la temporada de otoño y es el gobernador de los elementales de metal
Tigre Negro: regula la temporada de invierno y es el gobernador de los elementales de agua
Tigre azul : Regula la temporada de primavera y es el gobernador de los elementales Tierra,
Tigre rojo : regula de la temporada de verano y es el gobernador de los elementales del fuego
Tigre amarillo tigre: Es el gobernante supremo de todos estos tigres y representa simbólicamente al Sol


in, Totem Animal



O Tigre representa o SOL
A Pantera Negra representa a LUA
A dualidade em mim...o meu Ser Andrógino.
Perfeita sintonia!


"Cuando lo masculino y lo femenino 
trabajen juntos en armonía, 
los milagros sucederán."


Canção de mim Mesmo 50




Há isso em mim — eu não sei o que isso é — mas sei que está em mim.

Angustiado e suado — calmo e tranquilo, então, meu corpo se torna,
Durmo — durmo por um longo tempo.

Não sei o que é — é algo que não tem nome — é uma palavra que jamais foi dita,
Não está em dicionário algum, expressão vocal, símbolo.
Balança sobre algo maior do que a terra em que balanço,
Para ele a criação é o amigo cujo abraço me desperta.

Talvez eu possa dizer mais. Perfis! Imploro por meus irmãos e irmãs.

Vedes, ó meus irmãos e minhas irmãs?
Não é o caos ou a morte — é a forma, a união, o plano — é a vida eterna — é a Felicidade.


in, Song of Myself
Walt Whitman



Projecções





Alguien me dijo que yo era una amargada,
que estaba llena de veneno,
que no me quería nadie,
que no jodía, 
Me lo dijo una mujer,
una mujer
que quería que yo supiera
que ella
no estaba amargada,
que ella no tenía veneno,
que a ella la querían y la jodían.

Herminia Delgado-Núñez


terça-feira, 26 de abril de 2016

Não se pode fugir para sempre




"Imagino que um dia vamos acabar por nos cruzar novamente... com ou sem mágoa, de olhar esguio ou sorridente, com palavras amargas ou silêncios.
Com os mal entendidos do costume que se me perguntarem nunca saberei explicar.
Sem raiva, sem recordações, sem nada.
Só eu e tu, um olá provavelmente, daqueles que se diz a qualquer pessoa só por simpatia.
E nunca em momento algum pensei que isto pudesse vir a acontecer.
Não contigo. Não era suposto.
Mas nessa altura eu achava-te perfeito, e na minha cabeça as pessoas perfeitas não esquecem..."



Diz NÃO




Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.

Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.

Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.

Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.

Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.

Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.

Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.

Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenarmos-nos em gado sob o comando de um pastor.

Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.

Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.

E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.


Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 1



O Caminho de volta ao trilho




Respeitando o nosso livre-arbítrio 
a vida permite que abandonemos 
o trilho original 
para seguirmos caminhos lamacentos, 
desertos áridos, atrás de ilusórios oásis. 
 Não há memória viva de épocas de ouro onde a Terra era um paraíso, onde todos viviam em paz e se tratavam com amor.


Todas as civilizações, culturas e gerações que conhecemos e que estudámos da história universal e pessoal passaram por desafios difíceis tanto pessoais como globais. Mas podemos reparar como as referências espirituais, religiosas, sagradas eram sempre bastante importantes não só na rotina do mais humildade como nas representações sociais e até politicas. Até há bem pouco tempo na história, a ligação entre o ser humano e Deus era bastante forte, consciente e fazia parte das nossas rotinas diárias. Mesmo que nem sempre essas referencias fizessem sentido, o sentido que davam era melhor que nenhum pois a necessidade de o ser humano se guiar por algo superior sempre foi muito forte.

No entanto é curioso observar como a depressão, o stress e ansiedade são questões tão típicas deste novo tempo.

E porquê?

Eu acredito que o aumento de pessoas depressivas nas últimas décadas é proporcional à perda de referências espirituais na nossa vida. 

Ou seja, o crescimento económico, as necessidades e tentações constantes do ego prende-nos constantemente o foco no exterior e no mundo material, ficando assim o nosso mundo interior e as nossas referências existenciais completamente abandonadas.

Infelizmente as religiões do ocidente não acompanharam este crescimento, não se actualizaram e logo deixaram de ser capazes de responder às crises do presente.
Desiludidos com as velhas teorias e regras que já não fazem sentido ao mundo moderno, perdemos o fio à meada, perdemos as referências que nos davam pistas de quem somos e de porque é que as coisas nos acontecem e sem um fio condutor, desorientámo-nos, perdemo-nos da fonte de energia interna que dá afinal tanto sentido à nossa existência.

E que Fonte é essa afinal?

É a reconexão com o nosso espírito.

É a nossa Verdade Sagrada Interna.

É a resposta que nos faz sentido mesmo que não faça a mais ninguém.

É a resposta que encaixa neste preciso momento da nossa vida que é pessoal, intransmissível, incompreensível por ninguém.

É a mensagem revelada pelo nosso eu superior ou no nosso mapa astrológico.

É a relembrança da ancestral e sagrada sabedoria do mundo independentemente da religião que a prega.

Não há nada mais importante do que procurarmos o que afinal irá despertar essa verdade interna pois só a partir dela voltaremos ao trilho original onde tudo volta a fazer sentido e onde se encontra a nossa abundância interior.

E sabemos bem como a abundancia pessoal de cada um é diferente...

Respeitando o nosso livre-arbítrio a vida permite que abandonemos o trilho original para seguirmos caminhos lamacentos, desertos áridos atrás de ilusórios oásis.

A única maneira de nos fazer voltar ao trilho por livre vontade é precisamente deixar-nos livremente até que nos cansemos, desorientemos e comecemos a questionar essa escolha.

Mas porque estamos desconectados dos sinais sagrados e deixámos de ouvir a voz interna, ainda resistiremos algum tempo sem energia, sem ânimo e sem força até desistirmos de continuar a caminhar para longe do nosso trilho.

Infelizmente, viver fora do trilho começa a parecer o estado comum para muitos... Fora do trilho tudo é esforço, é um estado permanente de sobrevivência sem qualquer brilho, alegria ou qualidade. Pior ainda é terem passado gerações longe do trilho da abundância e onde a sobrevivência passou a ser o normal.. afastámo-nos de tal maneira do centro da abundancia que já quase nem acreditamos que ele seja real.

Felizmente a luz está dentro de nós e todos temos uma bússola que nos faz acreditar que essa abundancia é possível mesmo que estejamos a milhas dela. Procuramos por ela no mundo material mas tralha atrás de tralha a desilusão mostra que ainda não é por ali.

"Quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece"

Se nunca questionarmos a nossa existência, se nunca nos perguntarmos com a maior honestidade se estamos a viver a mais elevada versão de nós próprios, se nem nos permitimos perguntar se somos verdadeiramente felizes, se estamos de facto a viver conformados e acomodados a pessoas e eventos rotineiros da vida, estamos provavelmente algures num deserto a viver em estado de sobrevivência.

É só quando as perdas e o cansaço nos testam e a ilusão rebenta é que nos preparamos para a verdade nua e crua da nossa realidade e do estado da nossa vida.

Só quando reconhecemos que realmente não estamos felizes com a nossa realidade é que o Mestre aparece para nos levar de volta ao trilho e à nossa abundância.

Superar uma depressão passa então sempre por dar inicio a toda uma série de mudanças que nos irão colocar na viagem de regresso.

Seremos obrigados a rever todas as nossas crenças, fórmulas e filosofia de vida pois foram elas que nos afastaram de casa. Passa por um imenso banho de sabedoria onde iremos acordar em nós quem de facto somos e assumir a responsabilidade de que o estado em que estamos se deve a velhas escolhas feitas sem consciência e sem qualidade.

É maravilhoso quando relembramos que a mesma força que nos levou para longe terá que ser a mesma que nos irá fazer retornar ao trilho. Mas enquanto que a viagem para longe é sempre difícil e cheia de obstáculos, a de retorno é iluminada e cheia de surpresas maravilhosas.

Só agora a nossa voz interior começa a falar mais alto do que as dos outros pois foram provavelmente as dos outros que nos incentivaram a ir pelo deserto adentro.

Só agora aprendemos que o que plantámos à força no deserto seco não deu frutos nenhuns mas que quando plantamos na terra fértil junto ao trilho tudo cresce abundante e naturalmente.

Aos poucos a humanidade está a acordar e a reconhecer o deserto a que foi parar. Devagarinho estamos a dar inicio às viagens de retorno aos trilhos. Mas cada um o fará ao seu ritmo, no seu tempo e pelo seu pé e logo a melhor maneira de inspirarmos os mais resistentes é fazermos o nosso caminho deixando apenas pistas discretas em forma de pegadas na areia respeitando sempre a livre escolha de cada um seguir o que entender e o que lhe fizer sentido.

Seja qual for o teu deserto, onde quer que estejas no teu caminho, se te sentes longe do trilho da abundância, apenas confia que ele existe, não te conformes com pequenos poços de água e tendas apertadas no meio do deserto.
Mantêm-te em movimento questionando tudo e todos, reconhecendo os mestres e as pistas que vão surgindo até que encontres o teu verdadeiro oásis interior.


Vera Luz


segunda-feira, 25 de abril de 2016

Não te amo, quero-te!




Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n’alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

Almeida Garrett
in, Folhas Caídas


A Pequena Alma e o Sol




Era uma vez, em tempo nenhum, uma Pequena Alma que disse a Deus:
- Eu sei quem sou!
E Deus disse:
- Que bom! Quem és tu?
E a Pequena Alma gritou:
- Eu sou Luz
E Deus sorriu.
- É isso mesmo! - exclamou Deus. - Tu és Luz!
A Pequena Alma ficou muito contente, porque tinha descoberto aquilo que todas as almas do Reino deveriam descobrir.
- Uauu, isto é mesmo bom! - disse a Pequena Alma.

Mas, passado pouco tempo, saber quem era já não lhe chegava. A pequena Alma sentia-se agitada por dentro, e agora queria ser quem era. Então foi ter com Deus (o que não é má ideia para qualquer alma que queira ser Quem Realmente É) e disse:
- Olá Deus! Agora que sei Quem Sou, posso sê-lo?

E Deus disse:
- Quer dizer que queres ser Quem já És?
- Bem, uma coisa é saber Quem Sou, e outra coisa é sê-lo mesmo. Quero sentir como é ser a Luz! - respondeu a pequena Alma.
- Mas tu já és Luz - repetiu Deus, sorrindo outra vez.
- Sim, mas quero senti-lo! - gritou a Pequena Alma.
- Bem, acho que já era de esperar. Tu sempre foste aventureira - disse Deus com uma risada. Depois a sua expressão mudou.
- Há só uma coisa...
O quê? - perguntou a Pequena Alma.
- Bem, não há nada para além da Luz.
Porque eu não criei nada para além daquilo que tu és; por isso, não vai ser fácil experimentares-te como Quem És, porque não há nada que tu não sejas.

- Hã? - disse a Pequena Alma, que já estava um pouco confusa.
- Pensa assim: tu és como uma vela ao Sol. Estás lá sem dúvida. Tu e mais milhões, ziliões de outras velas que constituem o Sol. E o Sol não seria o Sol sem vocês. 'Não seria um sol sem uma das suas velas... e isso não seria de todo o Sol, pois não brilharia tanto. E no entanto, como podes conhecer-te como a Luz quando estás no meio da Luz - eis a questão'.
- Bem, tu és Deus. Pensa em alguma coisa! - disse a Pequena Alma mais animada.
Deus sorriu novamente.
- Já pensei. Já que não podes ver-te como a Luz quando estás na Luz, vamos rodear-te de escuridão - disse Deus.
- O que é a escuridão? perguntou a Pequena Alma.
- É aquilo que tu não és - replicou Deus.
- Eu vou ter medo do escuro? - choramingou a Pequena Alma.
- Só se o escolheres. Na verdade não há nada de que devas ter medo, a não ser que assim o decidas. Porque estamos a inventar tudo. Estamos a fingir.
- Ah! - disse a Pequena Alma, sentindo-se logo melhor.

Depois Deus explicou que, para se experimentar o que quer que seja, tem de aparecer exactamente o oposto.
- É uma grande dádiva, porque sem ela não poderíamos saber como nada é - disse Deus - Não poderíamos conhecer o Quente sem o Frio, o Alto sem o Baixo, o Rápido sem o Lento. Não poderíamos conhecer a Esquerda sem a Direita, o Aqui sem o Ali, o Agora sem o Depois. 
E por isso, - continuou Deus - quando estiveres rodeada de escuridão, não levantes o punho nem a voz para amaldiçoar a escuridão. Sê antes uma Luz na escuridão, e não fiques furiosa com ela. Então saberás Quem Realmente És, e os outros também o saberão. Deixa que a tua Luz brilhe tanto que todos saibam como és especial!'

- Então posso deixar que os outros vejam que sou especial? - perguntou a Pequena Alma.
- Claro! - Deus riu-se. - Claro que podes! Mas lembra-te de que 'especial' não quer dizer 'melhor'! Todos são especiais, cada qual à sua maneira! Só que muitos esqueceram-se disso. Esses apenas vão ver que podem ser especiais quando tu vires que podes ser especial!
- Uau - disse a Pequena Alma, dançando e saltando e rindo e pulando. - Posso ser tão especial quanto quiser!
- Sim, e podes começar agora mesmo - disse Deus, também dançando e saltando e rindo e pulando juntamente com a Alma - Que parte de especial é que queres ser?
- Que parte de especial? - repetiu a Pequena Alma. - Não estou a perceber.
- Bem, - explicou Deus - ser a Luz é ser especial, e ser especial tem muitas partes. É especial ser bondoso. É especial ser delicado. É especial ser criativo. É especial ser paciente. Conheces alguma outra maneira de ser especial?

A Pequena Alma ficou em silêncio por um momento.
- Conheço imensas maneiras de ser especial! - exclamou a Pequena Alma - É especial ser prestável. É especial ser generoso. É especial ser simpático. É especial ser atencioso com os outros.
- Sim! - concordou Deus - E tu podes ser todas essas coisas, ou qualquer parte de especial que queiras ser, em qualquer momento. É isso que significa ser a Luz.
- Eu sei o que quero ser, eu sei o que quero ser! - proclamou a Pequena Alma com grande entusiasmo. - Quero ser a parte de especial chamada 'perdão'. Não é ser especial alguém que perdoa?
- Ah, sim, isso é muito especial, assegurou Deus à Pequena Alma.
- Está bem. É isso que eu quero ser. Quero ser alguém que perdoa. Quero experimentar-me assim - disse a Pequena Alma.
- Bom, mas há uma coisa que devias saber - disse Deus.

A Pequena Alma já começava a ficar um bocadinho impaciente. Parecia haver sempre alguma complicação.
- O que é? - suspirou a Pequena Alma.
- Não há ninguém a quem perdoar.
- Ninguém? A Pequena Alma nem queria acreditar no que tinha ouvido.
- Ninguém! - repetiu Deus. Tudo o que Eu fiz é perfeito. Não há uma única alma em toda a Criação menos perfeita do que tu. Olha à tua volta.

Foi então que a Pequena Alma reparou na multidão que se tinha aproximado. Outras almas tinham vindo de todos os lados - de todo o Reino - porque tinham ouvido dizer que a Pequena Alma estava a ter uma conversa extraordinária com Deus, e todas queriam ouvir o que eles estavam a dizer. Olhando para todas as outras almas ali reunidas, a Pequena Alma teve de concordar.

Nenhuma parecia menos maravilhosa, ou menos perfeita do que ela. Eram de tal forma maravilhosas, e a Luz de cada uma brilhava tanto, que a Pequena Alma mal podia olhar para elas.
- Então, perdoar quem? - perguntou Deus.
- Bem, isto não vai ter piada nenhuma! - resmungou a Pequena Alma - Eu queria experimentar-me como Aquela que Perdoa. Queria saber como é ser essa parte de especial.
E a Pequena Alma aprendeu o que é sentir-se triste.

Mas, nesse instante, uma Alma Amiga destacou-se da multidão e disse:
- Não te preocupes, Pequena Alma, eu vou ajudar-te - disse a Alma Amiga.
- Vais? - a Pequena Alma animou-se. - Mas o que é que tu podes fazer?
- Ora, posso dar-te alguém a quem perdoares!
- Podes?
- Claro! - disse a Alma Amiga alegremente. - Posso entrar na tua próxima vida física e fazer qualquer coisa para tu perdoares.

- Mas por quê? Porque é que farias isso? - perguntou a Pequena Alma. - Tu, que és um ser tão absolutamente perfeito! Tu, que vibras a uma velocidade tão rápida a ponto de criar uma Luz de tal forma brilhante que mal posso olhar para ti! O que é que te levaria a abrandar a tua vibração para uma velocidade tal que tornasse a tua Luz brilhante numa luz escura e baça? O que é que te levaria a ti, que danças sobre as estrelas e te moves pelo Reino à velocidade do pensamento, a entrar na minha vida e a tornares-te tão pesada a ponto de fazeres algo de mal?
- É simples - disse a Alma Amiga. - Faço-o porque te amo.

A Pequena Alma pareceu surpreendida com a resposta.
- Não fiques tão espantada - disse a Alma Amiga - tu fizeste o mesmo por mim. Não te lembras? Ah, nós já dançamos juntas, tu e eu, muitas vezes. Dançamos ao longo das eternidades e através de todas as épocas. Brincamos juntas através de todo o tempo e em muitos sítios. Só que tu não te lembras. Já fomos ambas o Todo. Fomos o Alto e o Baixo, a Esquerda e a Direita. Fomos o Aqui e o Ali, o Agora e o Depois. Fomos o Masculino e o Feminino, o Bom e o Mau - fomos ambas a vítima e o vilão. Encontramo-nos muitas vezes, tu e eu; cada uma trazendo à outra a oportunidade exacta e perfeita para Expressar e Experimentar Quem Realmente Somos.

- E assim, - a Alma Amiga explicou mais um bocadinho - eu vou entrar na tua próxima vida física e ser a 'má' desta vez. Vou fazer alguma coisa terrível, e então tu podes experimentar-te como Aquela Que Perdoa.
- Mas o que é que vais fazer que seja assim tão terrível? - perguntou a Pequena Alma, um pouco nervosa.
- Oh, havemos de pensar nalguma coisa - respondeu a Alma Amiga, piscando o olho.

Então a Alma Amiga pareceu ficar séria, disse numa voz mais calma:
- Mas tens razão acerca de uma coisa, sabes?
- Sobre o quê? - perguntou a Pequena Alma.
- Eu vou ter de abrandar a minha vibração e tornar-me muito pesada para fazer esta coisa não muito boa. Vou ter de fingir ser uma coisa muito diferente de mim. E por isso, só te peço um favor em troca.
- Oh, qualquer coisa, o que tu quiseres! - exclamou a Pequena Alma, e começou a dançar e a cantar: - Eu vou poder perdoar, eu vou poder perdoar!

Então a Pequena Alma viu que a Alma Amiga estava muito quieta.
- O que é? - perguntou a Pequena Alma.
- O que é que eu posso fazer por ti? És um anjo por estares disposta a fazer isto por mim!

- Claro que esta Alma Amiga é um anjo! - interrompeu Deus, - são todas! Lembra-te sempre: Não te enviei senão anjos.

E então a Pequena Alma quis mais do que nunca satisfazer o pedido da Alma Amiga.
- O que é que posso fazer por ti? - perguntou novamente a Pequena Alma.
- No momento em que eu te atacar e atingir, - respondeu a Alma Amiga - no momento em que eu te fizer a pior coisa que possas imaginar, nesse preciso momento...
- Sim? - interrompeu a Pequena Alma - Sim?

A Alma Amiga ficou ainda mais quieta.
- Lembra-te de Quem Realmente Sou.
- Oh, não me hei de esquecer! - gritou a Pequena Alma - Prometo! Lembrar-me-ei sempre de ti tal como te vejo aqui e agora.
- Que bom, - disse a Alma Amiga - porque, sabes, eu vou estar a fingir tanto, que eu própria me vou esquecer. E se tu não te lembrares de mim tal como eu sou realmente, eu posso também não me lembrar durante muito tempo. E se eu me esquecer de Quem Sou, tu podes esquecer-te de Quem És, e ficaremos as duas perdidas. Então, vamos precisar que venha outra alma para nos lembrar às duas Quem Somos.
- Não vamos, não! - prometeu outra vez a Pequena Alma. - Eu vou lembrar-me de ti! E vou agradecer-te por esta dádiva - a oportunidade que me dás de me experimentar como Quem Eu Sou.

 E assim o acordo foi feito. E a Pequena Alma avançou para uma nova vida, entusiasmada por ser a Luz, que era muito especial, e entusiasmada por ser aquela parte especial a que se chama Perdão. E a Pequena Alma esperou ansiosamente pela oportunidade de se experimentar como Perdão, e por agradecer a qualquer outra alma que o tornasse possível.

E, em todos os momentos dessa nova vida, sempre que uma nova alma aparecia em cena, quer essa nova alma trouxesse alegria ou tristeza - principalmente se trouxesse tristeza - a Pequena Alma pensava no que Deus lhe tinha dito.

Lembra-te sempre - Deus aqui tinha sorrido - não te enviei senão anjos!


Neale Donald Walsch