O amor com desapego
não é sem interesse,
é sem interesses.
Entender o desapego no amor ou integrar o amor no desapego, são o caminho para elevá-lo.
Ambos são essenciais, íntimos e complementares.
Cuida sem ser interesseiro, dá suporte sem agarrar, oferece sem apegar.
Como um pássaro que cuidamos sem enjaular, o relacionamento assim nutrido é um de entendimento com mútuo sentimento, no consentimento de ambos. Um amor que é elevado por ser louvado, nutrido pela adoração e que se honra pelo reconhecimento da benção de cada um, em si.
Os laços são ternos e soltos, vêm do entendimento, a confiança, o respeito e de uma profunda vontade do melhor em ambos.
Dão as mãos para se apoiarem, entrelaçam dedos para se sentirem, porém jamais se apegam.
Dançam como duas folhas ao vento, sempre juntas enquanto conjuntas são as suas direções.
Depois temos o relacionamento nutrido pela dependência, a necessidade em apegos.
Que apoia com interesses e que se vai dando como investimentos, numa troca em função das necessidades.
Também este será amor, porém ainda muito aquém, condicionado pelas restrições, o peso dos seus apegos e receios.
Diz coisas como “Sem ti não consigo viver”, “preciso de ti como ar para respirar”, “sofro muito porque gosto muito de ti”.E é verdadeiro o sentimento, é um verdadeiro gostar. Porém como amor é uma expressão ainda muito fechada sobre o próprio. Tão contida e apegada como uma semente que ainda não desabrochou para ser árvore.
Esta semente é “preciosa” porém só será manifestamente grande ao abrir-se pela via do desapego. Até lá será sempre áquem, uma semente que nunca desabrocha.
A perda deste doce gosto gera amargo, desgosto, mágoa, sofrimento, rancor, ódio, rebelião e a contração do si. Tende a criar uma depressão no próprio num movimento de autocomiseração. O “Gosto” é o amor com apego, a uma semente preciosa num cantinho, preservada pelo medo e chorada pela sua beleza.
Desabrochando pelo desapego do amor à forma, o crescimento e profundidade deste é sem fim. Profundamente transformador e regenerador como uma árvore que ascende lenta e sucessivamente. Um amor assim terno é eterno, nunca se perde.
Muda de forma, transforma-se por frutos ou outras árvores. Cortado aquece o fogo, cria um barco, uma cadeira, um lápis. Deixa sempre uma longa história em cada anel da sua árvore. E muito para lá do desaparecimento da forma que o continha, esta árvore, continua a propagar ecos do seu amor e a dar suporte muito para lá da vida que o manifestava. A perda da forma deste amor, gera saudade, profundidade, compaixão, aceitação e expansão do si. Tende a criar uma anulação do próprio num movimento de compaixão.
O “Amor” é o amor com desapego, a uma árvore que segue num caminho, impulsionada pelo sonho e chorada pela sua beleza colateral.
O amor mais elevado é um pássaro azul, tanto poisa quanto voa, livre como um passarinho.
O que o faz regressar é o amor e o voar também.
Enquanto o gosto protege o que é de si, o amor liberta o que de si é. Tendo gosto apegamos e sendo amor desapegamos. Quando entendemos e aceitamos verdadeiramente esta natureza, o amor torna-se profundo e abrimos mão pela via do desapego. Nesse momento a semente gerada pelo apego ganha espaço a crescer como uma árvore. O amor profundo é um desapego à forma, e é graças a esse passo que cresce para sempre num movimento que é terno e eterno.
Este movimento é presente em toda a natureza.
O gosto gera as sementes mas é o amor que as transforma.
O gosto tem como dimensão o tempo contando os feitos, as partilhas e adicionando clamações e reclamações no tempo “és meu”, “sou tua”, “tu mudaste”, “estás igual”, “dei-te isto”.
O amor tem como dimensão o espaço, permeando-o por completo, pelo tempo, com gosto e adicionando silêncios…
Vasco Daniel
in, Alquimia
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