sexta-feira, 17 de abril de 2015

Nietzsche e o Budismo



...a Arte e a Cultura...
É muitas vezes a maior desculpa para não se dizer nada, ou se esconder...
Que cultos que nós somos!
Sabemos de tudo e mais alguma coisa...menos de nós mesmos/as claro, e aqui andamos todos a fingir mais do mesmo...ou então somos cristãos e budistas, e meditamos todo o tempo...entramos em samadi ou então fazemos "vipassana"...e eu já vi passar muitos por "grandes iluminados", e tudo o que são é uns cobardes...a fugir de si mesmos e das realidades, dizendo pois que tudo é Ilusão, que tudo é Maya ...

Nietzsche fez uma crítica ao Budismo, como religião decadente e niilista...:

"Budismo, junto com cristianismo seriam religiões decadentes e niilistas, pois propõem algum tipo de fuga ou negação da natureza própria do ser humano – vontade de potência – rumo a algo que Nietzsche identifica como nada (disfarçado sob epítetos como Deus ou Nirvana). 
Mesmo que levemos em conta algumas passagens algo elogiosas ao budismo, especialmente na comparação com o cristianismo ( n’O Anticristo) o tom geral é de denúncia do carácter ascético do budismo em conexão com a negação da sensualidade e da vida empreendida pelos sacerdotes, grupo no qual, aparentemente, devemos incluir o Buda e seus monges mendicantes.

Nietzsche se insere na história alemã de flirtes e aproximações com a cultura asiática. 
Basta que lembremos o interesse de Leibniz pelo confucionismo, os estudos críticos do pensamento oriental feitos por Hegel, Schelling e a leitura mais generosa para com o oriente feita por Schopenhauer, grande influência na formação de Nietzsche. 
Não é novidade, pois, o interesse alemão pelo oriente. 

No que diz respeito aos elementos de budismo efectivamente conhecidos por Nietzsche para fundamentar a sua análise, localizamos pelo menos duas posturas: 
(a) Nietzsche tinha um bom conhecimento e contacto com fontes directas do pensamento da
Índia pois teria inclusive aprendido sânscrito em Leipzig (1865 e 1868) com o professor de Max Mueller, Hermann Brockhaus.
Vemos esta tese em Guy Welborn no livro "the buddhist nirvana and it’s westerners interpreters".
Afirma ainda este autor vários pontos de contacto entre teses nietzscheanas e doutrinas budistas como, por exemplo: eterno retorno e samsara, Zarathustra e a figura budista do boddhisatva e a
transvaloração dos valores como sendo equivalente a nirvana.
(b) A segunda postura localizamos no artigo de Graham Parkes, "Nietzsche and asian thought: influences, impacts and resonances".
Neste artigo, Graham aponta para o que ele chama de exiguidade da influência do pensamento asiático sobre Nietzsche. Aponta ainda para uma familiaridade do nosso autor com grandes narrativas épicas indianas como o Ramayana e o Mahabarata, bem como um certo conhecimento acerca das noções de karma e renascimento.
Além disso, a amizade com Paul Deussen pode ter exercido influência e fornecido material para conversas e alguma leitura.

Para Graham tudo aponta para uma leitura reduzida de livros sobre o assunto e uma “compreensão pouco firme” do pensamento de hindus e budistas. 
O próprio Nietzsche reconhece em carta a Deussen(...)no sentido de se reconhecer paralelos entre o desenvolvimento filosófico indiano e o europeu, do que um conhecimento aprofundado acerca deste assunto.


É possível uma crítica budista, da crítica de Nietzsche ao budismo?

Devido ao carácter limitado deste texto, escolhemos duas obras como referência para expor a crítica de Nietzsche ao budismo: 
"O Anticristo" e a "Genealogia da moral".
(...)


I - Nietzsche: considerações gerais

No Anticristo, há uma comparação entre budismo e cristianismo, ambas consideradas por Nietzsche religiões niilistas, sendo que o budismo leva uma certa vantagem na comparação: 

O budismo é mil vezes mais realista do que o cristianismo – ele carrega a herança da colocação fria e objectiva dos problemas, ele vem após séculos de contínuo movimento filosófico, o conceito de “deus” já foi abolido quando ele surge.
O budismo é a única religião realmente positivista que a história tem a nos mostrar (...) ele já não fala em combater o pecado, mas sim, fazendo justiça à realidade, em combater o sofrimento.
(...)susceptibilidade a dor e hiperespiritualização caracterizada como demasiada permanência entre conceitos e procedimentos lógicos.
Como consequência se produziria um prejuízo do instinto pessoal em nome do impessoal.
Destas condições resulta uma depressão contra a qual o Buda combate de modo higiénico, ou seja,
“vida ao ar livre, as andanças, moderação e escolha de comida”. 
Ausência de oração, ou de coação, combate a estados insalubres dentre os quais se encontra o ressentimento, egoísmo como dever.

O budismo é um movimento pacífico que tem início nas classes elevadas (a noção de ariya ou nobre deslocada do sangue para o resultado de um estilo de vida) no qual a “jovialidade, o sossego, a
ausência de desejos são o objectivo supremo, e o objectivo é alcançado”.

No cristianismo, por outro lado, tudo gira em torno dos sujeitados e oprimidos; o tédio se combate com o que ele chama de “casuística do pecado, autocrítica, inquisição da consciência”. 
Tem-se também o cultivo de forte afecto para com o Deus mediante a oração e àquilo que é mais elevado e inatingível a não ser mediante algo independente do indivíduo e que se chama graça.
higiene do corpo é vista como manifestação de sensualidade. Ressentimento e sentimento de 
vingança são cultivados vigorosamente mediante perseguições a todos que apresentam desvios de comportamento e pensamento.

Por fim, a ultima coisa a apontar no Anticristo é a visão de Nietzsche de que o budismo é uma religião de homens tardios, raças bondosas que se tornaram super espirituais, ou seja, o budismo é adequado para civilizações em ocaso, cansadas, ao passo que o cristianismo tende a agregar bárbaros com sede de domínio, acção, conquista.

Vemos, portanto, que de acordo com Nietzsche o budismo é, junto com o cristianismo, uma religião de tipo niilista com a diferença de apresentar algumas vantagens.



II - Nietzsche: Genealogia e ideal ascético

(...)começa pela definição de ideais ascéticos.
Tais ideais são formas de negar ou diminuir a vida ou a vontade em nome de uma recompensa de natureza supramundana, por exemplo, o paraíso cristão.
(...)Nietzsche aponta vários tipos humanos e o que significaria para tais tipos o ideal ascético.
Destacamos duas figuras fundamentais para nosso debate: o sacerdote e o santo. 
Para o primeiro, os ideais ascéticos são a legitimação do poder e instrumento de 
dominação; para os últimos uma desculpa para hibernar, para repousar no nada ou deus.
(...)

Para os filósofos este ideal torna-se interessante na medida em que nele se percebe uma liberdade quanto a deveres e obrigações.
Aproximando-se desses ideais que apresentam-se como elevados, o filósofo se eleva também e torna-se mais fecundo e concentrado devido às virtudes cultivadas nesse contexto como: humildade, castidade e pobreza que impõem freios num orgulho indomável e susceptível e numa
sensualidade caprichosa.
A aliança entre filosofia e ideais ascéticos foi um suporte fundamental para que aquela 
justificasse sua existência.
(...)

Nietzsche menciona os brâmanes como exemplo de filósofos, estes mais antigos filósofos que desenvolveram métodos terríveis de ascetismo, como jejuns e mortificações.
Tais técnicas visam o domínio de si mesmo, algo que pode fazer com que o dominador assuma um
ar de dignidade aristocrática.
A conclusão a que chega Nietzsche é que o ideal ascético valoriza a vida que se 
volta contra si mesma, que nega a si mesma. O sentido da vida é ser negada em nome de uma outra existência superior, celestial.
Esta negação da parte do sacerdote significa que ele reconhece sua doença e fraqueza, sua incapacidade de viver de modo afirmativo e saudável.
Além desse reconhecimento, há também o ressentimento dirigido aqueles que são seu oposto, os que vivem de modo afirmativo.
Contra o guerreiro nobre, poderoso e afirmativo, o sacerdote ansioso pela morte.

Entretanto, é importante notar, a renúncia da vida feita pelo asceta é aparente.
Segundo Nietzsche ela é o resultado de um instinto de cura e protecção de uma vida que degenera. O não do asceta é na verdade um sim disfarçado, dito de outro modo. 
A promessa de uma vida melhor torna a vida suportável e tal promessa se liga à ideia de que é possível tornar-se digno e merecedor pela via do sacrifício.
(...)

Os adjectivos para descrever o asceta são: consolador, aliviador, mitigador e narcotizante.
Tais adjectivos são aplicados imediatamente à tradição cristã.
Nietzsche, porém, não se restringe ao cristianismo.
É lícito afirmar que sua análise aplica-se não só ao cristianismo, mas também a seus 
aparentados judaísmo e islamismo, bem como ao budismo. 
Todas estas religiões seriam formas de combater a depressão ou a tristeza dos fisiologicamente
travados.

O tratamento dessa doença se dá pela diminuição do sentimento vital da seguinte maneira: evitar o que produz afecto, não amar nem odiar. 
Em termos psicológicos temos aqui “santificação”, “renúncia de si”, em termos de fisiologia “hipnotização”, um tipo de hibernação, uma redução do metabolismo.
A suposta elevação espiritual resultante destes procedimentos seria tão somente um equívoco, o resultado de se confundir fisiologia e psicologia.

O estado supremo, a própria redenção, aquela hipnotização e quietude total enfim alcançada, é para eles o mistério em si, para cuja expressão não bastam sequer os símbolos mais elevados,
sendo retorno e refúgio no fundo das coisas, sendo desprendimento de toda ilusão, sendo “saber”, “verdade”, “ser”, sendo libertação de todo fim, todo acto, todo desejo, sendo estar além também
do bem e do mal.

Esta redenção pensada como além do bem e do mal é algo comum da mentalidade indiana segundo Nietzsche, brâmane assim como budista. E não se chega a isso pela via da moralidade, somente pela unio mystica, uma vez que a redenção é o “ser um com Brahma, que não permite aumento de perfeição, tampouco na diminuição de erros: pois o Brahma, com o qual ser um constitui a redenção, é eternamente puro” (Shankara conforme Paul Deussen).

O aspecto de sono profundo porém,envolvido na união mística é criticado por Nietzsche que não vê nada aí além da versão oriental de algo já visto em Epicuro: o hipnótico sentimento do
nada, o repouso no mais profundo sono, ausência de sofrimento, em suma – para os sofredores e profundamente desgraçados é lícito ver nisso o bem supremo, o valor entre os valores,
isto tem de ser considerado positivo por eles, sentido como positivo mesmo.

No parágrafo 18 da genealogia, Nietzsche analisa as formas desenvolvidas pelo sacerdote para 
combater os estados depressivos.
Desenvolvi um alto nível de honestidade implacável, e uma aversão quase física às pequenas mentiras diárias, que muitas vezes contamos a nós próprios. 
Se a vida é tão preciosa e frágil, não a quero desperdiçar em delicadas meias verdades.

A mentira "piedosa" é, quanto a mim, a pior de todas, por parecer que tem "fundamento"...e quando mentimos a nós próprias, pior ainda...e quando mentimos a nós próprias de uma forma inconsciente, como defesa, criando bloqueios, então é o caos!

VER e dizer o que vem com naturalidade.
A maldita e estúpida ideia de "não julgar" é o que nos impede de ter JUÍZO próprio, de saber discernir sobre os outros e sobre nós mesmos, sem condenar, mas SABER VER COM OLHOS DE VER. 
Não ter medo de dizer... e DIZER com RESPEITO E AMOR! 
O que só é possível quando não nos dominar a ideia sempre presente de bem e mal...sempre condicionados pela moral caduca e o medo atávico da religião, que diz: 
"não julgues para não seres julgado" - o que nos reduz a pobres mentecaptos...seres infantis sem capacidade de se afirmar, vivendo de intrigas, mentiras e bajulações...

A conclusão disso tudo é que o sacerdote é uma figura perniciosa responsável por muitos males ao longo da história da humanidade e sendo um facto etnológico, podemos afirmar que não apenas o sacerdote judeu e sua contraparte cristã, mas todo sistema que defende uma renúncia à vida em nome de algum tipo de benefício em outro mundo faz parte desse horizonte.
Sejam escravos e pobres doentes, sejam nobres cansados da vida, todos comungam dos mesmos ideais, todos anseiam o mergulho no nada.
A este desejo de nada Nietzsche chama de niilismo.


III - Budismo

O primeiro ponto do nosso comentário diz respeito a noção de ascetismo, práticas ascéticas ou mortificações. Nietzsche menciona tais práticas no contexto do que ele chama de bramanismo, algo talvez incorrecto, uma vez que os praticantes mais rigorosos das mortificações eram os samanas, grupo heteróclito do qual o Buda e os seus eram membros.

No pensamento indiano, os ascetas, por força de suas mortificações e meditações, pretendem adquirir certas habilidades ou poderes (siddhis) de modo que seriam capazes até mesmo de subjugar os deuses tradicionais.(...)
O budismo, na medida em que emerge no contexto espiritual do bramanismo herda tais noções e teria procurado dar sentido à vida defendendo uma dignidade e superioridade que resultaria do autocontrole, do domar a si mesmo.
No contexto budista, é importante afirmar que tais práticas não têm como objectivo um desligamento de si, algum distanciamento da miséria da vida pessoal, como a crítica nietzscheana sugere.
A ideia é que o indivíduo esteja atento a si mesmo, ao que acontece em sua mente, apenas atento, sem julgar como bom ou mau e este é o caminho para a superação do sofrimento. 
O sofrimento não se supera fugindo dele em algum tipo de sono ou coma, mas encarando a dinâmica da mente sofredora de perto, pela prática daquilo que no budismo se chama vigilância ou atenção plena.
Para que tal prática tenha efeito, não é preciso que se viva numa caverna, distante das pessoas, basta que se cultive uma privacidade para a prática, que se viva sem ser arrastado passivamente pelo que acontece dentro ou fora de nós.

Ao mencionar práticas ascéticas e suas consequências e fundamento, Nietzsche fala claramente do budismo e do bramanismo como semelhantes. É importante notar, porém, a existência de profundas diferenças nas práticas ditas hindus ou do yoga em relação às práticas budistas, tanto no que diz respeito ao seu fundamento metafísico(ou sua ausência) quanto aos objectivos pretendidos por tais práticas.


Eis aqui uma tentativa de diferenciar budismo e bramanismo, segundo a terminologia de Nietzsche:
No pensamento indiano existe a ideia de que existe uma entidade imutável subjacente aos fenómenos mutáveis e transitórios, é comum chamar tal ente de “Eu” ou Atman.
Este “eu” está, na nossa condição comum, obscurecido pela ignorância, que o faz perambular pelas várias reencarnações.
A libertação deste ciclo de repetições potencialmente sem fim se dá pela “redescoberta” deste “eu” e de sua natureza pura e luminosa e isto se dá principalmente mediante práticas espirituais que tem o poder de levar o indivíduo à libertação. 
Descobrir a natureza verdadeira do Eu leva ao reconhecimento que o fundo permanente por trás da personalidade é o princípio impessoal, ou seja, brahman.
Ao identificar-se como brahman, o Eu Inferior (personalidade mutável) é superado como ilusão e o Eu Verdadeiro ou superior se redescobre como o brahman imutável.
Isto quer dizer que o yogue ou o seguidor dos Upanishades pretende recuperar uma união perdida com o supremo impessoal que está para além das divindades.

Dentro da tradição indiana temos também outras formas de libertação como por exemplo a união com Brahma como divindade pessoal ou a formação de um vínculo devocional pessoal com uma divindade qualquer de modo a conduzir o devoto a um paraíso ou uma boa reencarnação humana.

Não há no budismo a suposição de um Eu permanente a ser redescoberto, mas um fluxo insubstancial que produz, pela energia das acções, os sucessivos renascimentos (não se fala em reencarnação) e todo sofrimento daí resultante. 
Portanto, não se busca no budismo a reunião com a divindade pessoal ou impessoal, admite-se até a possibilidade de paraíso, mas como objectivo menor porque passageiro, ou mesmo um renascimento como deva, ou deus.
Deuses no budismo são criaturas que foram humanos um dia, e por força de méritos adquiridos renasceram como divindades de vida muito longa, mas também impermanente.

Outro elemento budista importante nessa diferenciação é a atitude do Buda diante das práticas ascéticas.
Logo no primeiro discurso dado, o Buda apresenta uma separação radical em relação à tradição ascética na qual foi formado. Buda afirma ter percebido o carácter infrutífero das práticas ascéticas tradicionais e que descobriu um caminho intermédio para a libertação, algo entre os prazeres sensoriais e o rigor dos ascetas, considerando esse caminho como algo doloroso, ignóbil e que não traz benefício. 
O caminho proposto pelo Buda contrasta com este descrito por ser um caminho que origina visão, conhecimento, conduz à paz, ao conhecimento directo, à iluminação, a nibbana.
O objectivo do caminho budista foi descoberto pelo Buda após o abandono do ideal ascético típico de algumas tradições indianas.

O Nibbana, a libertação, o estado no qual nada é sentido, o nada criticado por Nietzsche não é pensado de forma triste ou negativa. Embora haja uma crítica ao prazer sensorial, tal crítica situa-se no contexto da intensidade do desejo provocado por tais prazeres, que representa em ultima instância sofrimento.
O budismo pensa os estados mentais que suas práticas propõem, não como a negação do prazer, mas como estados de prazer diferentes.

Uma última observação quanto à identificação de nibbana como inacção e sono sem sonhos. 
O Buda apenas se afastou do mundo como costumamos entender, no início quando abandonou a sua casa, isolando-se numa caverna e cortando para sempre o contacto com o mundo impuro das cidades...mas cedo se apercebeu que não era esse o caminho e voltou às cidades em busca dos professores, dos samanas... afinal, era nas cidades que eles pediam esmola.
Além disso, o Buda travou contacto com reis, governantes, nobres e burgueses, aconselhando e recebendo estas pessoas como seguidores.
(...)
Quanto ao tema já mencionado dos prazeres sensoriais, o que Buda refere é que se duplica a dor corporal com a dor mental, e surge na mente aversão pelo que é doloroso, e dessa aversão, um desejo de fuga do doloroso. Como não se sabe de nenhuma alternativa além do prazer sensorial, ele passa a ser visto como solução para todos os problemas. Ao buscar o prazer como escapatória, a pessoa sente as coisas de modo apegado(apego como contrapartida da angústia mental que duplica a sensação dolorosa).
O discípulo do Buda, diante das mesmas experiências, não duplica a dor corporal com a dor mental. Ele sente uma sensação – uma corporal e não mental. A sensação dolorosa não é seguida de aversão e, portanto, não há busca de satisfação nos prazeres sensoriais como uma fuga.

Em conclusão, tudo é experimentado por ele com desapego. 
Isto reforça o que dissemos antes, a saber, no budismo há um escalonamento dos prazeres, não um abandono completo dos mesmos ou da noção de prazer como algo a ser buscado. O prazer não é o problema, a mente apegada é o problema.   
O budismo pretende, pois, mudar o modo como experimentamos as coisas que nos acontecem, e a meditação é o caminho, treino, que torna tudo isso possível.


Entendemos que o tema da meditação insere-se, pelo menos parcialmente, no contexto da crítica de Nietzsche da actividade maquinal.
Podemos dizer, em primeiro lugar, que no budismo não há actividade maquinal neste sentido e visando produzir os resultados descritos por ele.
A recomendação dada pelo Buda ao Meditar, é que ela seja feita cultivando uma qualidade chamada de sati, palavra pali que pode ser traduzida em português como vigilância, atenção plena, plena consciencialização.
Estejamos andando ou sentados ou a fazer qualquer coisa.
Não há, portanto, actividade maquinal como um perder-se na actividade, é preciso estar atento num nível totalmente diverso de nossa atenção ordinária e desenvolver este traço de atenção até que ele esteja presente em todos os momentos.
Tal vigilância deve ser cultivada na prática formal da meditação sentado mediante a observação da respiração, bem como durante a meditação a andar, quando devemos observar cuidadosamente o processo do andar,tanto em seus aspectos físicos quanto mentais.
Neste sentido, percebe-se que não se foge de si mesmo com a meditação budista, mas ocorre um mergulho em si mesmo com uma grande atenção aos processos que aí ocorrem. Ao encarar a si mesmo, a tese budista é que se percebe a ausência de substancialidade de si e do mundo e a natureza insatisfatória das coisas.
Percebe-se a dinâmica do sofrimento, e este reconhecimento torna possível a libertação do mesmo.


Nietzsche fala da existência de traços, do que chamou de espírito de rebanho.
As oportunidades de vida de rebanho são bastante reduzidas, pois há um controle formal do que se veste, se fala e de quando se fala, como acontece nos mosteiros.
É importante ressaltar que o estudo, a aprendizagem, se dá colectivamente e que a amizade ocupa um lugar fundamental dentro da prática budista.
A vida em comunidade é um auxílio para o desenvolvimento individual.


Acerca do papel do leigo.
Uma vez que leigos normalmente são chefes de família, eles não seguem o mesmo código de conduta dos monges. Esta dimensão de códigos de conduta pode ser enquadrada na crítica que Nietzsche faz ao forte traço de moralização comum a budismo e cristianismo.
É importante, entretanto, que se perceba a moralidade como parte da prática, não como a expressão de regras imutáveis ou imposições, mas como parte do treino gradual apresentado nos textos mais antigos.
Ao compararmos a ideia de preceitos ou treino, com a ideia de moralidade ocidental cristã, percebemos que existem diferenças. 
Em primeiro lugar note-se que do ponto de vista cristão há um ser supremo castigador e sancionador de regras imutáveis e que cobra a desobediência perante tais regras. 
No caso do budismo tudo se traduz na forma de uma dinâmica impessoal de acções e consequências numa sequência causal. A ideia é que o indivíduo adopte a moralidade como treino, e não como seguir padrões absolutos de comportamento. Espera-se, pois, que os resultados apareçam à medida que o treino se consolida.
Quedas não são vistas como efeitos de entidades maléficas, são o resultado das escolhas associadas ao karma de cada um e não há, pelo menos nos textos em páli, a ideia de uma graça que nos dá um empurrão em direcção à conformidade com a norma divina.

A conclusão que chegamos,  é de que não há, considerando os textos do cânone páli uma ênfase numa dependência da comunidade que possa se traduzir num espírito de rebanho conforme caracterizado por Nietzsche como o espírito alienado de si na vida em comum.
Basta lembrar que a vigilância como prática básica dentro do treino budista, tende a dificultar formas de perder-se ou alienar-se no fazer algo ou na vida da comunidade.



Nietzsche e Buda, pelo exposto parecem ser pensadores incomunicáveis cujas intuições mais fundamentais parecem completamente opostas. Ou a vida é sofrimento ou é vontade de potência cujo sentido é se afirmar, se expandir.
O erro do budismo para Nietzsche seria negar a vida, identificar a felicidade com o nada, a aniquilação ou nadificação do nibbana. 
Vimos que do ponto de vista canônico, nibbana não é algo simplesmente negativo, desde o primeiro sermão se apresenta como um ideal de felicidade e libertação do sofrimento.
O problema do sofrimento é o problema da impermanência.
Sofremos porque desejamos e tudo que desejamos sempre se acaba sem saciar o desejo. 
A prática que conduz ao fim do sofrimento é frequentemente apresentada em termos de um prazer de ordem mais elevada, o que não nega o prazer dito inferior, mas o coloca em perspectiva, apontando a maior possibilidade de consequências prejudiciais advindas dos mesmos, nomeadamente a busca renovada por aquilo que já provamos antes e não percebemos como insatisfatório.

Nossa conclusão final é, portanto, a de que o enquadramento nietzscheano, marcado por uma ênfase no carácter pessimista e niilista do budismo, não corresponde completamente ao que encontramos em textos budistas representativos e fundamentais para várias tradições diferentes.
Entendemos, além disso, que o contexto de comparação com o cristianismo de modo a equivaler estas tradições é imperfeito, pois as diferenças são muito grandes.
A ausência de um Deus criador e de uma entidade alma imutável muda muita coisa.
 

Se o ideal ascético produz pessoas  submetidas absolutamente ao jogo de poder sacerdotal, temos o Buda a recomendar constantemente:

“Portanto, Ānanda, sejam como ilhas para vocês mesmos. 
Sejam seu próprio refúgio. 
Não temos recurso a mais ninguém para refúgio. 
Segurem-se ao Dharma como a uma ilha. 
Segurem-se fortemente ao Dharma como refúgio.
Não busquem outro refúgio. 
Quem quer que, Ānanda, seja agora ou depois que eu tiver ido, 
for como ilhas para si mesmos, refúgios para si mesmos, 
não buscará refúgio externo – são esses,
Ānanda, entre meus discípulos que alcançaram o cume mais alto! 
Mas devem ser afeitos ao progresso”.   


Baseado na Revista Religare


Um colosso...não acham?????

As mulheres que hoje ainda se convertem ao cristianismo, ao budismo e ao islamismo são como os negros de hoje a quererem fazer parte dos klu klux klan - que ainda existem...
São as Escravas do Senhor...

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