sexta-feira, 25 de julho de 2014

O Caminho do Meio



Pergunta – E o karma familiar? De que forma isso é passado para as outras gerações?

Monge Genshô - Você só nasce numa família porque tem Karma para nascer nesta família.
Você não nasce numa família estranha a você.
Você nasce numa família, numa cultura adaptada a você, com determinados pais, você se sente atraído por aquele país. É por isso que você está lá, não é de graça.
Você morre aqui e agora, é provável que você nasça numa tribo de pigmeus no ex - Congo Belga? Não.  Muito difícil, muito longe de você isso.
É mais provável que você nasça de novo numa família brasileira, etc, com os mesmos tipos de problemas.
E aí eu pergunto: “Porque é que nós brasileiros admitimos os nossos heróis trapaceiros”?
Porque é todo mundo trapaceiro. Se não fosse não aceitaria.
É porque todo mundo desculpa e porque todos se estivessem numa situação semelhante se aproveitariam.  Quando as pessoas vão lá no facebook e protestam, porque vocês sabem que o facebook é um lugar especial onde só há pessoas excepcionais, honestas, que gostam de animais etc, que votam correctamente. Mostram uma face pública. É uma face ideal que as pessoas querem mostrar, mas não é verdadeira.

A verdadeira é a que o voto mostra.
Se nós fossemos intolerantes, nós seríamos intolerantes no nosso voto. Como os noruegueses.  
Eu estudei um tempo na Holanda, e, na Alemanha, quando trabalhava com comercio exterior  eu vi com clareza essa atitude que permeia toda a sociedade.
Eu vou fazer o certo porque é o certo.
Não tem nada a ver com o que eu acho ou com minha vantagem momentânea, mas porque é o certo.
O Brasil não é o país do certo e do errado, é um país de pessoas pontuais ou impontuais? “Impontuais”, vocês respondem. Não é verdade. Os brasileiros não vão ao cinema na hora certa? Então os brasileiros são pontuais no cinema, na palestra, etc, por quê? Porque é uma questão de crença. O brasileiro se acha idiota de chegar na hora num lugar e as coisas atrasarem.  Mas se é um evento que começa sempre na hora, ele chega na hora.

Como nós pertencemos a uma escola japonesa, a Escola Soto Zen, dizemos: olha, a meditação começa às 19:30, chegue 15 minutos antes porque às 19:30 nós fechamos as portas e as pessoas ficam na rua. Só ficam uma ou duas vezes, depois não ficam mais. Começam a chegar na hora, porque o brasileiro é contextual, ele não quer ser bobo. Está abalada a crença de que brasileiros são impontuais? Eles agem de acordo com as circunstancias.

Pergunta – Sensei,  o que eu queria perguntar era exactamente isso, sobre este pessimismo cívico que estamos atravessando agora, de olhar que já vão se aproximando de novo as eleições, e o cenário que se apresenta não e algo que a gente possa realmente gostar. E diante disso tudo, do karma de nosso país, da formação que nós temos, sendo criados por marginais desde o começo,  e agora? Diante dessa próxima eleição, nós que tentamos errar cada vez menos, como é que nós devemos olhar?

Monge Genshô - Primeiro eu queria combater a ideia de o motivo é que nós fomos fundados por marginais, porque a Austrália foi fundada por criminosos.
Ela era o lugar para onde a Inglaterra mandava os degredados, a mesma coisa. Nós deveríamos olhar o sistema total, o sistema jurídico etc, a cultura que permeou a formação de um país para ver a sua origem. 
Como é que nós podemos mudar? Nós temos que mudar nossa cultura.
Quanto mais brasileiros vão ao exterior e vêem como funcionam os países, melhor fica. Quanto mais nós absorvermos, quanto mais empresas estrangeiras vierem trabalhar aqui, e se recusarem a agir de forma corrupta, melhor fica. Agora se eles vierem absorver nosso sistema, pior fica. Então nesse momento eu estou fazendo uma consultoria numa empresa japonesa e nós estamos tendo alguma dificuldade com a direcção japonesa e com os gerentes brasileiros, porque eu tenho que explicar, para os directores japoneses, que os brasileiros pensam diferente. “Que não é bem assim”. Os japoneses pensam em bloco. Se um brasileiro roubou, todos os brasileiros são ladrões. Eu digo, “não não, não é bem assim, aqui cada pessoa é uma pessoa, é diferente”. Então há muitos detalhes a serem explicados.

Como nós devemos agir?
Como professor budista  eu não posso perder metade dos alunos porque tenho determinado posicionamento político e a outra metade por outro posicionamento. Então o que eu posso dizer é, “mude você mesmo, dentro de você”.
Esta é a tarefa do treinamento budista.
Nós estamos aqui para mudar a nós mesmos dentro de nós. 
Lá fora nós vamos sair e agir o melhor que nós possamos, dentro daquilo que nós acreditamos que é o melhor, e se nós fizermos isso de maneira honesta, o mundo vai funcionar melhor.

Buda sempre pregou o caminho do meio, e o que seria este caminho o que ele significa?
Olhe, os extremos não funcionam muito bem. Nenhum extremo funciona bem. 
Existem um grande conflitos no nosso tempo:
existe o conflito da igualdade em conflito com a liberdade.
A liberdade se opõe à igualdade porque os homens são diferentes uns dos outros.
Se você prega a liberdade de empreender, liberdade económica, de agir, de falar e tudo mais, você tem um tipo de sociedade mas ela rapidamente fica cada vez mais diferente, porque umas pessoas são mais talentosas e outras menos.

Não adianta você dizer que é injusto o Neymar ( jogador de futebol) estar ganhando muito.
Ele tem um talento especial que está valorizado, é isso, essa é a condição dele.
Esse é o mundo da liberdade.
Agora, se eu disser assim: eu quero o mundo da igualdade, e todos os jogadores vão ganhar a mesma coisa, não importa quem joga melhor. Rapidamente todo mundo para de se esforçar e os Neymares desaparecem porque não adianta se esforçar, porque se eu me esforçar eu ganho a mesma coisa.
Então a liberdade e a igualdade trabalham levando em conta o egoísmo humano. 
Essa é a grande luta que nós tivemos. 
Aqueles que tentaram a igualdade a todo custo, saíram matando, para fazer com que a igualdade funcionasse. Vamos matar os proprietários, e todos aqueles que se opõem a nós.

Outros, que tentaram não a igualdade a todo custo mas a liberdade, redundou em que?
Enormes desequilíbrios, pessoas que não eram competitivas dentro das sociedades ganhando muito pouco, vivendo muito mal, e outros ganhando muito.
Então na verdade, o mundo funciona melhor quando há um certo equilíbrio. 
Então eu queria voltar ao ensinamento de Buda, o “Caminho do Meio”.

Os governos, as instituições, os países, têm que lutar para, diminuir a injustiça equilibrando as chances. Mas, não se pode levar isso a tal ponto que todo estímulo desapareça. 
Então, este equilíbrio subtil é a grande vitória de países como a Noruega, Finlândia,Suécia, que são sociais democracias capitalistas, tudo junto, do Norte da Europa. 
Eu acho que o Brasil deveria pensar nesses termos, mas ele não consegue se decidir muito bem, então ele ora vai para um lado, para um extremo, ora vai para outro e como os grupos não sabem pensar muito bem por ter instrução baixa, o pensamento filosófico no Brasil não se consolida e acaba parecendo uma luta entre facções, entre classes, e as lutas nunca redundaram em coisa muito boa.
Redundaram na realidade em grande desgaste, por quê?

Vamos para a Síria, exemplificar. 
Alguém me perguntou, por que é que na Síria, drusos, que são cristãos, alauítas, sunitas e xiitas se matam uns aos outros?
Eu respondi: porque têm medo, porque cada grupo tem medo que o outro tome o poder, e se um grupo tomar o poder, vai esmagar os outros. 
Então quem tem medo é obrigado pelo receio a pegar em armas para lutar.
Esse tipo de luta só acaba quando um grupo domina todo mundo. Quando ele domina, se instala uma relativa paz, fervendo em baixo da tampa, mas, propiciada pelo domínio de um grupo.
Quando esse equilíbrio se quebra como ocorreu na Síria, os grupos começam a lutar uns contra os outros, então o que fazem os homens lutarem uns com os outros? O medo.

Só que os homens gostam de levantar bandeiras, como acontece com equipas de futebol. 
Um levanta uma bandeira, outro levanta outra.  As bandeiras não significam coisa alguma, são fantasias, construções mentais. Nomes, hinos, mas eles são capazes de sair pela rua, brigar e matar o outro, porque o outro pertence à outra tribo, essa noção de separação de que eu sou diferente do outro, aquela tribo é diferente da minha, está na raiz do medo e é uma tradição da humanidade, sempre tentando exterminar  o diferente.

Vocês todos aqui são descendentes de homo sapiens. Nós acabamos com os neandertais, não foi?
Onde nós encontramos os diferentes, nós fomos  exterminando.
Aqui no Brasil, havia milhões de índios, nós acabamos com os índios, porque eles eram diferentes. 
Os europeus importaram os negros da Africa, porque os negros estavam acostumados a uma sociedade escravocrata, em que os negros escravizavam negros,  eles próprios vendiam escravos, isso já estava estabelecido, então eles  estavam habituados a uma sociedade de trabalho forçado, e nós fizemos uma sociedade que vê o trabalho como uma coisa negativa, o bom é ser senhor, o que nada faz e se aproveita do esforço alheio. Depois nos admiramos dos resultados.
Mas os resultados vêm da origem do pensamento. Porque pensamos assim no início.

Então o que Buda fez? 
Buda raspou sua cabeça, e todos os monges também rasparam suas cabeças, porque naquela época os cabelos mostravam a que casta você pertencia, então não temos mais castas, você entrou na sangha budista, não importa se é pária, se é brâmane, se é xátria, somos todos iguais, somos monges, somos todos iguais, vestimos igual.  
Ninguém mais é diferente um do outro. 
600 anos antes de Cristo, Buda admitiu as mulheres como monjas,  mestres etc, essa é a tradição budista, porque ele disse que homens e mulheres são iguais em sua capacidade de alcançar a iluminação, e ponto final.

Pensem olhando para o mundo de hoje, onde ainda existe tanta diferença entre homens e mulheres, porque nós admitimos religiões que privilegiam um lado ou outro, porque nós temos religiões em que as mulheres são sacerdotisas e os homens são de segunda classe, que isso também acontece...
Você tem uma distinção entre as pessoas, porque se criou a separação, e quando se criou a separação, você criou problema. 
Então a separação é que tem que ser dissolvida.
Nós não podemos enfatizar a separação, os sexos, as tribos, as raças, nada disso deveria ser enfatizado, a lição de Buda é: raspe a cabeça, vista igual, somos todos iguais, a mesma coisa, esqueçam tradições e textos que tentam consolidar a diferença e justifica-la.

Mas ele incluiu mais do que isso, porque ele disse não só os homens e as mulheres, mas ele disse “todos os seres”. Todos os seres sencientes, todos os seres cientes da sua existência são iguais, no seu direito a evitar o sofrimento. 
Essa é a lição verdadeira de Buda.

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