quarta-feira, 14 de outubro de 2015

NORMOSE, a patologia silenciosa



NORMOSE, a patologia silenciosa:
A história de como o psicólogo Pierre Weil se curou dela, 
por ele mesmo.

Alguns já estão familiarizados com o conceito de “normose” e também com o trabalho do educador e psicólogo francês Pierre Weil (1924-2008), Doutor em Psicologia pela Universidade de Paris e autor de “A Neurose do Paraíso Perdido”, “Antologia do Êxtase” e “As Fronteiras da Evolução e da Morte”, mas talvez alguns ainda não estejam com a história pessoal que levou Pierre a se perceber um normótico em si mesmo e, a partir daí, a tomar um rumo diferente e a trabalhar profissionalmente, como psicólogo e palestrante, esse novo conceito.

No texto abaixo, Pierre conta parte dessa história, fala de como saiu de uma infelicidade pessoal, de uma separação e de um câncer para o Tibete, para o ioga e para a fundação da UNIPAZ, a conhecida universidade da Paz fundada em Brasília em 1987.

Um dos problemas das correntes da normose é que elas são inconscientes e silenciosas.
Mas, como Pierre afirma no texto abaixo, de subtis e fracas elas não tem nada: a normose é “um processo psicossociológico que ameaça a humanidade e as outras espécies vivas no planeta Terra, uma verdadeira fonte de sofrimentos e de tragédias, das mais diversas proporções”.


“A normose pode ser considerada como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela maioria de pessoas de uma determinada sociedade, que levam a sofrimentos, doenças e mortes. 
Em outras palavras: que são patogénicas ou letais, executadas sem que os seus autores e actores tenham consciência da natureza patológica.”

~ Pierre Weil


“NORMOSE” [TRECHOS]

Por Pierre Weil

“(…) A maneira mais simples de fazê-los entender do que se trata será contando um pouco do que se passou comigo há algumas décadas. Isso nos levará, ao mesmo tempo, aos aspectos pessoais e sociais que levaram à criação do conceito de normose. Lembro-me da crise existencial pela qual passei aos trinta e três anos de idade. Com o conhecimento que tenho hoje, identifico-a como consequência de uma normose. Foi, tipicamente, a crise de um normótico que ainda não sabia nada a respeito da normose. Fazia prosa sem o saber, como diz um jargão popular.

Por que afirmo que eu era normótico? 
Minha crise ocorreu por eu ter procurado ser normal, de ter realizado o que uma sociedade recomendava e recomenda até hoje sobre o que é ser um homem bem-sucedido. A sociedade, por meio dos meus pais, moldara um ser humano bem-sucedido aos trinta e três anos.
Um homem de sucesso porque eu tinha tudo: tinha a minha residência, tinha a minha casa de campo, tinha a minha piscina, tinha meu cargo na universidade, tinha o meu cargo junto ao presidente do maior banco da América Latina, tinha o meu consultório, tinha o meu livro best-seller, tinha entrevista na televisão, tinha, tinha, tinha, tinha…
E minha normose era, justamente, ter. 
Havia introjectado toda uma civilização do ter.
Eu tinha, tinha tudo e estava muito infeliz, não era um homem realizado. Conformado a este contexto, eu acabei tornando-me normótico.

Por quê? 
Porque eu segui a norma que me levou à patologia: a patologia moral – era profundamente infeliz; a patologia social – me divorciei porque, quando se está infeliz, culpam-se os outros; e uma patologia orgânica – a separação me levou a fazer um câncer. 

Então, já temos o conceito da normose:
é o conjunto de hábitos considerados normais e que, na realidade, são patogénicos e nos levam à infelicidade e à doença. Embora resumida, é a definição que eu tenho seguido até hoje, muito útil e clara. Para sair da normose, deitei no divã do psicanalista e resolvi aprender e praticar ioga.
Foi numa sessão de ioga que descobri a relatividade do conceito de normalidade.

Vou contar a história, pois é muito ilustrativa. Todas as quartas-feiras à noite nosso grupo se reunia e o professor nos fazia relaxar, com música, e meditar. Depois, cada um relatava a sua experiência.
Um dizia: eu vi um ser.
Outro: eu vi cores.
Outro ainda dizia: eu vi formas.
Um mais: eu tive uma inspiração maravilhosa.
E, quando chegou minha vez, eu disse: gente! Eu estou tapado. Eu não estou vendo nada!
Isso transcorreu durante um ano.

Foi aí que comecei a observar a relatividade do conceito de normalidade: nesse grupo, todo mundo tinha visões e eu não. Então, o grupo era normal e eu era anormal. Lá fora, nos dois milhões de habitantes de Belo Horizonte, quase ninguém tinha visões. Então, eu era normal e o grupo era anormal. Foi quando comecei a cogitar sobre a relatividade do conceito de normalidade.

A fantasia da separatividade

O estudo da ioga me levou ao hinduísmo, ao budismo e ao conceito de maia.
Constatei que essa nossa maneira de ver as coisas é uma fantasia. Mais tarde, eu a denominei de fantasia da separatividade.

Quando criamos a Universidade Holística, ao fazer o estudo da gênese da destruição da vida no planeta, descobrimos que sua raiz está em que consideramos a ilusão como normal. É um conceito provido de consenso social, que pode levar ao suicídio da humanidade. A isso se acrescentou, então, a noção de consenso: uma crença partilhada por uma maioria.

Os estudos de ioga me levaram a fazer um retiro com lamas tibetanos.

Fui para esse retiro especialmente para entender por que os tibetanos insistiam Maia: termo sânscrito, que significa ilusão, em seu sentido mais geral. tanto no caráter do sonho em nossa vida cotidiana. Ou seja, a semelhança entre o estado de consciência de vigília e o onírico. E lá eu aprendi, por mim mesmo, por meio do sonho lúcido, que a nossa vida quotidiana é como se fosse um sonho. Não tem muita diferença não. E todos acreditam nesse sonho. Voltamos à noção de normose e de consenso.

Um dia, em 1986, ao sair do retiro tibetano, Jean-Yves Leloup me convidou para um simpósio sobre a normalidade, no Centro Internacional de Saint-Baume. O local era um tipo de universidade holística, com um ambiente como o da Unipaz, que ele dirigia, no sul da França. Lá se encontrava e podia ser visitada a gruta onde Maria Madalena se refugiou depois da passagem de Jesus. E lá, a seu pedido, proferi uma palestra sobre as anomalias da normalidade.

Então, surgiu a ideia de que a normalidade podia ser patológica e patogênica. Todo o seminário versou sobre a definição do que é normal, tarefa nada fácil.
O que é normal, afinal?
De qualquer forma, a criação do conceito de normose nos força a buscar definir o que não o é.

Um conceito que me trabalhou

Fiz uma experiência em que procurei colecionar todas as atribuições que se costuma fazer às pessoas julgadas anormais.
Por exemplo: você é um idiota; você é um irresponsável; você é maligno, etc.
Fiz uma colecção de umas trinta ou quarenta epítetos. Em seguida, traduzi-os ao seu contrário, pensando que, talvez dessa forma, poderia definir o que é normal. Para surpresa minha, saiu uma lista do que é um santo. Por esse procedimento empírico, um ser normal seria um santo. Será? Deixo a ideia para reflexão.

Depois disso, o conceito de normose ficou me trabalhando porque um conceito novo nos trabalha.
De vez em quando, eu o usava nas palestras.
Notei que, a cada vez que pronunciava a palavra normose, as pessoas riam muito.
Percebi, então, que a reflexão estava mexendo com alguma coisa fundamental.
Inquietava as pessoas.
Pouco a pouco me dei conta, entretanto, que esse é um conceito fundamental em psicologia, em sociologia, em antropologia, em educação e nas demais disciplinas e áreas de actuação humana.
Mais ainda: evidencia um processo psicossociológico que ameaça a humanidade e as outras espécies vivas no planeta Terra. Uma verdadeira fonte de sofrimentos e de tragédias, das mais diversas proporções. Foi quando realizei uma primeira classificação das normoses. E continuo descobrindo outras em minhas reflexões quotidianas.

(…)

A característica comum a todas as formas de normoses é seu caráter automático e inconsciente. Podemos falar, no caso, do espírito de rebanho. A maior parte dos seres humanos, talvez por preguiça e comodidade, segue o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à crítica. Por comodismo, as pessoas seguem ou repetem o que dizem os jornais; já que está impresso, deve estar certo! Quantas pessoas aderem a uma ideologia, religião ou partido político só porque está na moda ou para ser bem vistas pelos demais?

Uma maneira disfarçada de manipular as opiniões e mudar os sistemas de valores é anunciar que são adotados pela maioria da população.
Nesse sentido, toda normose é uma forma de alienação. Facilita a instalação de regimes totalitários ou sistemas de dominação.

(…)

A tomada de consciência da normose e de suas causas constitui a verdadeira terapia para a crise contemporânea.”


“Eu descobri aos poucos que quando a gente faz essas perguntas do sentido, vem as respostas. E as perguntas são: o que eu é que eu tô fazendo aqui?, eu tenho alguma missão nessa Terra?, essa vida tem sentido?, e eu como eu não sabia se ia viver ou não, e o que é que tem depois da morte?, e as poucos ficou claro que se não tem nada, essa existência não tem sentido. (…) E quando a gente faz essas perguntas doídas do fundo do coração, vem respostas. E vem respostas de várias maneiras, mas uma maneira é comum aos mutantes. (…) Começa a surgir acasos. Primeiro, as respostas às suas perguntas vem por acaso. E os acasos vão se multiplicando. E se multiplicam a tal ponto que acaso multiplicado por acaso não pode ser mais acaso”.


~ Pierre Weil (1924-2008)




Abaixo, uma palestra de 38min, disposta em 4 vídeos de aproximadamente 10 minutos cada, proferida pelo educador e psicólogo francês, e ex-reitor da Unipaz, Pierre Weil (1924-2008), sobre ricos temas da vida e as respostas essenciais para a existência.
Entre eles, a sincronicidade de Carl G. Jung, a espiritualidade transreligiosa que une filósofos, ateus e buscadores independentes em volta de descobertas semelhantes sobre a vida, a humanidade mutante, que segundo Weil inicia-se na infância com a percepção da falta de transmissão de conhecimento superior, e outros assuntos fundamentais de auto-conhecimento.

Weil fala também de “emaho“, a palavra tibetana que significa “maravilhamento” e é usada para denotar o constante e crescente realização das maravilhas da vida.

Deixo aqui a palestra na íntegra em português:


                                                         
                                                         
                                                           
                                                     


in, Dharmalog

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