Quase que te amei
Quem me dera ter-te amado
Envelhecemos tão depressa mais rápido do que a luz que nos cega
Saltamos vidas por sobre os inexoráveis ponteiros que rodam
estonteantes aterrando após anos longe de nós próprios
Quase que nos amamos
Mas corremos tanto que atropelamos sem sentir os sentidos que
apelavam ao mar à terra e aos pequenos momentos de conforto
Puxo a manta comida por gerações de traças e dou-te
meio aconchego
Não posso mais
Dás-me meio sorriso como quem acena pela milésima vez
ao pássaro que lhe calhou em sorte na ilha deserta da reforma
Eu meio-amo-te
Tanto quanto estas pernas rombas vergadas por ocasos sem fim
permitem
Já fui solidamente edificado mas passaste-me ao lado como
as estações que o esquecimento levou
Quem me dera ter-te amado quando podia
Mas vi-me repentinamente caído num mundo feito apenas
de descrença e olvido e sinto-me cada vez mais encalhado
Náufrago de um tempo irrecuperável
Puxo um pouco mais a manta
Mudamos os canais mais depressa do que os nossos olhos
podem atingir
Assim passamos os últimos fôlegos a tentar recordar
o quase amor que nos escapou
mas torra-se-me a memória num deserto de palavras gastas
Quase que te amei mas já me esqueci como se faz
e não tenho mais manta para puxar
JOSÉ BERNARDES
in, PALAVRAS IMÓVEIS
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