terça-feira, 24 de setembro de 2013

O homem sem qualidades...cont.


É um dos meus livros difíceis!

O que se pode deduzir é que a questão dos irmãos sofre hesitações ao longo do texto.
O incesto precisa ser explícito?
Não poderia haver o êxtase de um elo místico entre eles, mesmo de forma toda e plenamente espiritual?
Mas não, era espiritual e físico; o fogo que irrompera como centelha inicial continuava ardendo debaixo das cinzas.
Talvez se devesse dizer: a alma de Ágata procurava outra maneira de arder livremente”.
Talvez. Ou não. Quem sabe.
De súbito, o autor, que na primeira parte de sua obra se mostrava tão cheio de si, levando junto o protagonista, agora parece já não estar certo de muita coisa.
Gosto mais do novo Ulrich.
O grande problema da fase anterior do livro era exactamente essa sabedoria quase arrogante.
Só me pergunto se não teria havido maneira de enxugar essa fase anterior.

Cresce ao longo dessa fase a visão de mundo à parte para cada pessoa no mundo.
Uma justiça subjectiva se choca contra regras demasiado claras.
Meia-tonalidade pouco usual.
O homem sem qualidades pede pela vida do assassino porque é um demente, e portanto “ele não tem culpa”.
Quanto à sua salvadora, com seu horror enevoando aquela felicidade radiante, será perdoada porque “não era lasciva mas sensual, como outras pessoas têm lá seus problemas, por exemplo, corar com facilidade." 
Nascera assim e não o conseguia evitar.
Tornara-se vítima de uma paixão e que depois de breve e intensa luta transformou-se em emoções secretas e proibidas, continuando então como alternantes acessos de pecado e remorso”.
Em meio a reflexões filosóficas e cenas corriqueiras, é possível entender por que tudo se tornará secundário quando Ulrich reencontrar Ágata, sua irmã esquecida, com quem ele não se encontrara desde sua infância.
Fundam um lar comum e partem para a busca de um outro estado de consciência.
Ele estava provavelmente superexcitado pelo trabalho e o tédio, mas não achou tão mau assim escutar vozes.
"Temos um segundo lar, onde tudo o que fazemos é inocente”. 
O desejo ardente de escutar só a alma deixa livre um espaço imensurável e almas puras que podem então cometer delitos.
Em compensação, sempre que uma alma recebe um sistema de preceitos, condições e regulamentos que tem de cumprir antes de poder pensar em ser uma alma digna, sua incandescência é dirigida, como a de um alto-forno para belos moldes de areia.

Imagino que o título sugere atributos, propriedades, etc, que só se apoiam na tradição, nos tabus, enfim, que se cristalizam de fora para dentro, não ressoam em Ulrich.
Ele vai do cinismo ao desejo de santidade sem passar ou ostentar por qualquer “qualidade” desse tipo, em mais um romance que enfoca a decadência da sociedade e dos sistemas humanos naquele século que, dizem, deveria ter ido até cerca de 1914 etc. Essa dissolução do protagonista encontra um auge no reencontro com a irmã.

Ulrich sente, diante dela e dos problemas que ela enfrenta, causados por circunstâncias já do passado, a excitação peculiar diante de dificuldades e a possibilidade de ultrapassa-las, mas chateia-se com isso, pois agita as paixões exteriores, enquanto as interiores permanecem intocadas.
Tudo na verdade está aqui resumido.
É assim que a gente vive, infelizmente.
Se exalta por coisas que nada tem a ver e, essa exaltação passa batido pelas verdadeiras questões.
A insegurança do ser humano que, vivendo entre outros, deseja algo diferente deles, oprimia o coração de Ulrich.
Talvez ali estivesse tudo, a raça, a ligação, o não-pessoal, a torrente da hereditariedade da qual somos apenas um pequeno arrepio, a limitação, o desencorajamento, o eterno repetir-se e girar em círculo do espírito, que odiava do fundo de sua vontade de viver – porque é isso, todo o tempo, ou a vontade de viver ou a acomodação ao que nos é oferecido como vida.

O amor entre os irmãos existe numa experiência corporal, que faz parte das excitações epidérmicas e pode ser evocado como mera excitação agradável sem conteúdo moral, sem sentimentos e movimentos emocionais que se ligam intensamente à experiência física?
E também na alma?
“Só quando encontrara seu irmão acontecera uma mudança. 
Nos aposentos vazios, escavados nas sombras da solidão, até há pouco ainda repletos de diálogo e comunhão que entravam no mais fundo da alma, perdia-se involuntariamente a distinção entre separação física e presença espiritual, e enquanto os dias deslizavam sem marcas peculiares, Ágata sentia-se como nunca antes sensível ao singular encanto da omnipresença e omnipotência ligadas à transição do mundo dos sentimentos ao das percepções”. 

Enfim, "O homem sem qualidades" mistura tramas, aborda temas polémicos sob o ponto de vista filosófico e psicológico, mantém uma peculiar noção de moral, e por tudo isso é uma leitura que tanto pode ser muito gratificante ou até enfadonha, dependendo do momento.
O que da primeira à ultima página permanece é uma escrita muito além da média e talvez além da média dos grandes escritores.
Na minha singela opinião...é claro!
E ainda na fase em que tento perceber o livro na minha cabeça...

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