sábado, 27 de maio de 2017

SAI DAÍ, MULHER!





Um dia, você pode se dar conta de que anda contando muitas histórias para si mesma. 
De que para justificar suas escolhas, sua inércia ou suas frustrações você constrói teorias, manipula lembranças e até inventa fatos. Um dia, para seu desconforto, pode perceber que não cabe mais nas suas desculpas, que a torre na qual se encastela não a protege de nada, a não ser de viver novas experiências e, pior, que a porta esteve sempre aberta, e você é que não sai.

Nesse dia, você vai ficar assustada, sem saber para onde ir. Ótimo. Você começou a buscar a brecha no círculo.

Sabe aquela frase “É ruim, mas é bom?”

Círculos viciosos são labirintos internos com ar viciado e saídas invisíveis, feitos de conformismo, pensamentos obsessivos, dores estagnadas e desculpas esfarrapadas. São prisões, às vezes douradas e glamurosas, que vamos levantando ao nosso redor, armaduras que vestimos em nome da proteção e da estabilidade. Sim, somos mestres em boicotes, adiamentos e autocomiseração. Engendramos raciocínios sofisticados para legitimar o que fazemos e afastar o que não queremos ver, maquiando lembranças de felicidade. Adoramos justificar as derrotas e polir nossas dores, apegando-nos a elas. As dores, muitas vezes, viciam e nos fazem andar em círculos. São veneráveis desculpas. Cuidado com suas dores. Depois de bem vividas, livre-se delas.

Círculos viciosos são infernais porque encerram a eterna repetição e a impossibilidade de mudança. Como no mito, rolamos, todo dia, ladeira acima, a pedra que invariavelmente descerá ladeira abaixo.

No quesito relacionamento, a coisa é complicada.

É difícil perceber porque toda repetição dá uma ideia de segurança, mesmo que seja falsa e nociva. Empacamos em relações falidas, frustrantes. Repetimos padrões de comportamento desgastados, insistimos em velhas fórmulas e reagimos de maneira condicionada, recorrendo sempre aos mesmos expedientes e repertórios. Gastamos um tempo enorme convencendo-nos de que estamos fazendo a coisa certa, trabalhando no lugar certo ou ficando com a pessoa certa. Justificamos nossos desconfortos, desprezamos nossa intuição e desconsideramos cenas explícitas de horror ou desrespeito. Vamos nos enredando em apatia, sem-graça ou descontentamento mudo; queremos que nossos investimentos pessoais – emocionais e profissionais – deem certo, e  às vezes pagamos para ver, e pagamos caro. Vamos compondo aqui, empurrando com a barriga ali, enquanto pensamos: “É assim mesmo, uma fase, vai passar”, ou então “Detesto o que faço, mas o salário compensa”, ou ainda “Ele tá assim porque anda muito estressado, coitado”. Algumas vezes, é realmente assim mesmo, uma fase e vai passar; às vezes não.

Respeite a pulga atrás da orelha.

Fique atenta àquela inquietação sem nome, às causas da sua insónia e às somatizações: alergias, gastrites, crises asmáticas. Fique esperta com seus devaneios. Para onde vai seu pensamento quando você está indo para o trabalho, ou voltando para casa? Fique incomodada com certos silêncios: tem coisa mais triste do que aqueles casais nas mesas de restaurantes que não conversam, comem em silêncio sem se olhar e ficam aliviados quando o celular toca ou entra uma mensagem? Fique atenta às suas fantasias: sexo, beijo, intimidade, tudo é termómetro.

Chame para si o ónus das suas escolhas. A DR é com você mesma, não tem jeito. Não terceirize responsabilidades.

Temos mania de atribuir ao outro nossos fracassos e frustrações; passamos procurações de “Faça me feliz e realizada” e depois reclamamos quando as coisas não acontecem como imaginávamos. O outro é o outro e não vai salvá-la nem tapar seus buracos. O outro pode ate até ajudado a armar o laço, mas foi você quem entrou e, pior, ficou. Não atribua ao outro o que é seu. Rasgue o cartaz Vítima Procura Algoz.

Saia da fila, abra janelas, mude o canal. Permita-se dizer não, aquele não que é sim. Cometa novos erros, tenha novas manias, vícios, rotinas, mas quebre a corrente. Livre-se do eco das velhas conversas e falas previsíveis. Faça outras perguntas, busque outras respostas. Exercite o por que não? e o por que sim?

Círculos viciosos se rompem com inconformismo e o inconformismo é um vírus que faz aumentar a lucidez e a coragem. Não precisa chutar o balde, queimar a casa, virar a mesa; não precisa se separar, sair do emprego, mudar de cidade. Apenas pare de andar em círculos, como aqueles brinquedos movidos a pilha, que se repetem até esgotar a energia.

Um dia, você pode se dar conta de que está pronta para mudar, andar em outra direção. É como acordar sem febre depois de um longo período de agonia. Nesse dia você enxergará as saídas até então invisíveis, sentirá uma coragem tranquila e, sem alarde, romperá as barras que são, quase sempre, imaginárias.



Hilda Lucas




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