quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Morreu Ana Hatherly




Lá porque vivemos em erectos edifícios não quer dizer que não vivamos afinal em cavernas. 
De resto cada homem vive mergulhado na penumbra da caverna que ele próprio é. 
E somos todos primitivos porque como o futuro está constantemente a cumprir-se, para os que vierem depois de nós seremos sempre velhos, depois antigos e depois primitivos. 
A essência do progresso consiste no eterno insistir sobre um mesmo esquema. 
Mas que progresso é esse que se baseia na eterna repetição de si próprio? 
A descoberta gradual da permanência do esquema. 

Ana Hatherly
in, "O Mestre" 



A Ambiguidade é a Arte do Suspenso. 
Tudo o que está suspenso suspende ou equilibra. 
Ou instabiliza. 
Mas tudo é instável ou está suspenso. 
Pelo menos ainda. 
Ainda é uma questão de tempo. 
Tudo depende da noção de tempo ou duração ou extensão. 
A aceleração do tempo pode traduzir-se pela imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não se veja o movimento ou o espaço ou a duração. 
Tudo está sempre a destruir tudo. 
Ou qualquer coisa. 
Ou alguém. 
Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa. 
Ou alguém. 
Os construtores demolem. 
No lugar onde estava o sopro, pormos pedras ou palavras: sinónimo de construção. 
Ou destruição. 
Ou acção. 

Ana Hatherly
in, "O Mestre" 



Ana Hatherly
O Mar Que Se Quebra
1998

Nascida no Porto em 1929, Ana Hatherly teve um percurso transversal no cinema, artes plásticas, poesia e prosa, cruzando quase sempre as diferentes expressões artísticas.
Em 1976, representou Portugal na Bienal de Veneza com o seu filme “Revolução” sobre os cartazes e graffitis da revolução de Abril.
Licenciada em Filologia Germânica e doutorada em Estudos Hispânicos, Ana Hatherly tem ainda formação em cinema e música e foi professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde cofundou o Instituto de Estudos Portugueses. A autora foi ainda uma das fundadoras do PEN Clube Português e tem o nome inscrito na criação das revistas “Claro-Escuro” e “Incidências”.

Ana Hatherly iniciou a carreira literária em 1958:
“Eros frenético” (1968), “Anagramas” (1969), “A dama e o cavaleiro” (1960), a série “Tisanas”, “Rilkeana”, “A mão inteligente” e “O cisne intacto: Outras metáforas – Notas para uma teoria do poema-ensaio” são algumas obras publicadas por Ana Hatherly, distinguida ao longo da carreira pela Associação Portuguesa de Escritores e pelo PEN Clube.

A Sociedade Brasileira de Língua e Literatura distinguiu-a em 1978.
Em 2009 foi distinguida como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

O espólio da autora está à guarda da Biblioteca Nacional, no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, e parte da biblioteca pessoal está na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.

Morreu de causas naturais no dia 5 de Agosto de 2015.

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