domingo, 16 de julho de 2017

Interseccionalidade





Hoje, em conversa com um homem de 92 anos, disse-me que era feminista interseccional. 
Já tinha lido sobre o assunto, há algum tempo, mas com a minha memória de Dory, só me lembrava que tinha a ver com a opressão, não apenas de género mas de tudo.

Mas, um homem de 92 anos dizer que é feminista interseccional...foi uma conversa bem interessante.

Disse-me que os homens da geração dele, que foram para as Grandes Guerras, não eram tão liberais como os de hoje, mas que havia muitos, como foi o caso dele, que não eram machistas e faziam "arranjos"( como lhes chamou) com as mulheres, em que durante a sua ausência, ambos podiam ter relações sexuais com outras pessoas. E assim não traíam nem se enganavam um ao outro, nem viviam oprimidos.
Achei o máximo.
Um homem com esta idade, e com esta experiência de vida.


Então decidi aprofundar o assunto...
Interseccionalidade:

"Interseccionalidade (ou teoria interseccional) é o estudo da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação. A teoria sugere e procura examinar como diferentes categorias biológicas, sociais e culturais, tais como género, raça, classe, capacidade, orientação sexual, religião, casta, idade e outros eixos de identidade interagem em níveis múltiplos e muitas vezes simultâneos. Este quadro pode ser usado para entender como a injustiça e a desigualdade social sistémica ocorrem numa base multidimensional.
A interseccionalidade sustenta que os conceitos clássicos de opressão dentro da sociedade — tais como o racismo, o sexismo, o classismo, capacitismo, bifobia, homofobia e a transfobia e intolerâncias baseadas em crenças — não age independentemente uns dos outros mas que essas formas de opressão se inter-relacionam, criando um sistema de opressão que reflete o "cruzamento" de múltiplas formas de discriminação.

A interseccionalidade é um paradigma importante no conhecimento académico e contextos mais amplos, como o trabalho de justiça social ou demografia, mas as dificuldades surgem devido às muitas complexidades envolvidas no processo das "conceituações multidimensionais" que explicam a maneira em que as categorias socialmente construídas de diferenciação interagem para criar uma hierarquia social.
Por exemplo, a interseccionalidade sustenta que não há experiência singular de uma identidade. Ao invés de compreender a saúde do Ser Humano apenas pelo prisma do género, é necessário considerar outras categorias sociais como classe, habilidade, nação ou raça, para ter uma compreensão mais completa da gama de preocupações com a sua saúde.

A teoria da interseccionalidade também sugere que formas e manifestações de opressão aparentemente discretas são moldadas por uma outra (mutuamente co-constitutiva). Assim, para compreender plenamente a racialização dos grupos oprimidos, deve-se investigar as maneiras pelas quais a racialização se estrutura, seus processos e representações sociais (ou ideias que pretendem representar grupos e membros do grupo na sociedade) são moldadas por género, classe, sexualidade, etc.
A teoria começou como uma exploração da opressão das mulheres negras dentro da sociedade, e hoje a análise é potencialmente aplicada a todas as categorias (incluindo status geralmente vistos como dominantes quando vistos como estados independentes)."


in,  "Mulheres, Linguagem e Poder"




"O conceito de interseccionalidade surgiu a partir de círculos sociológicos no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 em conjunto com o movimento feminista multirracial.
Surgiu como uma crítica ao feminismo radical das feministas heterossexuais da década de 60, que defendia que o  género era o principal fator determinante no destino de uma mulher.
O movimento liderado por mulheres negras contestou a ideia de que as mulheres eram uma categoria homogénea que essencialmente compartilhavam as mesmas experiências de vida. Este argumento foi a constatação de que as mulheres brancas da classe média não serviam como uma representação precisa do movimento feminista como um todo.
Reconheceu que as formas de opressão vividas por mulheres brancas de classe média eram diferentes das que eram experimentadas pelas negras, as mulheres pobres, ou com deficiência...procuraram compreender as maneiras em que género, raça e classe combinados determinam o destino do feminino.
Foi um tomar consciência de que as suas vidas - e suas formas de resistência à opressão - eram profundamente moldadas pelas influências simultâneas de raça, classe, género e sexualidade."


Leslie McCall





Ava Vidal diz que:
"Nem toda a feminista é branca, classe média, cisgénera e sem deficiências."

"Intersecionalidade é um termo cunhado pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw em 1989. O conceito já existia, mas ela deu-lhe o nome.
A definição segundo seu livro é:

A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, género, classe, capacidades físicas/mentais e etnia.

Em outras palavras, certos grupos de mulheres têm que lidar com múltiplas facetas na vida, que possuem diferentes camadas. Não há um tipo de feminismo tamanho único. Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida quotidiana.

Mesmo com o conceito de intersecionalidade rondando o femininsmo há décadas, parece que ele só foi incluído no debate maioritário no ano passado ou alguns anos atrás. E, ainda assim, muitas pessoas estão confusas com o seu significado ou o que ele representa.

Não ajuda em nada que, nos últimos meses, as mensagens difundidas sobre o feminismo intersecional tenham sido um pouco confusas. No último programa “Hora da Mulher de 2013” da BBC Radio 4, a feminista negra Reni Eddo-Lodge foi convidada para debater como foi o ano do feminismo. Ela começou a falar sobre intersecionalidade e racismo estrutural, mas foi seguida por Caroline Criado Perez, que escolheu aquele momento para falar sobre insultos que ela havia recebido na internet vindos de pessoas que a atacaram sob o pretexto, segundo ela afirmou, da intersecionalidade.

Eu preciso avisar que Eddo-Lodge não foi responsável por nenhum dos insultos que ela recebeu, mas a conversa descarrilou e a oportunidade que ela teve de falar sobre o assunto para uma grande audiência, num programa popular de rádio, foi perdida.

Caroline Criado Perez, posteriormente, se desculpou.

Independentemente disso, o que realmente importa aqui é: as pessoas estão interessadas em saber o que é intersecionalidade e como isso as afeta? Estou ansiosa para redirecionar essa conversa de volta ao tema da intersecionalidade no feminismo e o que isso realmente significa.

Para mim, o conceito é muito simples. Como feminista negra, eu não desculpo Chris Brown por agredir fisicamente sua (então) namorada Rihanna, mas sou contra que alguém o descreva como um ‘preto s****o’ , do mesmo modo que uma mulher branca fez comigo. Isso não significa que eu apoio a violência doméstica, como ela, então, me acusou de fazer. Isso significa que eu, como a maioria das mulheres negras, não suporto o racismo.

A principal coisa que a ‘intersecionalidade’ está a tentar fazer, eu diria, é evidenciar que o feminismo, que é excessivamente branco, classe média, cisgénero e capacitista, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas facetas e camadas presentes nas suas vidas.

Roqayah Chamseddine é uma feminista e escritora que explica isso melhor, dizendo:
“O feminismo branco é extremamente reticente e se recusa a reconhecer os obstáculos que as mulheres não-brancas enfrentam sistematicamente, já que elas não são visíveis. Nossas vozes precisam ser ampliadas porque o feminismo branco nos trata como um troféu e usurpa as nossas vozes.”

Então, até que o movimento feminista maioritário comece a ouvir os diferentes grupos de mulheres dentro dele, ele vai continuar a estagnar e não será capaz de seguir em frente. O único resultado disso é que o movimento torna-se fragmentado e continuará a ser menos eficaz.


Racismo no feminismo

Sempre que o tema do racismo é levantado no feminismo, não é diferente de quando esse tema é proposto em qualquer outro espaço de debate. Os discursos banais habituais são usados ​​e a acusação de “dividir o movimento” é muitas vezes atirada ​​ao redor.

A frase “verifique seus privilégios” que geralmente acompanha muitas discussões sobre intersecionalidade, é um exemplo. No Twitter, no início de janeiro, houve uma hashtag iniciada por uma feminista branca: #ReivindicandoIntersecionalidadeEm2014; que levou muitas feministas negras a questionarem como ela pretendia recuperar algo que nunca tinha sido dela em primeiro lugar.

Mas isso prova que o conceito realmente tornou-se popular, agora que há o risco de ser apropriado.

Há a crença equivocada de que o único “privilégio” que você pode ter se refere à cor da pele. Este não é o caso. Você pode ser privilegiado por causa de sua classe social, formação educacional, religiosa, ou pelo fato de que você tem capacidades mentais e físicas ou é cisgénero. Um monte de mulheres negras podem e têm privilégios também.

Um usuário do Twitter disse:
“O fato de que um importante conceito feminista foi empurrado para dentro das discussões maioritárias irrita as feministas brancas que se recusam a reconhecer que elas se beneficiam de um sistema patriarcal, supremacista, heteronormativo e branco.”

Veja esta citação da famosa feminista negra Alice Walker, que disse:
“Parte do problema com as feministas ocidentais, eu acho, é que elas se comparam com seus irmãos e seus pais. E isso é um problema real.”

Eu lembro-me de uma discussão que tive com uma senhora muçulmana que me disse: 
“Eu odeio o feminismo. Não há necessidade para isso existir e eu não quero ter que carregar caixas pesadas só porque vocês, mulheres, querem lutar para serem iguais aos homens.”

O quê?!
Eu tive que enumerar algumas coisas para ela.
Primeiro de tudo, o feminismo não é sobre ter o direito de carregar caixas pesadas. E, como uma mulher negra que mede 1,80m de altura, posso assegurar-lhe que ser vista como fraca fisicamente não foi um problema que eu tive que enfrentar na minha vida adulta. Na verdade, nas poucas ocasiões em que pedi ajuda a homens por causa de um objeto pesado, eles riram de mim e disseram coisas como: “Vamos lá, amor! Não finja que você não consegue lidar com isso. Uma moça robusta como você!”

Enquanto conversávamos, ficou evidente que o problema dela era com o feminismo maioritário. Ou seja, o feminismo que é esmagadoramente branco, classe média, cisgénero e capacitista. Quando vozes são marginalizadas dentro de um movimento, até o ponto em que há mulheres que nem sequer pensam que o feminismo é para elas, o único resultado disso é que o movimento está enfraquecido e cada vez menos eficaz.
Por exemplo, tenho ouvido as feministas tradicionais que estão a tentar proibir o véu apesar da resistência de mulheres muçulmanas, afirmam que elas não sabem o se passa nas suas próprias mentes, e querer usar o véu é o resultado óbvio dessa doutrinação.

Então, o que podemos aprender com tudo isso?
Como vimos, em discussões acaloradas numa rádio no final do ano passado, é fácil nos atolarmos em palavras e em discussões no estilo ele-disse-ela-disse, o que isso significa e o que aquilo significa.

Intersecionalidade ainda é um termo relativamente novo para as massas — mas, sua mensagem é algo com o qual certamente qualquer feminista pode estabelecer uma relação ao começar a ouvir e incluir diferentes grupos de mulheres, suas múltiplas facetas e experiências de vida nos debates em geral e respeitá-las."



Ava Vidal




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