Os projectos entretêm.
Construí uma casa onde pudesse morrer, casei convencida de que era a última vez.
Acreditei nisto como acredito na minha mão direita.
Já não tenho a casa nem a última vez, e a todo o momento - é verdade - posso perder a mão direita.
Quando digo «amo-te» não amo ainda a pessoa, mas a possibilidade que oferece.
Nem todos entenderam isto.
Quando deixo de dizer, não é por deixar de amar, mas porque a ideia de morrer ao lado de alguém, que é um belo argumento, morreu também.
O amor é o mais fácil, somos capazes de amar tudo: uma pessoa, uma casa, um vestido, um banho de praia, um pato com laranja. O difícil é encontrar uma hipótese tão boa que confirme a expectativa e desminta a descrença.
O sexo, em si, também é monótono.
São três ou quatro as coisas que se fazem na cama.
Tem algum drama, reconheço, quando a intimidade não é imediata, e pede inteligência, imaginação, perversão; mas quando cumpre é como beber água. Um cálice de esquecimento para um recomeço intacto, depois de um banho. Penso que habilita e reabilita, que fortalece. Todavia, não prevalece. Sei do que falo. Quando invoco um amor antigo, nunca é essa a primeira memória que surge ou de que sinto a falta. Foi aquele gesto ou aquele dia, era aquele sorriso, aquele jeito de fumar ou de afastar a franja - passados uns anos, todas as recordações são metafísicas.
Com a distância também se aprende a estimar, mais do que as pessoas que amámos, as que nos amaram bem, e por isso há quem não me saia do coração.
Um dia, fui com ele até ao Algarve e dormi todo o tempo. No fim, reparei que a viagem demorara. Agreste, atirei:
- Tanto tempo, caramba! Vieste a pisar ovos?
- Foi para não te acordar.
Casei-me com ele.
A duração de um amor depende do que viemos aqui fazer.
Uns, querem ser felizes, outros, aprender.
Os primeiros raramente conseguem, desesperam.
Os segundos não se ralam com a infelicidade, desde que instrua.
O problema é quando a infelicidade nada traz.
Aconteceu-me algumas vezes e a resposta é uma.
Podemos partir para uma infelicidade maior, mas a expectativa de uma nova oportunidade devolve-nos a esperança. Ilusória ou não, ainda não se inventou melhor combustível.
Rita Ferro
in, Veneza Pode Esperar
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