quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Canção de Mim Mesmo 20
Quem vai ali? Cheio de realizações, tosco, místico, nu;
Como extraio energia da carne que como?
O que é um homem afinal? O que sou eu? O que és tu?
Tudo o que marco como sendo meu tu deves compensar com o que é teu.
De outro modo seria perda de tempo ouvir-me.
Não lanço a lamúria da minha lamúria pelo mundo inteiro,
De que os meses são vazios e o chão é lamaçal e lixo.
Choradeira e servilismo são encontrados junto com os remédios para inválidos, a conformidade polariza-se no ordinário mais remoto.
Uso o meu chapéu como bem entender dentro ou fora de casa.
Por que eu deveria rezar? Por que deveria venerar e ser cerimonioso?
Tendo inquirido todas as camadas, analisado as minúcias, consultado os doutores e calculado com perícia,
Não encontro gordura mais doce do que aquela que se prende aos meus próprios ossos.
Em todas as pessoas vejo-me a mim mesmo, em nenhuma vejo mais do que eu sou, ou um grão de cevada a menos.
E o bem e o mal que falo de mim mesmo, eu falo delas.
Sei que sou sólido e sadio.
Para mim os objectos convergentes do universo fluem perpétuamente,
Todos são escritos para mim, e eu devo entender o que a escrita significa.
Sei que sou imortal,
Sei que a órbita do meu eu não pode ser varrida pelo compasso de um carpinteiro,
Sei que não passarei como os círculos luminosos que as crianças fazem à noite, com paus em brasa.
Sei que sou augusto.
Não perturbo o meu próprio espírito para que se defenda ou seja compreendido,
Vejo que as leis elementares nunca pedem desculpas,
(Reconheço que me comporto com um orgulho tão alto quanto o do nível com que assento a minha casa, afinal).
Existo como sou, isso me basta,
Se ninguém mais no mundo está ciente, fico satisfeito.
E se cada um e todos estiverem cientes, satisfeito fico.
Um mundo está ciente e esse é incomparavelmente o maior de todos para mim, e esse mundo sou eu mesmo,
E se venho para o que é meu, ainda hoje ou dentro de dez mil anos, ou dez milhões de anos,
Posso alegremente recebê-lo agora, ou esperá-lo com alegria igual.
Meus pés estão espigados e encaixados no granito,
Rio-me daquilo que chamas de dissolução,
E conheço a amplitude do tempo.
Walt Whitman
in, Song of Myself
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