sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Todo o Presente Espera pelo Passado para nos Comover




Há vária gente que não gosta de evocar o passado.
Uns por energia, disciplina prática e arremesso.
Outros por ideologia progressista, visto que todo o passado é reaccionário.
Outros por superficialidade ou secura de pau.
Outros por falta de tempo, que todo ele é preciso para acudir ao presente e o que sobra, ao futuro.

Como eu tenho pena deles todos.
Porque o passado é a ternura e a legenda, o absoluto e a música, a irrealidade sem nada a acotovelar-nos. E um aceno doce de melancolia a fazer-nos sinais por sobre tudo.
Tanta hora tenho gasto na simples evocação.
Todo o presente espera pelo passado para nos comover.
Há a filtragem do tempo para purificar esse presente até à fluidez impossível, à sublimação do encantamento, à incorruptível verdade que nele se oculta e é a sua única razão de ser.
O presente é cheio de urgências mas ele que espere.
Há tanto que ser feliz na impossibilidade de ser feliz.
Sobretudo quando ao futuro já se lhe toca com a mão.
Há tanto que ter vida ainda, quando já se a não tem...


Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 5


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