sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Buscar experiências




O SAMSARA E OS RISCOS DO SAMADHI


A palavra saṃsāra até serve de nome para um perfume francês. Esta palavra define a sede por, ou a caçada de, experiências. Define a ideia de ir atrás de uma experiência, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma, e mais uma... Buscar experiências nesta vida, buscar experiências depois da morte, buscar experiências noutras dimensões, onde for. Buscar experiências.

Sair do saṃsāra é parar de buscar experiências, ou parar de buscar a felicidade nelas. É também parar de ser afectado por memórias do passado daquelas que nos imobilizam, como complexos, culpas e outros. Até mesmo um macaco, se dotado de uma mente humana, irá sofrer.

Porém, como os macacos e outros animais não são dotados desse tipo de mente característica dos humanos, eles simplesmente vivem as suas vidas sem sofrer com nada que não seja satisfazer suas necessidades essenciais. Cavalos não precisam de ir ao cabeleireiro. Macacos não usam jeans. Noutras palavras, eles não têm complexos nem problemas de autojulgamento.

Eles buscam as experiências, programados pelos instintos e a genética. O paradoxo da condicionamento humana é que, mesmo dotados do livre arbítrio, que é o que nos diferencia dos demais animais, não sabemos bem ao certo o que fazer com ele. Embora nos incomode a imperfeição, ela faz parte das nossas vidas.

A vida de saṃsāra é uma vida, assim, de experiências incessantes, onde tentamos caçar novas experiências que acreditamos serem boas, e procuramos fugir das experiências que percebemos como negativas ou indesejáveis. Assim, fazemos planos, procuramos realizar metas e objectivos. Nem sempre os nossos planos e projectos dão certo. Às vezes as coisas funcionam como o esperamos, mas às vezes as nossas expectativas não são preenchidas.

A pergunta é se existe alguma experiência que seja perfeita, mas tão perfeita e que nos ajude a parar com essa roda do saṃsāra, que nos ajude a deixar de procurar a felicidade nas experiências. Essa experiência deveria ser uma experiência infinita, ilimitada, onde o experienciador, a experiência e o acto de experienciar não tivessem nenhuma diferença. Chamemos esta experiência de nirvikalpa samādhi (samādhi sobre a ausência de construções mentais).

Essa experiência, por outro lado, não poderia nem deveria ter um fim, pois o que define as experiências é justamente que elas começam, acontecem e terminam. Porém, a experiência de que estamos a falar deveria ser infinita. Na hipótese de você ter uma experiência de nirvikalpa samādhi, e retornar dela, você veria as coisas diferentes? Veria as pessoas de maneira diferente?

Ora, acontece que o samādhi é apenas uma experiência com início, meio e fim e que, depois que ela termina, a pessoa que teve essa experiência reconhece que o saṃsāra continua. Portanto, o samådhi não resolve o problema.

Há pérolas de plástico hoje em dia. Parecem reais, mas são falsas. Da mesma maneira, há promessas no mundo da espiritualidade que são falsas, como essas pérolas. Tal experiência, simplesmente não existe. Se ela fosse real, não poderia ser subjectiva. É assim que as pessoas são enganadas, pois elas precisam de se agarrar a alguma coisa, precisam acreditar numa solução mágica.

O que motiva a pessoa a buscar experiências? O que a impulsiona? Qual é a força motivadora? Um problema existencial: o problema da pessoas que vive, e quer viver, através de experiências. Sem experiências, ela acredita que não há vida. E, a solução para elas parece ser a busca de um tipo de experiência apenas: as prazerosas.

Assim, o apego às experiências prazerosas é o que nos leva a agir no mundo. Desta maneira, a pessoa se torna uma manipuladora do mundo, justamente para ter essas experiências, para atraí-las para si. O problema é que a Humanidade inteira quer fazer o mesmo, e é assim que o mundo funciona.

Essa é a razão pela qual buscamos esse tipo de promessa, para sair de vez desta montanha russa. Assim, as pessoas compram essas passagens para o paraíso, ou por causa da sedução de viver no céu, ou pelo medo do inferno, ou por qualquer outro motivo. Não vamos discutir aqui o ilógico e absurdo dessas promessas. Porém é certo que muita gente engole essas mentiras.

Assim, temos as promessas das religiões actuais, e as promessas de pessoas que também tentam nos iludir com promessas da espiritualidade Nova Era. No meio dessa variedade de ofertas, como você faz para se esquivar e encontrar algo que realmente preste? Conhecer uma coisa como errada nos permite conhecer todos os erros similares. Devemos ser capazes de ver esses erros.

Isto não significa que devamos ficar o tempo todo a julgar os demais ou o que eles fazem, mas manter o espírito crítico afiado para, como dizemos anteriormente, não engolir uma mentira inadvertidamente. Não precisamos descartar todas as crenças, mas podemos sim ver qual é a base delas e apreciar, mesmo quando não temos elementos para verificá-las, se fazem sentido à luz do contexto em que são feitas.

Assim, há dois tipos de crença: uma delas, iremos chamar de confiança. A outra, de crença mesmo. Você é mais do que você acredita ser. Digamos que isso seja verdadeiro. Você precisa de confiança nesta afirmação, enquanto não consegue verificá-lá por seus próprios meios.

Digamos que você queira aprender a adivinhar o futuro. Você procura um curso na internet, encontra, se inscreve e aguarda a hora do curso começar. Até esse ponto, é tudo uma questão de confiança. Aqui, no estudo de Vedānta, é a mesma coisa. O que nós propomos aqui não é uma crença não verificável, mas uma confiança verificável.

Como quando atravessamos a rua e aguardamos o semáforo ficar verde. Você tem a confiança de que esse é o momento para atravessar, e que enquanto você vê o verde, os carros do outro lado do cruzamento estarão a ver o vermelho e irão parar.

Viver é uma questão de confiança, portanto. Você respira ar, na expectativa de que o que você respira seja mesmo ar. Se você pudesse ver os microorganismos que entram no seu nariz, não ia querer respirar mais. Além dos nossos meios de conhecimento, tudo é uma questão de crença. Você não deveria descartar as crenças, mas examiná-las.


Swami Dayananda Saraswati


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