Esta é uma prática muito poderosa e eficiente chamada
“o convívio com o oposto”.
A esse respeito diz o Yogasutra:
"quando surgirem pensamentos indesejáveis,
estes podem neutralizar-se convivendo-se com seus opostos".
Cabe então a pergunta: o que seria, exactamente, julgar?
O Dicionário Houaiss nos esclarece:
"Emitir parecer, opinião sobre (alguém ou alguma coisa); formar conceito, opinião (julgar um escritor) (julgaram ele em função de seus comentários) (a história ainda o julgará merecedor das glórias que lhe faltam em vida) (não se deve julgar levianamente). Decidir, após reflexão; considerar (julgaram que o melhor era desistir)".
Então, se julgar, como nos diz o dicionário, é tomar uma decisão depois de haver reflectido ou ponderado sobre uma situação, ou formar uma ideia, esse termo deve ser algo neutro e desprovido da negatividade.
Então, o problema não é o julgamento, mas o que fazemos com ele.
Julgar adequadamente é sinal de saúde mental.
É o indicador de que o nosso psiquismo funciona bem.
Se, por exemplo, eu não souber julgar correctamente a distância ou a velocidade que mantenho em relação ao próximo carro na estrada, posso provocar um grave acidente realizando uma acção banal como conduzir.
À luz dessa ideia, ouvimos, perante uma pessoa que esteja a fazer algo errado, comentários do tipo "essa é a verdade dela", como se um desvio de conduta ou um valor subjectivo pudessem se impor ao bem comum ou ao direito dos demais.
Somos da opinião de que isso seja totalmente errado, uma vez que não existem verdades diversas. Podem existir preferências diferentes, prioridades diferentes, crenças diversas, mas só há uma verdade, e ela inclui sempre a compaixão, o respeito, a gentileza, a consideração e a aceitação dos demais.
Uma afirmação consensual não será, necessariamente, verdadeira.
Historicamente falando, o consenso nem sempre coincidiu com o que é certo.
Até não muito tempo atrás, havia um consenso sobre o facto da escravidão ser algo aceitável.
O mesmo vale em relação ao sexismo, à homofobia e à corrupção, que são tarefas ainda pendentes na nossa sociedade.
Se, por um lado, eu escuto o meu professor de Yoga dizer que "é errado julgar" e, por outro, percebo que não consigo parar de julgar, esse descompasso entre o que ouço e o que sinto pode provocar em mim um conflito interno. Para que essa frase fizesse sentido, deveríamos acrescentar a ela algumas palavras.
Assim, poderíamos dizer:
"é errado julgar precipitadamente",
ou ainda,
"é errado julgar negativamente
sem levar em consideração o contexto adequado".
Se aceitarmos o facto de que julgar é o acto natural de uma mente saudável, eliminamos a tensão desnecessária e o eventual conflito se resolve.
Olhando para o nosso psiquismo dessa maneira, ficamos em paz com os seus conteúdos.
...
Autores importantes como o próprio Patañjali, nunca afirmam que o julgamento seja algo nocivo ou indesejável. Tentar reprimir este tipo de conteúdo, por outro lado, é uma batalha que já começa perdida: estes conteúdos não são apenas naturais como também necessários para nos posicionar perante o mundo e viver e sobreviver nele.
Não é errado observar e discernir.
Não é errado cultivar o espírito crítico.
Não é errado, baseando-nos na observação e no discernimento, tomar a decisão de nos afastar de alguma situação que tenhamos interpretado como indesejável ou contraproducente.
Em suma,
o julgamento correcto
é essencial para a autopreservação.
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Pedro Kupfer
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