Senti-me irresistivelmente atraída por este livro.
Como se fizesse parte de mim...
Por isso, faz parte da minha "mala de viagem".
Porque somos atraídos por determinados livros, de tal modo que o número de exemplares vendidos os classificam como best-sellers?
E porque alguns desses best-sellers não resistem ao tempo?
Best-seller não é qualidade, é quantidade vendida.
Pode-se avaliar as necessidades subjectivas de uma pessoa pelo que ela escolhe ler.
Li um livro que vendeu oito milhões e meio de exemplares.
Trata-se da obra de Elizabeth Gilbert: Comer, rezar e amar.
É a trajectória heróica de uma mulher moderna.
O mundo mudou quanto aos papéis de género.
O feminino sufocado por séculos, emerge livre no personagem Elizabeth.
Ela deixa de ser a mulher de um marido apaixonado, que imaginava deixá-la feliz, para ser ela, mulher.
É a ruptura com uma cultura que tinha o símbolo arquetípico da “Virgem Maria” a conduzir os homens na busca de uma esposa sagrada para ser mãe de seus filhos.
A falta da dimensão erótica nessa relação criava uma condição para buscarem outra relação paralela em que coubesse um outro símbolo arquetípico: o de “Maria Madalena”.
Hoje assistimos à expectativa masculina recair sobre uma mulher capaz de contribuir para a sustentação da família, ter seus filhos, cuidar deles, viver o erotismo e, ainda, poder ser mãe do homem ao seu lado.
Daí ser difícil tal expectativa ser atendida.
Elizabeth é esse feminino, que não acata essas necessidades confusas do homem moderno.
O momento cultural permitiu a Elizabeth fazer a trajectória do herói, o que não ocorria com as mulheres de muitos contos de Clarisse Lispector, pois os seus personagens reflectiam a cultura da sua época.
Era de se esperar, portanto, que uma história como esta vendesse muitos livros.
O herói que habita cada ser, faz Elizabeth incomodar-se com o mundo ordinário e comum.
Aquele onde o tempo parece passar escondido para surpreender sua vítima diante de um espelho.
É a sensação de ter sido devorado por Chronos, uma entidade da mitologia grega que representa o tempo devorador. Ele chega sorrateiro, fantasiado de tristeza, depressão e descontentamento com a vida.
Foi essa inquietude que levou a mulher a atravessar o limiar que separa o mundo comum, do mundo especial, onde só os heróis podem chegar.
É o equilíbrio de Elisabeth.
Não mais com um tripé, cuja terceira perna empata caminhar, apesar de assim equilibrar, mas com quatro pernas como no desenho do seu Xamã Ketut.
O herói interior mobiliza Elizabeth para superar barreiras.
Para isso ela recorrerá à ajuda de um mentor.
Nesta história as barreiras físicas consistiram na sua saída da América rumo à Itália, Índia, até chegar a Bali, uma ilha especial da Indonésia.
Quando se atravessam as barreiras psicológicas, não se pode mais retroceder, não existe volta ao estado de inocência anterior.
Elizabeth simbolizou na Itália o “Comer”.
Ela nutre-se para enfrentar um divórcio, uma depressão debilitante e outro amor fracassado.
Livrou-se de todos os bens materiais, demitiu-se do emprego e partiu para uma viagem de um ano pelo mundo.
No mundo moderno, a relação do indivíduo com o corpo substitui a necessidade pelo desejo.
Elizabeth quis aprender a usar o corpo e respeitar o seu ritmo.
Nós temos um corpo, mas não somos o corpo.
Na sociedade moderna a mulher deve ter cuidado para não ter actos obsessivos em cuidar desse corpo, aprisionando-se de outra forma às expectativas masculinas.
A liberdade de comer, como também a de sair dos trilhos sem perder o equilíbrio, foi a busca da personagem.
Engordou onze quilos.
Rezar é trocar o abandono da vida material pela imaterialidade dela.
É fazer conexão com o universo interior e exterior.
É a liberdade em fazer escolhas.
Todos queremos ser livres, mas na hora dessa escolha surge a angústia e o medo de fazê-la errada. Nada disso é possível, se não tivermos um mito que possa dar sentido à própria vida e atenue a angústia das incertezas.
Esse mito não é o do julgamento do bem ou do mal, mas o cristianismo evoluído de amar o outro como a si mesmo. É nessa busca que Elizabeth chega à Índia e encontra Richard, um amigo que faz papel de mentor, imprescindível na trajetória arquetípica do herói.
Esse amigo a chamava de “Groceries”, como a lembrar-lhe o seu comportamento ocidental de apego material, incompatível com a evolução espiritual.
Ela aprende que viver fora do tempo presente, é viver mal.
Amar é algo como a loucura.
Sem lógica.
É dar-se conta de que precisa do outro para complementar-se.
Não é apaixonar-se pelo outro sem notar que o que ama mesmo é o modo como quer que o outro seja. No amor verdadeiro, as diferenças não atrapalham.
Os gregos antigos viam o amor composto de três aspectos: Eros, Filos e Ágape.
Em todo o amor humano encontraremos essas partes, porém com a predominância de uma delas.
Eros, um menino alado carregando flechas. Essa é a dimensão do amor que é fluido, inocente e fere. Na mitologia Eros e Phobos – deus do poder - não podiam conviver.
Existe um ou existe o outro.
Elizabeth experimentou Eros ao encontrar Giovanni, o professor de italiano.
O seu Xamã Ketut foi o mentor para o encontro do equilíbrio e do desequilíbrio que Eros provoca. Com ele, ela viveu a dimensão Ágape do amor.
Filos, a dimensão do irmão, aquele outro que eu amo como a mim mesmo, foi vivida no encontro com Richard, na Índia.
Elizabeth são todas as mulheres modernas que atendem ao chamado do seu herói interior, e se libertam de fantasias.
Conseguem levar a alteridade para suas relações.
É o respeito mútuo.
É o ir e vir da Verdade de Ser.
“A gente precisa ter o coração partido algumas vezes. Isso é um bom sinal, ter o coração partido. Quer dizer que a gente tentou alguma coisa”.
“Há momentos que temos de procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão.”
“Todo mundo fica assim no começo de uma história de amor: quer felicidade demais, prazer demais, até adoecer”.
“- Sinto sua falta.
– Então sinta minha falta. E me mande amor e luz toda vez que pensar em mim. Depois esqueça. Não vai durar pra sempre, nada dura”.
“Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela, pela primeira vez na sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados”.
“Para chegar ao castelo, você precisa nadar pelo fosso”.
“Se houve sofrimento é porque você tentou”.
“Olhe o mundo através do seu coração, assim encontrará Deus”.
“Esses dois têm muitos problemas, problemas sérios que precisam resolver; mas juntos, são perfeitos um para o outro, existe sentimento, vai entender…”.
“Há momentos que temos que procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão”.
“Melhor viver o seu próprio destino de forma imperfeita do que viver a imitação da vida de outra pessoa com perfeição. Então agora comecei a viver a minha própria vida. Por mais imperfeita e atabalhoada que ela possa parecer, ela combina comigo, de alto a abaixo”.
“Tem que aprender a escolher seus pensamentos da mesma forma que escolhe suas roupas todos os dia, trabalhe sua mente é a única coisa que deve controlar porque se não dominar seus pensamentos terá problemas sempre”.
“E se a gente simplesmente reconhecesse que nosso relacionamento é ruim, e mesmo assim ficasse junto? […] Dai a gente poderia passar a vida inteira junto… infelizes, mas felizes por não estarmos separados”.
“Sabe o que senti quando acordei hoje de manhã? Nada. Nem paixão, nem entusiasmo, nem fé, nem emoção. absolutamente nada. Eu acho que eu passei do ponto onde se poder chamar isso de um mal momento e isso me apavora. Meu Deus, essa ideia é pior do que a ideia da morte. É essa pessoa que eu vou ser de agora em diante?”.
“Quanta gente já ouvi dizer que os filhos são a maior realização e o maior reconforto de suas vidas? São aqueles com quem eles sempre podem contar durante uma crise metafísica, ou em um momento de dúvida quanto a sua relevância – Se eu não tiver feito mais nada nesta vida, então pelo menos terei criado bem os meus filhos”.
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