sexta-feira, 3 de abril de 2020

O que podemos aprender com o covid 19?

                                           



Não estamos em guerra contra nada nem ninguém.
É verdade que algumas figuras públicas da nossa sociedade se lembraram de recorrer ao seu Winston Churchill interior, declarando que estamos em guerra e utilizando frases de cariz bélico, num acto de comunicação com as massas que me pareceu profundamente desastrado. E digo desastrado porque não me pareceu intencional, apenas desastrado.
Vejo estupefacto comportamentos que qualifico de desastrados sucederem-se em vários âmbitos da sociedade.
Todos os dias morrem pessoas de cancro, de outos sintomas e de acidentes. E todos os dias há familiares e amigos a chorar a dor da perda. Há muitas pessoas que sofrem e enfrentam sintomas e problemas físicos difíceis que em nada se prendem com o coronavírus.
E não me lembro de ter visto manifestações de pesar por estas pessoas que morreram de outros sintomas que não do coronavírus. Nem me lembro de ver figuras públicas apresentar as condolências às famílias dessas pessoas, como o fizeram com os primeiros mortos (com todo o respeito e compaixão por eles) do coronavírus em Portugal. Por que razão deve uma pessoa que partiu devido ao coronavírus ter direito aos pêsames por parte das autoridades e as outras pessoas não? Não estaremos a criar separação com estes comportamentos?
Os familiares e amigos destas pessoas, esses sim, choraram e choram a dor destas pessoas que partiram e partem devido a acontecimentos desligados do coronavírus.
Algumas destas pessoas que há anos lidam com problemas crónicos, dor e risco de morte podem inclusivamente sentir-se insultadas quando ouvem estas manifestações emocionais e emotivas provocadas pelo medo colectivo do coronavírus. “Será que a minha dor é menor do que a dos que contraem o coronavírus?”
E ouvir um jornalista, também, no meu entender, profundamente desastradamente e não intencionalmente, dizer, relativamente à guerra contra o coronavírus, que “dos fracos não reza a história”, deve ser tremendamente duro para todos aqueles que perderam e perdem pessoas todos os dias.
Mau grado estas saídas desastradas de alguns, não estamos em guerra contra nada nem ninguém, estamos sim perante um fenómeno que tem muito para nos ensinar, se o quisermos aproveitar.
Parece que a distracção do essencial continua a prevalecer nestes momentos de contracção da matéria. E parece que prevalece também a exibição de atitudes despropositadas que afinal podem ter (e têm) o efeito contrário ao que se deseja.
Este momento pede-nos recolhimento, observação, atenção e contenção.
Como indivíduos, pertence-nos estar atentos, observar o que se passa e procurar reagir o menos possível com o nosso comportamento. Porque quando se reage com o comportamento, nestas alturas, magoa-se tantas pessoas como se agrada a outras. E assim cria-se separação.

Sei que a maior parte das atitudes desastradas a que assistimos não são intencionais, mas não deixa de ser verdade que demonstram uma falta de atenção, de cuidado e de oportunidade gritantes. É que, involuntariamente, e inconscientemente, estas atitudes a que assistimos criam separação onde deveria haver unidade.
Há que aceitar profundamente este vírus que nos vem revelar tantas e tantas fragilidades e disfunções da nossa vida quotidiana. O desejo profundo da grande maioria das pessoas de se ver livre deste fenómeno impede-as de perceber por que razão precisávamos dele.
O desejo de se ver livre deste vírus e de voltar à vida a que chamamos “normal” impede-nos de perceber que a vida que levávamos antes não era de todo “normal”. 

A maioria das pessoas já se esqueceu de que a “normalidade” era caracterizada por uma qualidade do ar e uma ecologia muito deficientes; por uma poluição química e electrónica imensa; por uma grande ansiedade por dinheiro e por um ainda maior medo de não o ter; por uma escravatura moderna ao serviço de bolsas financeiras e dos desejos mimados de alguns; por um materialismo, um consumismo e uma superficialidade da vida quotidiana; por um tempo enorme gasto por muitos em deslocações e transportes; por um stress diário crescente; por um desligar do mundo natural e por comportamentos diários pesadíssimos já considerados habituais e irremediáveis.

O problema, 
após este fenómeno, 
seria de facto que tudo voltasse ao normal, 
ao que era dantes. 
Esse seria mesmo o maior dos nossos problemas.


Há que aproveitar este fenómeno na observação, na aceitação e na descoberta da sua função.
Observar, aceitar e atentar na função deste fenómeno altera-nos a vibração e ajuda-nos a criar um mundo de unidade e de amor. E ajuda-nos a perceber que nova realidade precisamos de criar após este fenómeno.


Luís Martins Simões





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