sábado, 1 de julho de 2017
EA LIVE Sessions + Alexander Search "Far Away"
"Far Away" gravada ao vivo no Palácio Sinel de Cordes para as EA LIVE Sessions e para o mundo.
Os Alexander Search são:
Benjamin Cymbra (Salvador Sobral) – Voz
Augustus Search (Júlio Resende) – Teclados e piano
Sgt. William Byng (André Nascimento) - Electronics
Mr. Tagus (Joel Silva) – Percussão
Marvell K. (Daniel Neto) – Guitarra Eléctrica
Sessão completa (com entrevista) no ar dia 6 de Julho
http://ealive.com.pt/
Uma surpresa maior no baú de Fernando Pessoa
Texto: NUNO GALOPIM
A partir dos poemas de juventude de Fernando Pessoa, o pianista Júlio Resende concretizou um sonho de juventude e criou a sua banda pop/rock…
Chamam-se Alexander Search, têm Salvador Sobral como vocalista, embora na verdade todos os músicos vistam ali a pele de personagens.
Este é um disco com canções e também histórias lá por dentro… Mergulhando no plano da ficção (e podemos encarar Alexander Search como uma obra de ficção, tal como um filme), o “era uma vez” conta-nos a história de uma banda com raízes na África do Sul e com canções em língua inglesa. O autor das canções chamava-se, precisamente, Alexander Search… O passado não é um acaso no tempo verbal da frase anterior porque ele não está mais entre nós. Tendo morrido jovem, Alexander Search conhece uma segunda vida através do esforço de admiradores seus que, através de uma banda pop/rock eletrónica com o seu nome, dão agora corpo e voz às suas canções… A sinopse podia ser assim, mais coisa menos coisa… Mas, e retomando as metáforas cinematográficas, se olharmos para o elenco podemos começar a partir do mundo da ficção para a dimensão real que a criou. Cada um dos elementos da banda responde pelo nome de uma personagem… Mas vale a pena saber quem de facto são. Pelo que aqui vai: Benjamin Cymbra, o vocalista, é na verdade Salvador Sobral; Augustus Search é Júlio Resende, nos teclados e piano; Sgt. William Byng é André Nascimento, nas eletrónicas; Mr. Tagus, o baterista, é Joel Silva, bateria e Marvell K., na guitarra elétrica, é Daniel Neto… E se a trama e o elenco já são de deixar qualquer um entusiasmado, e se pelo caminho já perceberam (pelo menos os Pessoanos) que estamos em terreno literário que tem tudo a ver com um grande poeta português, agora nada como mergulhar no disco para descobrir ali um dos acontecimentos do ano.
A ideia surgiu há cerca de dois anos quando o pianista Júlio Resende comprou um livro com a poesia em língua inglesa de Fernando Pessoa. Eram poemas de juventude, com uma rebeldia muito particular, e escritos numa etapa em que (tal como as figuras da história de ficção que aqui se conta) viveu na África do Sul. O encontro com as palavras do jovem Pessoa levou o pianista a encarar um sonho de adolescência até aqui não concretizado: o de formar uma banda rock. E com este “argumento” em mãos criou a banda que, depois de muito pontuais discretas apresentações nos últimos meses, finalmente agora revela o disco ao qual chama, simplesmente, Alexander Search.
Convém lembrar que o universo pop/rock não era de todo alienígena à obra jazzística de Júlio Resende, tanto que a música de nomes como os Pink Floyd ou Radiohead já tinham passado pelos seus dedos (e os diálogos entre a instrumentação elétrica, acústica e eletrónica destes últimos navegam entre as boas referências que definem o som do novo disco). Nos Alexander Search alargam-se os horizontes da experimentação a patamares que estão em sintonia com várias tonalidades e registos habituais em terreno pop/rock, porém sem bater à porta do menu dos sabores do mês. Há um sentido de ensaio e busca que parte das palavras, define formas no piano e depois ganha cor num trabalho notável de arranjos (dos melhores das eletrónicas ao serviço de canções na produção pop/rock nacional) e também na interpretação. E aqui, entre as capacidades raras da voz de Salvador… perdão, Benjamin Cymbra, encontra-se o elemento dramático que sublinha o que há de deliciosamente frágil em toda esta construção que serve, com aquele sentido de desafio que o fulgor da poesia já por si sugeria, a caracterização da(s) personagem(s) que está(ão) no começo de toda esta aventura.
Alexander Search (que merecia uma edição em LP em vinil) coloca-nos perante uma incrível coleção de canções, que vão das subtilezas do lirismo de A Day of Sun ou Regret à pujança elétrica de Far Away (um hino gourmet para a saison festivaleira), ao labor das filigranas de sons com sabores a outras geografias que se sugerem em To A Moralist… O ciclo é construído com princípio meio e fim, tudo por esta ordem, resolvendo-se narrativamente em Why Did You Fall?/If Only You Tell Me All (ao jeito de coda que pisca o olho a quem esteve atento), surgindo já depois de tudo, e como encore, Solomon Waste, de intensidade punk.
A ideia de levar músicos a desafiar os seus “terrenos habituais” – e isto não tem nada a ver com zonas de segurança – coloca potenciais criativos enormes pela sua frente. Philip Glass fez um dos melhores discos pop dos oitentas em Songs From Liquid Days. Owen Pallett criou um dos melhores “ciclos” de canções contemporâneas em Hee Poos Clouds. Nina Simone deu à soul music uma das suas maiores pérolas em High Pristress of Soul. O compositor Nico Mulhy acaba de se juntar a Sufjan Stevens e outros mais músicos para criar em Planetarium um ciclo que transcende as formas e os géneros. E os The Knife criaram em Tomorrow In a Year uma das peças de referência da ópera do século XXI… Alexander Search pode juntar-se a esta lista, como exemplo de diálogo fértil entre vivências no jazz e as formas da canção pop/rock, com o valor acrescentado da dimensão poética que chega através de memórias da juventude de Fernando Pessoa… Música sem muros. Cheia de heranças. Mas com um ímpeto de aventura e prazer como poucas vezes acaba sob um alinhamento tão sólido e feliz.
Um dos discos do ano!
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