quarta-feira, 26 de abril de 2017

Adam Phillips





Hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. Como se o mundo pudesse existir sem essas coisas.

A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.

Hoje todos falam de sexo, mas ninguém diz nada interessante. É uma conversa estereotipada atrás da outra. Vemos exageros até com crianças, que aprendem danças sensuais e são expostas ao assunto muito cedo. Estamos cada vez mais infelizes e desesperados, com o estilo de vida que levamos.

Nos consultórios, qualquer tristeza é chamada de depressão.

Uma cultura obsecada com a felicidade deve estar realmente desesperada, não é? Senão, por que alguém se incomodaria com a coisa toda? Torna-se uma preocupação porque existe tanta infelicidade. A ideia de que reiterando bastante a palavra todos nós nos alegraremos é um disparate.

As fantasias tirânicas da nossa própria perfectibilidade estão à espreita nos nossos ideais mais simples, indicam Darwin e Freud, de modo que qualquer ideal se torna outra desculpa para a punição. Vidas dominadas por ideais impossíveis, honestidade completa, conhecimento absoluto, felicidade perfeita e amor eterno são experimentadas como um fracasso sem fim.

A sanidade envolve aprender a apreciar o conflito, e desistir de todos os mitos sobre harmonia, consistência e redenção.

A psicanálise darwinista envolveria ajudá-lo a adaptar-se, a encontrar o seu nicho e reproduzir-se. A psicanálise freudiana sugere que existe algo além e acima disso. São partes de nós - que não querem viver, que odeiam os nossos filhos, que desejam que fracassemos. Freud está a dizer que existe alguma coisa estranha em relação aos seres humanos: eles resistem em reconhecer o que supostamente é o projeto deles. Isso me parece bastante persuasivo.

As crianças entram na corrida pelo sucesso muito cedo e ficam sem tempo para sonhar. Há uma grande ansiedade da parte dos pais em relação ao futuro. Essa pressão está literalmente a enlouquecer muitas crianças. A decisão sobre a profissão está a acontecer cada vez mais cedo. No século XIV, se as pessoas fossem questionadas sobre o que queriam da vida, diriam que buscavam a salvação divina. Hoje a resposta é: “ser rico e famoso”. Existe uma espécie de culto que faz com que as pessoas não consigam perceber o que realmente querem da vida.

Os pais acham difícil dar limites aos filhos porque os pais não acreditam nos limites. É preciso acreditar neles para que funcionem. A cultura em que vivemos não facilita esse trabalho. Os pais criam os limites que a cultura não sanciona. Por exemplo: alguns pais tentam controlar a dieta dos filhos, dizendo que é mais saudável comer verduras do que salgados, enquanto as propagandas dão a mensagem diametralmente oposta. O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento sexual dos adolescentes. Muitos pais procuram argumentar que é necessário ter um comportamento responsável enquanto a mídia diz que não há limites. Os pais devem ter como objetivo garantir o futuro de seus filhos e, ao mesmo tempo, deixá-los mais à vontade, com mais tempo e espaço para serem menos focados, menos objetivos. Adiar as decisões sobre o futuro, dar tempo ao tempo. Não acredito num planeamento milimétrico para o futuro de uma criança, como se tudo pudesse ser programado.

Precisamos instruir as crianças a interpretar a cultura em que vivemos, ensiná-las a ser críticas, mostrar que as propagandas não são ordens e devem ser analisadas.

Uma coisa precisa ficar clara de uma vez por todas: embora reclamem, as crianças dependem do controle dos adultos. Quando não têm esse controle, sentem-se completamente poderosas, mas ao mesmo tempo perdidas. Hoje há muitos pais com medo dos próprios filhos.

Ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer. Os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço, acessível. Deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”. Todos precisam de um espaço para falar e refletir sobre sua vida.

O que se deve desejar não é a completa ausência de problemas, mas uma forma de lidar com eles - e isso inclui perceber outras ideias, às vezes esquecidas, como a de que não podemos ser felizes o tempo todo.

A sanidade não é intrinsecamente sem graça.
Mas também acho que precisamos deixar de lado a ideia de "equilíbrio".
Sanidade tem muito mais a ver com a capacidade de conter conflitos do que resolvê-los.

Christopher Lane, autor do livro "TIMIDEZ", diz que a indústria farmacêutica cria drogas para situações que não precisam de cura, como a timidez.
Conheço e concordo.
A indústria farmacêutica tem sido um escândalo.
Tem explorado as pessoas.
Suas soluções são totalmente falsas.
As pessoas deveriam ter muito cuidado com a cultura dos remédios como solução para as dificuldades de estar vivo.

Muito do hedonismo de hoje é uma forma de desespero, de desilusão.
Não precisamos de sete sabores de gelados, por exemplo.
Há algo nesse excesso que é uma forma de lidar com um sentimento de empobrecimento que na verdade muitos têm. 

Ser capaz de se atrever a encontrar maneiras de conviver e transformar a si próprio é ser capaz de reconhecer o fato de que - para dizer cruamente - não podemos ser felizes o tempo todo.
Qualquer um que esteja completamente desperto sabe que a vida é extremamente difícil.
Há uma frase em "Fim de Partida", de Samuel Beckett:
"Você está na Terra; não há cura para isso".

As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque, o modo como estão a lembrar não as liberta para esquecer. 

O capitalismo trivializou a paixão, fez com que as pessoas se desiludissem em relação ao amor. Isso leva a pensar que as relações sexuais são algo que se compra no mercado só para levar a vida adiante. O capitalismo tenta dissuadir a criação de vínculos reais. E valoriza demais o prazer. E, para a psicanálise, o prazer é sempre um problema. Qualquer pessoa que te venda um prazer fácil está a mentir. Se o que queremos é prazer profundo, com troca entre pessoas, ele será difícil, cheio de conflitos.

As actuais controvérsias acerca dos valores da família — do casamento e da extensão do divórcio — são na verdade discussões sobre a monogamia. Sobre o que faz as pessoas viverem juntas e as razões por que devem permanecer juntas. Sobre o modo como as pessoas decidem quais são os prazeres importantes. Para que hão-de servir os casais se não para o prazer? E se o prazer não interessa, então o que é que há-de interessar? Podemos dizer que isto é o problema da monogamia. Decerto, falar de monogamia significa falar de praticamente tudo o que é importante. Honestidade, assassínio, bondade, segurança, escolha, vingança, desejo, lealdade, mentira, risco, dever, filhos, excitação, recriminação, amor, promessas, atenção, curiosidade, ciúme, direitos, culpa, êxtase, moral, punição, dinheiro, confiança, inveja, paz, solidão, casa, humilhação, respeito, compromisso, regras, continuidade, segredos, acaso, compreensão, traição, intimidade, consolação, liberdade, aparências, suicídio e, é claro, família. A monogamia não se reduz simplesmente a essas entre outras coisas possíveis; mas quando falamos de monogamia não conseguimos deixar de falar também de tudo isso. É uma espécie de nexo moral, o buraco da fechadura por onde podemos espreitar as nossas próprias inquietações. Para alguns de nós — talvez os afortunados ou, pelo menos, prósperos —, a monogamia é o único problema filosófico sério.

Em relação às maiores dificuldades da monogamia, os problemas surgem quando as pessoas desejam esse tipo de relacionamento, mas não conseguem realizá-lo. E para quem pensa que é isso o que deseja, mas descobre que não era o que queria. A solução, aos olhos dessas pessoas, é a infidelidade. E pode dar certo, mas sempre com conflito. Todos têm ciúme sexual, ninguém suporta dividir o seu parceiro de sexo. Alguns dizem que suportam, mas é impossível. Se amamos e desejamos alguém, não queremos dividi-lo com outros. Isso tem a ver com termos necessidades e só determinadas pessoas poderem satisfazê-las.

Não fomos capazes de produzir relatos excitantes sobre a monogamia. Os bons romances são sobre adultério. Por isso, é difícil articular de forma interessante os prazeres da monogamia. Fica a parecer algo tedioso. Além disso, fomos educados para acreditar que a vitalidade está na heresia. Mas pode haver vitalidade nos dois tipos de relacionamento. O ocidental moderno e culto assume que a vitalidade está só na heresia. Também está, mas essa não é toda a verdade.

O que amamos e odiamos num casamento feliz é ver os nossos primeiros desejos e medos a acontecer na vida real. Toda a criança começa o seu desenvolvimento numa relação monogâmica, com a mãe. E a maioria passa os primeiros 11, 15 anos da vida muito conectada à mãe e ao pai. É uma espécie de monogamia bissexual. Crescer é passar da necessidade de ter só uma pessoa para a necessidade de ter duas (mãe e pai) e a necessidade e a capacidade de se relacionar com várias.

A relação monogâmica é uma memória muito poderosa, é onde começamos. Hoje, muita gente acha difícil manter uma relação monogâmica. Queremos coisas opostas, desejamos coisas proibidas e não sabemos que queremos essas coisas. A cultura torna os desejos muito problemáticos. Muitas pessoas desejam um relacionamento monogâmico, apesar de não serem capazes de lidar com ele.


Acredito na teoria da evolução de Darwin, mas penso que evolução envolve cultura. Há boas explicações em termos de sobrevivência da espécie para sustentar que a mulher quer um homem para a vida toda e o homem deseja mais parceiras, mas não acho que a questão da sobrevivência seja a explicação final. Se fosse, a família nuclear seria a única coisa óbvia a se fazer. Há diferentes formas de garantir a reprodução da espécie, há muitas formas de criarmos as crianças. E muitas formas de fazer sexo, não explicadas por essas teorias.

A sociedade é hipócrita em relação à monogamia se ela afirmar que é a única forma boa de relação para todos e o tempo todo. Mas hoje também há muita gente a dizer que toda a relação monogâmica é hipócrita, o que não é verdade. Para alguns, é um desejo genuíno, uma experiência real.

As únicas verdades úteis são as que nos ajudam a viver. Num relacionamento, o que você precisa é criar uma história na qual se sinta vivo com a outra pessoa.

As crianças deveriam ter aulas na escola sobre frustração, para entender como ela é valiosa. Para adultos, a psicanálise ajuda, é educativa. Os adultos precisam aprender a ser adultos. A maioria age como adolescente, não quer crescer, acredita em fórmulas mágicas de relacionamento.

A fórmula "feliz para sempre", assim como achar que a pessoa que não se prende a ninguém é livre, são dois ideais igualmente enganadores.

O sofrimento não é essencial. É apenas inevitável. Todas as formas de sofrimento são más, mas algumas são inevitáveis. Precisamos chegar a termos com elas ou sermos capazes de suportá-las.

A cultura liberal oferece mais escolhas do que havia antes. Mas o capitalismo cria a ilusão de que temos muitas escolhas, quando na verdade temos muito poucas. A única escolha é ser feliz ou não. É isso que está a ser vendido como o único programa: quanto prazer você pode ter, quão feliz pode ser. Só que a felicidade pode ser como uma droga, nunca satisfaz, você quer sempre mais. Há coisas muito mais importantes que a felicidade: justiça, generosidade, gentileza.



Adam Phillips
Psicanalista Britânico




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