domingo, 22 de maio de 2016
O Desejo do Homem é Contrário à Sua Unidade
Houve tempo em que o homem inventou o amor cortês para não perder a intimidade das mulheres. Elas estavam a ser atraídas pela formidável influência da Igreja que as recebia permitindo-lhes uma personalidade estável. As mulheres amam essa personalidade estável que Freud soube preservar nas suas relações com Marta, a mulher de toda a sua vida. Ler a correspondência de Freud com Marta é muito salutar neste mundo a abarrotar de esgotamentos nervosos e falsas ou reais confidências. Um dos seus clientes (Schonberg) causava-lhe grande preocupação. Um dia, a cunhada, vendo o doente cumprimentar uma senhora, disse: "O facto de ele ser outra vez bem educado com as mulheres é também um índice de melhoria". Freud não deixa de referir isto, que corresponde a uma personalidade venerável. As mulheres acham que é sinal de normalidade serem tratadas com cortesia. O desejo não lhes diz nada, comparado com uma palavra doce e conveniente. Isto não é uma síntese do comportamento dos homens e das mulheres. Mas sim uma certeza - o que não proíbe toda a espécie de averbamentos necessários à verdade.
Nietzsche, imoralista por definição, disse que não há nada mais contrário ao gosto do que o homem que deseja. É certo que o homem, nas suas acções, na sua bravura animal, mesmo perdido no labirinto dos sentidos, nos parece admirável e digno de encorajamento. Mas sabemos que o desejo é o seu lado mais anárquico e contrário à unidade do próprio homem. As mulheres reconhecem isso e desacreditam tanto o homem que deseja, como o que é desejável. Entretanto, é uma questão de gosto iludirmo-nos sobre o gosto.
E sobre o desejo também.
Agustina Bessa-Luís
in, "Contemplação Carinhosa da Angústia"
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