domingo, 20 de maio de 2012

A bondade é um capricho temperamental...




"Assim como, quer o saibamos quer não, temos todos uma metafísica, assim também, quer o queiramos quer não, temos todos uma moral.
Tenho uma moral muito simples - não fazer a ninguém nem mal nem bem. Não fazer a ninguém mal, porque não só reconheço nos outros o mesmo direito que julgo que me cabe, de que não me incomodem, mas acho que bastam os males naturais para mal que tenha de haver no mundo.
Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem.
Não fazer bem, porque não sei o que é o bem, nem se o faço quando julgo que o faço.
Sei eu que males produzo se dou esmola?
Sei eu que males produzo se educo ou instruo?
Na dúvida, abstenho-me.
E acho, ainda, que auxiliar ou esclarecer é, em certo modo, fazer o mal de intervir na vida alheia.
A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas de nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura.
Os benefícios são coisas que se infligem; por isso os abomino friamente."

Fernando Pessoa
in,Livro do desassossego.

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