segunda-feira, 30 de março de 2015

A minha arte é ser eu.



"Quanto mais aprofundamos, com a vida, a própria sensibilidade, mais ironicamente nos conhecemos.
Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço o meu destino banal.
Aos 20 anos aspirava aos Principados do Oriente; hoje contentar-me-ia, sem pormenores nem perguntas, com um fim da vida tranquilo aqui nos subúrbios, dono de uma tabacaria vagarosa.

O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela.
Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala.
Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter.
(...) O ridículo é o couce da inteligência; há muito que da inteligência não possuo senão o couce.

Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou.
De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista de mais para a pensar em fazer; pensar em faze-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado.

A minha arte é ser eu.
Eu sou muitos.
Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.
Muitos crêem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixa-los continuar nessa crença.
Perante um que me julgue um mero crítico, eu só falo crítica.
A princípio fazia isto espontaneamente.
Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos,(…).

Fernando Pessoa
in, Inéditos

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