sexta-feira, 7 de abril de 2017
....................................... estado de graça
Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer.
Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte.
O estado de graça de que falo não é usado para nada.
É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe.
Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo ...é tão, tão leve.
E uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe.
Apenas isto: sabe.
Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.
E há uma bem-aventurança física que a nada se compara.
O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.
No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa.
Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas.
Passa-se a sentir que tudo o que existe — pessoa ou coisa — respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia.
A verdade do mundo é impalpável.
Clarice Lispector
in, Crónicas no Jornal do Brasil (1968)
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