O acaso que faz as coisas acontecerem
Todas as palavras ditas sem pensar
E que são tomadas tal qual como ditas
Com o que ninguém ganha ou perde
Os sentimentos à deriva
E o esforço mais quotidiano
A recordação vaga dos sonhos
O futuro confrontado com o amanhã
As palavras encalacradas num inferno
De rodas usadas de linhas mortas
As coisas cinzentas e iguais
Os homens ao sabor do vento
Músculos aparentes esqueleto íntimo
O vapor do sentimento
Coração que rima com caixão
E as esperanças reduzidas a zero
E tu chegaste a tarde rompia a terra
E a terra e os homens mudaram de sentido
Eu dei comigo sintonizado como um íman
Ordenado como uma vinha
O nosso caminho tinha uma infinito o fito dos outros
As abelhas voavam prenhes do seu futuro mel
E eu multipliquei os meus desejos de claridade
Para compreender o que acontecia
Tu chegaste eu estava muito triste e disse sim
Foi a partir de ti que eu dei a minha anuência ao mundo
Rapariguinha eu amava-te como só um rapaz
Pode amar a sua infância
Com a força de um passado muito outros muito puro
Com o ardor de um cantiga sem destom algum
A pedra intacta e a corrente furtiva do sangue
A pulsar nos lábios e na garganta
A erva ténue imobilizava o voo das andorinhas
E o outono pesava no saco das trevas
Tu chegaste as margens libertavam o rio
Para o levar até ao mar
Tu chegaste mais altiva ao profundo da minha mágoa
Do que a árvore separada da floresta que não tem ar
E o uivo da dor o grito da dúvida quebraram-se
Perante a evidência do nosso amor
Aleluia a sombra e a vergonha vergaram-se ao sol
O peso aligeirou-se e fardo pôs-se a rir
Aleluia o subterrâneo fez-se píncaro
A miséria deu o fora e olvidou-se
O lugar da minha inércia onde me tornava estúpido
O corredor sem despertador o beco sem saída e o cansaço
Puseram-se a brilhar com chamas de bater palmas
E a eternidade estendeu no tempo o não ser tempo
Ó tu minha agitada e minha serena ideia
Meu silêncio sonoroso e meu secreto eco
Meu cego vidente e minha vista ultrapassada
Desde então só tive a tu presença
Paul Éluard
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