sexta-feira, 25 de abril de 2014

Não posso desesperar da humanidade






Não posso desesperar da humanidade. E como
Eu gostaria de! Mas como não posso
Pensar que há povos maus, há maus costumes?
A América é detestável. Mas deu - americanos - 
Walt Whitman e Emily Dickson. Posso
não confiar neles? A Rússia é
detestável. Mas Tolstoi é tão russo!
São máus os japoneses? Como podem
sê-lo, se têm Kurosowa e o sr. Roberto
que me vendia hortaliças lá no Brasil?
E o meu Brasil tão infeliz amor, e tão
ridículo? Mas não são brasileiros Euclides 
e o coração dos meus amigos? E
Portugal, como pode ser mau e detestável,
se mesmo eu que amo sobretudo o vário mundo,
o amo - ao mundo - como português?
A humanidade e as patrias são uma chatice, eu sei.
Mas como desesperar delas, desde que
não sejam para mim o gesto ou as sardinhas,
o feijão ou o sirloin, ou a terrível capa
dos usos e dos costumes, da vaidade,
mas uma forma de ser-se humano e solitário
Acompanhadamente?


In, 40 ANOS DE SERVIDÃO 
- JORGE DE SENA
1965





Nasci português e morrerei português
ainda que mude de nacionalidade vinte vezes
A literocambada lusitana nasceu portuguêsmente pulha
e portuguêsmente pulha há-de morrer
seja qual fôr o ismo a que pertença.

in, "40 anos de servidão" 
JORGE DE SENA





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