Klaus Kampert
Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso.
Queimar no dia-a-dia os restos de ontem.
Ser só abertura para amanhã.
A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento.
Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo?
E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão?
Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão.
Que ignore isso o que ignora que é.
Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal.
Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional?
Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.
Que ao menos nós lhe demos, a isso que somos, a oportunidade de o sermos até ao fim. Gritar aos astros até enrouquecermos. Iluminarmos a brasa que vive em nós até nos consumirmos. Respondermos com a absoluta liberdade ao desafio do fantástico que nos habita.
Somos cães, ratos, escaravelhos com consciência?
Que essa consciência esgote até às fezes a nossa condição de escaravelhos.
Vergílio Ferreira
in, Aparição
(discurso da personagem Sofia)
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