quinta-feira, 6 de abril de 2017

Na tua ausência





Na tua ausência sobrevivo.
Estive quase a acrescentar “mal”.
Seria um erro, ou melhor, uma imprecisão.
Sobrevivência é uma palavra macambúzia; auto-suficiente; desprovida de ambição.
Satisfaz-se com outras a preto e branco - comer, respirar, fugir – e nelas se apoia até ao golpe da ceifeira.
Nem bem, nem mal, de quantos modos se dirige o gado ao matadouro?

Pelo contrário,
no que ao consumo externo diz respeito,
- e para não ser acusado de discriminação! –
Posso reabilitar a palavra, ora vê:
“Sobrevivo menos mal”.
Pergunta ao porteiro,
à senhora da tabacaria,
aos que comigo se cruzam na correria;
jurarão que estou inteiro.
Aos amigos não vale!, topam-nos a alma de braços abertos e olhos fechados.
(Os deles e os nossos…).

E se voltares?
Rédea curta à esperança.
A distância e o tempo joeiram as recordações,
as boas sobem a altares, as más descem ao exílio de arrecadações.
No fundo, “tá-se bem”, como diz o neto da vizinha do alto da sua ganza.

Sim, se voltares e…?
A memória fizer o pino?
As nódoas negras voltarem a doer?
O fantasma de terceiros ao barulho se meter?
Os amigos sussurrarem “põe-te fino!”.
O gato não perdoar?

É verdade, na tua ausência sobrevivo.
Apenas.
Mas numa calma emoldurada por fotografias de ambos.
Observo-as com rigor de filatelista.
Estamos sorridentes, ombro a ombro, apaixonados.
(Mesmo!, não se trata de fotoshop caridoso do artista.)
Poderão ressuscitar aqueles dois?
Não creio.

Reformulo:
Na tua ausência sobrevivemos.
A breve alegria do reencontro pode roubar até a sombra do amor.
Minha querida, prefiro assim:
morrerei de tudo menos de insolação!



Guilherme Ferreira




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