sábado, 31 de janeiro de 2015

Mulheres filósofas



De vez em quando, dá-me vontade de ler Inês Pedrosa...
E esta semana, tenho andado a ler sobre um assunto que ela escreveu há uns anos...2007...
sobre as mulheres filósofas de que ninguém fala.

Deixo aqui um excerto que achei bastante interessante:

"Ah, a reputação, esse mistério da feminilidade...

Quanto ao dossiê filosófico propriamente dito, pouco mais é do que uma salada de citações ressentidas, mais velhas do que as comemorações da morte de Elvis Presley,
de "A mulher é um macho abortado" (Aristóteles)
ao famoso "Se fores ver a mulher, leva o chicote" (Nietzsche)
ou à freudiana interrogação: "Afinal, o que é que elas querem?".

Imagino os fantasmas destes martirizados cavalheiros erguendo-se em uníssono numa manifestação ( ...)

Hannah Arendt é a única filósofa considerada – e mesmo essa, sobretudo pela negativa:
(...)
Simone de Beauvoir reduz-se à enunciação feminista,
e Maria Zambrano ou Simone Weil continuam a não existir.

Seria interessante analisar porque é que, no século XXI, se prefere repetir citações discriminatórias de séculos passados, em vez de reflectir sobre as causas do persistente apagamento das mulheres filósofas – dado que,
como afirma Frédéric Pagès (autor do estimulante "Philosopher ou l'Art de Clouer le Bec aux Femmes" (Filosofar ou a Arte de Calar o Bico às Mulheres), edição Mille et Une Nuits):

"A filosofia é uma forma de reprodução entre homens, evitando a matriz feminina, por fascinação mútua, de geração em geração.
Falta inventar uma filosofia que não corte a palavra a ninguém, que convide finalmente as mulheres para o banquete – que será então muito mais rico do que este 'buffet' seco e frio que propõe o clube de fumadores de charutos da Sorbonne."

Falta, sobretudo, ler o que elas escreveram e escrevem – a sós, e sem "buffet".


Inês Pedrosa



E, a propósito da filósofa espanhola Maria Zambrano
aqui vos deixo um excerto:

“A avidez do “outro” podia ser a forma mais benévola de mencionar a inveja. E chama mais a atenção o termo “outro” do que avidez, que é o substantivo, o sujeito. O que aqui se destaca adquirindo uma especial substantividade, é a referência ao “outro”.
(...)
A avidez pelo outro podia ser igualmente a definição do amor. Sem que possa ser nota distintiva o tormento produzido pela inveja, porque o amor, segundo as queixas dos que padecem, é tormento em sumo grau e, como a inveja, tormento que se alimenta a si próprio. Amor e inveja são processos da alma humana em padecer não produz qualquer atenuação; o padecer é o seu alimento.
A mesma definição, “avidez do outro”, parece adequar-se a este par de contrários que são inveja e o amor. A ambivalência do mundo do sagrado torna-se manifesta como sempre. E esta ambivalência é que precisa ser interpretada.
A avidez é própria de algo que precisa de crescer, crescer ou transformar-se, deixar de ser o que é; algo que se encontra num grau transitório, algo que é esboço do ser. Não sente avidez aquilo que tem entidade e repouso. A avidez é o chamamento no que ainda não atingiu o ser, e tende de alguma forma a adquiri-lo.
(...)
Avidez do “outro”, comunidade de amor e inveja, pelo menos num primeiro sentido, pois muito cedo no amor “o outro” se transforma em um. A inveja, em contrapartida, mantém obstinadamente a alteridade, sem permitir-lhe que toque na pureza do um.
E ao manter o outro, cresce a avidez que chega ao frenesim. O possuído pela inveja não pode renunciar a esse outro. Não há dúvida que no mais íntimo da sua vida, algo acontece que o mantém ligado a esse outro, estranho e mais eu que o seu próprio eu. Não se verá o invejoso a si mesmo a viver nele?
(...)
Mas a diferença entre a inveja e o amor parece estar na visão: o amor vê o outro como um; a inveja, como a que poderia ser tanto um como outro.”

In, O HOMEM E O DIVINO
Maria Zambrano
( uma pena que a filósofa tenha utilizado o termo "Homem", e não "Ser Humano"...)


Só um reparo:
Não me parece que a inveja seja um oposto do amor.
Se do amor, consistir o Desejo...
Uma coisa é Invejar,
Outra é Desejar,
E outra é ter ciúmes de...


E a respeito do Desejo...e da Inveja:

“Ver-se a viver noutro, sentir o outro dentro de si mesmo sem o poder afastar.
O invejoso, que parece viver fora de si, é um ensimesmado; invidere já diz pela sua composição, o dentro que há nesse olhar o outro.
Olhar e ver o outro não fora, não ali onde o outro realmente está, mas sim num dentro abismal, num dentro alucinatório onde não se encontra o segredo que faz com que cada um se sinta a si próprio, em confundível solidão.

Ver-se a viver noutro ensimesmadamente.
O ver viver outro no espaço externo, fora não provoca inveja.
Ver objectivamente, isto é, ver cada coisa e cada ser no espaço que lhe for adequado, é próprio daquele que já não pode invejar.
Porque só o semelhante pode invejar.
(...)
Ver um semelhante é ver viver alguém que vive como eu, que está na vida à minha maneira.
Só ele pode ser sentido nesta implicação da inveja, porque só ele pode estar implicado na minha vida.
É que ao ver o semelhante não o vejo objectivamente no espaço físico, sinto a sua vida na minha vida.
Ver adequadamente o semelhante é a prova suprema da visão."
(...)

MARIA ZAMBRANO



Quando olhamos o outro/a de dentro...ele/la habita o mesmo abismo...pode ser a sombra, como pode ser a Luz...
Mas é onde talvez nós nos confundimos na nossa mais profunda humanidade, ou onde as almas talvez se encontrem muito para além do individual...




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