terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
Aquilo em que se Tem Mais Vaidade é o Corpo
Aquilo em que se tem mais vaidade é o corpo.
Mesmo que aleijado, há sempre um pormenor que nos envaidece.
Compô-lo. Arranjá-lo. O careca puxa o cabelo desde o cachaço ou do olho do cú para tapar a degradação. O marreco faz peito.
O espelho é para todos o grande dialogante. Passa-se a uma vitrina e olha-se de soslaio a ver como se vai. Uma mulher perfeita (e um homem) não inveja o intelectual, o artista. O inverso é que é. Muitas mulheres (e homens) cultivam a excepcionalidade do seu espírito ou engenho por complexo ou vingança.
Quando se não tem já vaidade no corpo, está-se no fim. Mas mesmo num leito de morte nos queremos «compostos». «Não me descomponhas» — disse a marquesa de Távora ao carrasco, uns momentos antes de ser decapitada. Tomam-se providências para como se há-de ir no caixão. A degradação do corpo é a última coisa que se aceita.
Hoje lavei o carro e vesti um calção para me não molhar. Dei uma vista de olhos ao espelho. Grumos, tumefacções pelas pernas. Não gostei. Não muito tempo. Lembrou-me um certo professor. Tinha a bossa da oratória. E então contava: escrevia um discurso e lia. Parecia-lhe péssimo. Lia outra vez e outra. E a certa altura, sem emendar nunca uma vírgula, já lhe não parecia tão mau.
A realeza em nós é um imatismo.
Como no Menon de Sócrates, o que há é que descobri-la.
Vergílio Ferreira
in, Conta-Corrente 1
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