quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Mito da Mente Vazia




O pensamento é natural. Não existe mente sem pensamento. 
Aliás, o corpo da mente é o próprio pensamento, ou melhor, a sequência de pensamentos ou associações livres que surgem, aparentemente, de maneira aleatória. Não há nada de errado em relação a isso. Supor que a mente deva ser deixada em branco equivale a supor que o psiquismo humano já veio com um defeito de fabricação, que precisa ser consertado.

Há professores de Yoga que insistem em afirmar que é possível manter a mente vazia e que o estado de iluminação só acontece quando a mente é deixada em branco por um longo período. Ora, isso, não coincide com a experiência real da imensa maioria dos praticantes de meditação, seja dentro do Yoga, seja noutros sistemas igualmente eficientes, como o budismo tibetano, ou o zen budismo.

Um amigo disse numa ocasião que a experiência de tentar parar o pensamento foi como fazer a tentativa de fechar um gato selvagem num saco.

Ainda, na hipótese de que fosse possível deixar a mente em branco, temos outros problemas:
essa proeza, por si só, seria capaz de trazer conhecimento, felicidade ou liberdade?

Não creio. O que acontece depois de um período sem pensamentos, é que a mente volta a pensar e, junto com ela, as preocupações retornam com a mesma força dantes. Portanto, nada é resolvido.

Os pensamentos não podem ser equiparados ao Ser, e que o Ser não pode, por sua vez, ser reduzido a um pensamento. Quem seria o sujeito que observa o Eu como um mero objecto, nesse caso? O Eu é o sujeito; ele nunca pode ser objecto da percepção, pois ele é, por definição, a testemunha que olha.

Quando eu não sei quem sou, o eventual silêncio da mente não poderá resolver por si só a questão da minha auto-ignorância. Durante o sono profundo, eu não tenho nenhuma actividade mental. No entanto, isso apenas dá um respiro para a minha mente, mas não me traz iluminação.



Pensar é sofrer?

Outra questão essencial nesta discussão: os pensamentos, por si sós, não produzem sofrimento.
A pessoa que acha que deve parar de pensar para parar de sofrer, acredita que pensar é sofrer.
No entanto, a origem real do sofrimento é a crença de que somos o pensamento, ou de que ser é pensar.

O sofrimento é causado pela confusão que se estabelece quando, ao pensar, acredito que o conteúdo dos meus pensamentos seja o Ser.
A verdade é que os pensamentos acontecem porque o Ser é.
Os pensamentos não existem separados do Ser.
Assim como o íman é a causa do campo magnético, da mesma maneira o Ser é a causa do pensamento.

O campo magnético existe por que o íman existe.
A existência do íman não depende do campo magnético, mas a existência do campo magnético depende da presença do íman.
O pensamento existe por que o Ser existe. 
Tirando-se o Ser, não pode haver pensamento.

Porém, até mesmo na hipótese de que o sofrimento fosse causado pelo pensar, a solução não estaria em parar de pensar. Parar de pensar indefinidamente, no melhor dos casos, irá me tornar uma espécie de vegetal, incapaz de me comunicar, sentir emoções ou crescer interiormente.

Poderia eu dizer, nesse caso, que estou tendo uma vida plena?
Pensamentos equivocados, como achar que somos insignificantes ou indignos de felicidade não se resolvem parando de pensar, mas corrigindo esses pensamentos e substituindo-os por outros que sejam correctos. Será mesmo que eu sou indigno de ter felicidade?
 
Esse tipo de questionamento, com a sua resposta adequada, é o de facto que resolve o sofrimento.

Na prática, o ideal é chegar a bons termos com a nossa própria mente. 
Isso significa fazer, eventualmente, um acordo de paz com ela.
Trocando em miúdos, quando sentamos para meditar, damos à nossa mente a liberdade para que ela seja como é, mas nos damos o direito de nos concentrar no tema que escolhemos para aquela meditação.

Eventualmente, a agitação natural do primeiro momento dará lugar a um estado de maior tranquilidade e estabilidade, no qual nos tornamos capazes de olhar para a mente desde a perspectiva da testemunha, que é o próprio Eu.

É questão de perseverar sem forçar, de maneira compassiva e ao mesmo tempo firme.
Portanto, a solução para esta charada não está em tentar manter a mente vazia, mas em perceber o Eu invariável que somos, presente em todos os momentos, antes, durante e depois de cada pensamento. Quando compreendemos que os pensamentos não escondem o Eu, mas que ele permeia todos os conteúdos, o conflito nascido da ideia de deixar a mente em branco, simplesmente desaparece.


Pedro Kupfer

Sem comentários:

Enviar um comentário