sábado, 25 de abril de 2020

Os Vampiros






No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada [bis]

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas

São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei

Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.



José Afonso





                         












A canção foi originalmente gravada no álbum Baladas de Coimbra, em 1963, de José Afonso.
Zeca Afonso tornou-se um símbolo da resistência democrática contra a ditadura que dominou o país entre 1933 e 1974. Algumas das suas canções foram proibidas pela censura e os discos aprisionados.

É o tema fundador do canto político em Portugal, assumido como instrumento de combate cultural e cívico em tempo de censura, e um símbolo da resistência contra o fascismo.
Estava lá tudo dito e, por isso, não podia ser dito.
Foi uma das canções-senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) – juntamente com "E Depois do Adeus" de Paulo de Carvalho e "Grândola Vila Morena", também de José Afonso – que pôs termo aos 41 anos ininterruptos de ditadura em Portugal. 

José Afonso tentou comunicar valores e ideais, utopias e mensagens libertadoras, ansiou por um Portugal sem tabus, sem ter de calar o valor da liberdade, pelo que se tornou num vulto histórico, num modelo de afronta na luta contra o regime.
As suas canções premeiam uma veia criadora, intensamente preocupada com causas humanas e sociais e são exemplo de acção e de luta constante, objectivando provocar a agitação e a mudança, contra o marasmo fomentado por um regime que necessitava de ser questionado e, por fim, substituído.

A canção é uma poderosa chamada de atenção para que nos recordemos que seremos sempre capazes de vencer os vampiros de hoje, os governantes que nos impõem uma austeridade ilegítima e forçada, e que ficam escandalosamente impunes às ilegalidades praticadas.






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