sexta-feira, 21 de julho de 2017

..................................... uma lucidez vazia






Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa.
Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço.
Quero possuir os átomos do tempo.
E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a actualidade me escapa, a actualidade sou eu sempre no já.

Só no acto do amor — pela límpida abstracção de estrela do que se sente — capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes — e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objectivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante.
E no instante está o é dele mesmo.

Quero captar o meu é.
E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro.
E meu canto é de ninguém.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.


Clarice Lispector


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