segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Pornografia viral



Um dia, há muitos anos, um troglodita encontrou um cantinho escuro numa caverna e desenhou lá um rabo. Desde esse dia que a pornografia está connosco, ou melhor, está com os homens.
As mulheres não tiveram grande papel nessa história.
Hoje, os publicitários venderam-nos a ideia de que uma vida sexual altamente satisfatória é um direito humano básico, e, por isso, é pouco provável que a pornografia desapareça em breve.
Faz parte da máquina da sociedade sexual.

Costumava ser bastante difícil tropeçar em pornografia, a não ser que se fosse mãe de um adolescente, caso em que havia sempre o risco de descobrir acidentalmente a sua coleção da Gina escondida debaixo da cama. Lembro-me do horror que senti aos 13 anos, na década de 80, quando uma amiga me mostrou uma revista pornográfica, propriedade de um seu irmão. Nunca tinha visto nada assim. Era uma coisa visceral, cor-de-rosa, brilhante, ainda peluda na altura, e repelente.
Mas a pornografia era então encarada pela sociedade em geral como um banquete sujo para ser gozado só pelos mais depravados (e pelos rapazes), e por isso era fácil evitá-la.
Tentei evitá-la.
Obviamente, não era uma coisa feita para mulheres.

Hoje em dia, é muito fácil encontrar pornografia.
Basta meter dois dedos dentro de Google e, zás!, eis-nos perante pornografia de nível básico, confrontados com a sua carne, a sua calvície corporal, as suas caretas de luxúria e os seus gemidos ambiciosos, todos horrivelmente suados. Teria imensa piada se não fosse tão inexorável e violenta, sem qualquer alma, e devastadoramente misógina… e se não fosse também por causa do resto da bagagem que vem com ela: a exploração, a prostituição, a droga, etc., etc., etc. 
Este tipo de pornografia procede directamente daquelas revistas reles dos anos 70, com toda a misoginia em anexo. Além das mulheres-de-rabo-pelado e das fantasias óbvias de orgia, dominação e lésbicas que precisam de um homem – aparentemente, as fantasias masculinas favoritas –, há coisas mais específicas e diferentes. No geral, porém, é tudo muito óbvio, muito sexista, e sem apelo para muita gente, especialmente para as mulheres.

Esta espécie de pornografia é reserva dos homens, feita por homens e para homens. É um facto que exsuda de cada uma das cenas pegajosas, suadas, dentro e fora dentro e fora, dentro e fora… As mulheres não fazem parte da máquina, a não ser para fornecer os gemidos, os esgares de orgasmo e, essencialmente, os orifícios.

As mulheres, na sua maior parte, não procuram, pelo menos abertamente, material erótico, porque o que nesse sector prevalece é ainda a versão pegajosa, e a versão pegajosa é repelente.

Pergunto-me, então, donde é que veio o êxito das 50 Sombras de Grey? Porque é que, de repente, um livro destes, percebido como pornográfico (mesmo que “soft”), vendeu 100 milhões de exemplares? 100 milhões de livros vendidos, principalmente a mulheres, significam o quê? Que todas essas mulheres decidiram de repente interessar-se abertamente por material erótico e pornográfico? Ou que estavam apenas à espera de verem essa literatura legitimada pelo facto de todas as suas amigas agora andarem a ler um livro considerado erótico e pornográfico? Vão a pornografia e a erótica tornar-se finalmente “mainstream”?

O sexo explícito tem aparecido em livros e em filmes “mainstream” há décadas, mas nenhum livro nem filme teve o êxito extremo das 50 Sombras. 
Porquê agora? 
Porquê as 50 Sombras?

Se o fenómeno das 50 Sombras consistisse no facto de milhões de mulheres terem saído do armário-porno, mesmo que as 50 Sombras fossem uma porcaria (que são), seria positivo. Se realmente há tantas mulheres com interesse em material erótico e pornográfico, talvez as mulheres tenham agora coragem para escrever, desenhar e filmar coisas eróticas, e criar qualquer coisa de diferente para fazer concorrência ao mundo da pornografia pegajosa. Talvez mais mulheres enquanto autoras na indústria ajudassem o mundo pornográfico a tornar-se um lugar mais seguro e decente … para as mulheres.

Receio, porém, que as 50 Sombras, sejam, no fundo, pouco mais do que um fenómeno viral, um romance mau com sexo, que apanhou a onda só por causa do “slogan” acidental que fez dele a “pornografia da mamã”, e porque muitas, mas muitas pessoas não sabem distinguir entre um livro bem escrito e uma porcaria, e porque se tornou aceitável ler lixo em público (lembrem-se que, inicialmente, o livro saiu em edição de autor, já que nenhuma editora quis fazer de intermediária entre o livro e o mundo).
Vivemos hoje num mundo dado a fenómenos virais.
Todas as semanas, todos os dias, alguma coisa se torna viral e passa a ser conhecida por milhões e milhões de pessoas, por vezes por uma boa razão, mas muitas vezes sem razão nenhuma, e eis-nos todos de repente a discutir uma coisa de que há dois dias nunca tínhamos ouvido falar.

O que é viral é capaz de mudar o mundo num dia quando não estivermos a prestar atenção, porque nunca se sabe o que vai levantar voo e pôr-nos todos a falar. Neste caso, porém, acho que este caso viral vai mudar muito pouca coisa.

Os homens, no entanto, vão continuar a desenhar rabos nos cantinhos escuros das suas cavernas.


Lucy Pepper

Sem comentários:

Enviar um comentário