quinta-feira, 25 de maio de 2017

Não me assusta a ideia de ficar sozinha





Verdadeiramente, não me assusta a ideia de ficar sozinha.
Porque acho que tenho trabalhado a minha companhia durante estes anos.
E sou pessoa inteira para se estar. 

Assusta-me mais, a ideia de não me vir a apaixonar outra vez, porque não há fatia de presunto Joselito, nem tinto reserva, nem saco de gomas ácidas que te dê o que te dá uma paixão.
Mas não dá para viver esperando por isso, porque o buraco alarga quando se espreita para dentro.
E nós somos o segredo de nós mesmos.
E não há vazio algum nesse amor próprio que pouco se reclama.

Estar numa relação é maravilho (quando é efectivamente maravilhoso) a cumplicidade e a partilha enriquecem os momentos e a vida ganha lustro.
Mas há campos de petróleo, salinas e minas de diamantes aqui dentro, onde pouco procuramos, quando andamos em desespero à espera que um outro, que ninguém sabe bem quem, nos salve. 

Somos tão egoístas em geral e nesse capitulo tão singular do amor, depositamos toda a generosidade num outro.
Dá mais preguiça aprender a gostar de nós que curtir o próximo. 
Não devia ser tão mais tentador viver apaixonado por nós mesmos?
Sem o narcisismo convicto dos egocêntricos, nem a altivez dos egoístas.
Aprender a gozar-nos, a descobrir na nossa companhia um vício bom e não um antídoto da solidão.

Como é que as relações hão de ser plenas, se as pessoas já entram à espera de serem completadas?
É um meio gás que só é bom para os refogados.

O vício da companhia é lixado, eu sei.
Dependente assumida de pessoas.
Não há pior droga que não saber estar sozinho.
Como se nos abandonassem numa casa assombrada, tal é o pânico da antestreia de nós mesmos. 
Mas devia ser ambição de todos. 

Esse amor-próprio que define o próprio amor, essa condição que define o sucesso da equação inteira.
Falta-nos pouco dentro de nós.
Pouco mais, que puxar pelo descobridor destemido que vai às entranhas do ser.
O que é que podemos encontrar que não seja pertença de nós mesmos?
E que se dê de caras com uma alma desmazelada!

Aproveite-se o encontro para lhe puxar o brilho.
Eu já me enfiei lá para dentro.
E não precisam de levar telefone com lanterna acesa.
Eu também achava.
Mas não é escuro.
É luz.



Isabel Saldanha





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