Raphael Guarino
Tenho saudades tuas. Só o que está ligado se pode partir, é certo. Nós estávamos ligados, como todos os bons amantes. Só o que está ligado se pode partir, repito. Tenho saudades tuas. Tenho saudades nossas e de tudo o que era nosso. O mundo era nosso. O sol nascia, o sol punha-se, e nós estávamos juntos, cá dentro, onde tudo parecia certo, onde estávamos protegidos. Cá dentro, onde apenas existíamos eu e tu, nada poderia dar para o torto. Havia gargalhadas, beijos, declarações ingénuas de amor, havia filmes noite adentro, poemas recitados, olhares escondidos e mais tarde revelados, carícias e abraços intermináveis. Cá dentro estávamos seguros. Mas o mundo acontece, também, lá fora. Ninguém se pode esconder para sempre da vida. Há os refúgios, as escapadelas, as férias, mas a vida acaba sempre por nos encontrar. Acaba por nos acontecer e, se não estivermos preparados, acaba por nos atropelar a duzentos quilómetros por hora. Acho que foi isso que nos aconteceu. Nenhum de nós estava preparado para o mundo real, onde as coisas nem sempre são como queremos. Onde todas as excepções têm regras. Não estávamos preparados para nada disso. Distâncias abismais, pessoas aleatórias a aparecerem e a desaparecerem à nossa volta, medos, dúvidas, confusões. No fundo, problemas. Até ali eles sempre nos tinham passado ao lado, como se tivéssemos um campo de forças à nossa volta que os desviava. Até ali nada nos podia separar. Era para sempre, pensávamos nós na nossa ingenuidade. Era para sempre. Só que nunca é. Nada é para sempre. Tudo dura até um dia. Viemos do pó e ao pó voltaremos, sempre ouvi dizer. Neste momento é isso que nós somos: um resto que ficou desses dias. Fomos carne na mesma carne, músculo contra músculo, pele na mesma pele. Fomos inteiros, até um dia nos estilhaçarmos em mil. Hoje somos as memórias que guardamos desses dias, dessas gargalhadas, dessas carícias, desses poemas ditos ao desbarato. Hoje somos a saudade. Somos essa noção concreta do que um dia foi abstracto. Será para sempre, um dia pensei contigo. E será para sempre o momento do teu sorriso quando te dizia que te amava. Será para sempre a arritmia que sentia quando me sorrias embriagada de amor. Serás para sempre, até um dia. Serás para sempre enquanto te procurar no meu telemóvel, nas minhas roupas e por toda a parte. Serás para sempre enquanto acreditar. Serás para sempre nesta saudade
(pro)cura-me com a carne
Dos teus lábios junto
À carne dos meus
Cura-me do veneno
Que é não ter-te
Procura-me nas tuas
Memórias, como eu
Te procuro nas minhas
E dá-me a mão devagar
Como se o tempo parasse
E nada tivesse que
Mudar
Serás para sempre até ao dia em que estas palavras estiverem gastas. Porque passaste pela minha vida e, para o bem ou para o mal, acabaste por ficar presa em mim.
Repito-te: (pro)cura-me.
PEDRO RODRIGUES
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