sábado, 20 de fevereiro de 2016

O amor não existe sem ciúme




Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.

Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente.

Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe – bem sabendo que não é verdade – não nos pode tornar tão rico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.

Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído. Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste – em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.

Umberto Eco 
in, ‘A Ilha do Dia Antes’


Faleceu ontem Umberto Eco de câncro, com 84 anos...
Irá ser publicada a sua última obra, “Pape Satan Aleppe”, ainda em 2016.
Deixa saudades!

Ficam as entrevistas que deu, os livros que escreveu:

"Acho que um escritor deveria escrever o que o leitor não espera. A questão é não perguntar o que eles precisam, mas muda-los... produzir o tipo de leitor que você quer para cada história."

"A leitura é uma necessidade biológica da espécie. Nenhum ecrã e nenhuma tecnologia conseguirão suprimir a necessidade de leitura tradicional."

"Nem todas as verdades são para todos os ouvidos." (O Nome da Rosa)

"O mundo está cheio de livros fantásticos que ninguém lê."

"Para ser tolerante, é preciso fixar os limites do intolerável."

"Eu definiria o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo."

"As pessoas nascem sempre sob o signo errado, e estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo." (O Pêndulo de Foucault)

"O verdadeiro herói é sempre herói por engano; sonhou ser um cobarde honesto como todos os outros."

"O bom de um livro é que se leia."

"Quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos." (O Nome da Rosa)



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