Lá porque vivemos em erectos edifícios não quer dizer que não vivamos afinal em cavernas.
De resto cada homem vive mergulhado na penumbra da caverna que ele próprio é.
E somos todos primitivos porque como o futuro está constantemente a cumprir-se, para os que vierem depois de nós seremos sempre velhos, depois antigos e depois primitivos.
A essência do progresso consiste no eterno insistir sobre um mesmo esquema.
Mas que progresso é esse que se baseia na eterna repetição de si próprio?
A descoberta gradual da permanência do esquema.
Ana Hatherly
in, "O Mestre"
A Ambiguidade é a Arte do Suspenso.
Tudo o que está suspenso suspende ou equilibra.
Ou instabiliza.
Mas tudo é instável ou está suspenso.
Pelo menos ainda.
Ainda é uma questão de tempo.
Tudo depende da noção de tempo ou duração ou extensão.
A aceleração do tempo pode traduzir-se pela imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não se veja o movimento ou o espaço ou a duração.
Tudo está sempre a destruir tudo.
Ou qualquer coisa.
Ou alguém.
Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa.
Ou alguém.
Os construtores demolem.
No lugar onde estava o sopro, pormos pedras ou palavras: sinónimo de construção.
Ou destruição.
Ou acção.
Ana Hatherly
in, "O Mestre"
Ana Hatherly
O Mar Que Se Quebra
1998
Nascida no Porto em 1929, Ana Hatherly teve um percurso transversal no cinema, artes plásticas, poesia e prosa, cruzando quase sempre as diferentes expressões artísticas.
Em 1976, representou Portugal na Bienal de Veneza com o seu filme “Revolução” sobre os cartazes e graffitis da revolução de Abril.
Licenciada em Filologia Germânica e doutorada em Estudos Hispânicos, Ana Hatherly tem ainda formação em cinema e música e foi professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde cofundou o Instituto de Estudos Portugueses. A autora foi ainda uma das fundadoras do PEN Clube Português e tem o nome inscrito na criação das revistas “Claro-Escuro” e “Incidências”.
Ana Hatherly iniciou a carreira literária em 1958:
“Eros frenético” (1968), “Anagramas” (1969), “A dama e o cavaleiro” (1960), a série “Tisanas”, “Rilkeana”, “A mão inteligente” e “O cisne intacto: Outras metáforas – Notas para uma teoria do poema-ensaio” são algumas obras publicadas por Ana Hatherly, distinguida ao longo da carreira pela Associação Portuguesa de Escritores e pelo PEN Clube.
A Sociedade Brasileira de Língua e Literatura distinguiu-a em 1978.
Em 2009 foi distinguida como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
O espólio da autora está à guarda da Biblioteca Nacional, no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, e parte da biblioteca pessoal está na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.
Morreu de causas naturais no dia 5 de Agosto de 2015.
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