quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dear Daddy




"Querido pai
Eu só queria agradecer-te, por cuidares tão bem de mim, mesmo que eu ainda nem tenha nascido.
Sei que tentas ser mais que o super homem.
Nem deixas a mamã comer sushi.
Preciso te pedir um favor.
Atenção
É sobre rapazes.
Por que... Entende
Eu vou nascer uma menina
Isso quer dizer que quando eu tiver a idade de 14 anos
Os meninos da minha sala terão me chamado de Puta, Vadia, Vaca
E muitas outras coisas... claro que foi só uma brincadeira...
Algo que os rapazes fazem.
Então nem te preocupará.
Eu até entendo
Talvez tu tenhas feito o mesmo quando eras jovem
Tentado impressionar os outros rapazes.
Tenho a certeza que não foi com maldade
Mas,
Algumas pessoas não entenderão a brincadeira.
Não serão as raparigass que não entenderão a brincadeira
Serão alguns dos rapazes.
Então quando tiver com a idade de 16, alguns dos rapazes terão enfiado a mão dentro das minhas calças...
Enquanto tiver embriagada e mal conseguido ficar de pé
E mesmo dizendo não quero, eles simplesmente rirão
Mas é engraçado? Não é!
Se me visses pai, estarias muito envergonhado
Porque estou bêbada
E aos 21 serei estuprada
Aos 21 ao voltar para casa num taxi dirigido pelo "filho da mãe", filho do seu amigo com o qual brincava na piscina todas as quartas-feiras.
O que só contava piadas com insultos, mas como eram "só" piadas, tu rias.
Se soubesses que o filho dele acabaria por me estruprar, tinhas-lhe dito para não o fazer.
Mas como poderias?
Era só um rapaz, com brincadeiras estranhas.
E de qualquer das formas não era da tua conta, tu só estavas a tentar ser porreiro.
Mas o filho dele criado com essas brincadeiras, passou a ser da minha conta sim.
Então, finalmente encontro o senhor perfeito e tu estás feliz, pois ele de facto me adora
Ele é inteligente, com um bom emprego
E durante o inverno vai andar de ski, tal e qual como tu.
Mas um dia ele deixa de ser o Sr. Perfeito
E eu não sei porquê...
Espera, estou a exagerar?
Uma coisa eu sei, não sou do tipo que se faz de vítima
Sou criada para ser um mulher forte e independente
Mas uma noite qualquer foi a gota d'água para ele
Com o trabalho, família e o casamento para breve...
Então ele me chama de vadia
Tal como tu chamás-te a uma menina na escola um dia...
Então depois, ele bateu-me.
Acho que realmente estou errada, posso ser chata às vezes...
Mas ainda somos o casal mais apaixonado do mundo, e estou confusa, e amo-o, e ...
E odeio-o, e não sei se realmente fiz algo de errado.
Então um dia ele quase me mata, e tudo fica escuro.
Mesmo que eu tenha um mestrado, um trabalho fantástico, amada pelos meu amigos e família, bem criada...
Ninguém podia imaginar.
Querido pai
Este é o favor que quero pedir-te:
Uma coisa sempre leva à outra
Então, por favor impede antes que começe.
Não deixes os meus irmãos chamarem as meninas de vadias
Porque elas não são.
E, um dia um menino pode acreditar que isso seja verdade.
Não aceites piadas de pessoas estranhas na piscina
Ou até mesmo dos amigos.
Porque toda a brincadeira sempre tem alguma verdade.
Querido pai
Sei que me protegerias de tigres, leões, armas, carros e até mesmo de sushi, sem temer pela tua própria vida.
Mas, querido pai
Nascerei menina
Faz tudo o que puderes, para que isso não seja o maior perigo da minha vida."

Texto do vídeo




"Dear Daddy" é nome da mais recente campanha em vídeo partilhada pela Care Norway, que tenta com ela alertar para um triste dado que é inegável: de acordo com a Organização Mundial de Saúde, uma em cada três mulheres será vítima de abuso físico ou sexual durante a sua vida.

Pela voz de uma menina que usa o seu pai como metáfora para todos os pais e homens do mundo, aquela organização de defesa dos direitos humanos norueguesa tenta com isto fazer não só uma chamada de atenção para esta realidade, como um pedido de menor tolerância para comportamentos violentos e machistas.

Desde os supostas comentários sexistas inocentes que são partilhados por pais e filhos sobre raparigas, como se estas brincadeiras não pudessem vir a ter consequências futuras, à forma como as mulheres são insultadas e julgadas pelas roupas que vestem, sendo que qualquer mini-saia é suficiente para se ser “uma puta”, aos atos de violência física e psicológica dentro de uma relação amorosa, são muitos os temas abordados neste vídeo, que merece mesmo ser visto e partilhado. É um abanar de consciências para uma realidade que acontece diariamente por baixo do nosso nariz, na porta ao lado, ou mesmo dentro da nossa, maioritariamente feita por pessoas do círculo pessoal da vítima. E muitas vezes sem sequer termos noção disso.

Ao contrário do que muitos dos internautas que viram o vídeo e o comentaram no YouTube acham, esta não é uma história que ponha todos os homens no papel de vilões. É sim uma história cheia de metáforas e ironias, que condensa as inúmeras possibilidades de histórias reais que envolvem violência contra mulheres um pouco por todo o mundo. Claro que há muita violência também exercida sobre o sexo masculino - que se façam campanhas sobre isso em vez de perpetuar a ideia que “os homens não choram”, por exemplo - , mas esta é sobre a violência contra as mulheres. O que não a torna feminista, entenda-se. Torna-a apenas realista: as mulheres e as crianças continuam a ser as maiores vítimas de violência.

METER O DEDO NA FERIDA EM VEZ DE A TAPAR COM UM PENSO RÁPIDO
Em vez de considerarmos este vídeo um ataque, consideremo-lo antes uma chamada de atenção para todos nós, homens e mulheres, que têm a educação dos futuros adultos em mãos. Educar uma criança para a igualdade de género e respeito pelo próximo, em vez de perpetuar comportamentos sexistas, violentos e abusivos, é parte do caminho. E dar o exemplo faz, sem dúvida, parte da mudança. Promover vídeos como este, que tocam na ferida em vez de a taparem com um penso rápido, também. Mesmo que não sejam entendidos à primeira.

Volto a dizê-lo: em caso de dúvida sobre a importância destas campanhas, os números não mentem. Na Noruega, por exemplo, no último ano foram registados cerca de 2500 casos de violência doméstica. Quase 80% das vítimas eram mulheres.
Segundo dados recentes da Polícia Judiciária, em 2014 foram participados em Portugal 374 crimes sexuais. No total, 98% dos violadores eram homens e 92% das vítimas eram mulheres.
Só no primeiro semestre de 2014, a UMAR contabilizou 31 mulheres mortas em situações de violência doméstica e as autoridades portuguesas tinham recebido cerca de 13 mil participações.
Já no maior inquérito europeu sobre este tema - realizado a 42 mil mulheres - concluiu-se que, nos 12 meses anteriores, 13 milhões de mulheres na Europa tinham sido agredidas fisicamente e 3,7 milhões sexualmente, ambas as situações dentro de relações amorosas."


Paula Cosme Pinto



Sem comentários:

Enviar um comentário