Para Svend Brinkmann, professor da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, ler autoajuda não traz sucesso e fazer coaching é mais perigoso do que parece.
Autor do livro “Stand Firm: Resisting the Self-Improvement Craze” (em tradução livre, “Fique firme: Resistindo à mania do autodesenvolvimento”), ele é crítico ferrenho da psicologia positiva e da crença de que a felicidade é uma escolha.
O psicólogo dinamarquês afirma que parte da indústria da autoajuda só contribui para reforçar o problema que ela própria diz combater: a infelicidade causada pelo individualismo e pelo desinteresse em soluções coletivas.
Brinkmann faz um diagnóstico parecido sobre o efeito do coaching para o mundo do trabalho:
“O próprio conceito de coach [“treinador”, em inglês], que vem do mundo do desporto, pressupõe que você está a competir com os outros para vencer o jogo. Há um perigo em ver a vida como um jogo em que há vencedores e perdedores...Além disso, o coach muitas vezes age como um mero espelho seu. Ele fará você olhar ainda mais para si mesmo. No fundo, ele só reforça o individualismo, só cria um ciclo de autorreflexão perpétuo. Não precisamos de mais insights sobre nós mesmos. Precisamos olhar para fora.”, explica.
Trechos de uma entrevista que deu à Revista Exame, a 30 de Maio de 2017:
"Na verdade, o problema não é a autoajuda em si. Não nego que livros desse tipo podem ajudar certas pessoas, até porque também há bons títulos dentro desse género. Ainda assim, no geral, essas obras só reforçam o problema que supostamente deu origem a elas.
Incutem a ideia de que felicidade é uma escolha individual, algo que “só depende de si”. E quando as pessoas fracassam — o que acontece com qualquer ser humano — elas se vêem como as únicas responsáveis pela própria derrota. Elas se sentem culpadas por algo que não estava sob o seu controle.
A autoajuda é um sintoma de um outro problema, subterrâneo, mais grave, que é o individualismo. As pessoas sentem-se desligadas umas das outras, completamente sozinhas, quando acreditam que podem atingir os seus objetivos de vida, por conta própria, se seguirem “7 passos para a felicidade” ou algo parecido."
"Todos desejam ser felizes, fazer fortuna, ter muitos amigos, construir uma carreira incrível. Apresentar esse objetivo como algo que depende só de você, como indivíduo, é algo muito atraente. A ideia se popularizou tanto que podemos dizer que está presente em tudo, inclusive na forma como as pessoas entendem o desenvolvimento das suas competências no trabalho.
Numa era de incertezas como esta que vivemos, as pessoas viram-se cada vez mais para dentro de si mesmas para tentar ter sucesso. A indústria da autoajuda ofereceu-lhes ferramentas nesse sentido. Antes, não havia essa ideia de que era responsabilidade sua ser feliz. Era algo mais diluído em práticas culturais. Agora virou uma questão individual."
"Os primeiros livros de autoajuda foram lançados na metade do Século XX. Um dos exemplos mais famosos é “O poder do pensamento positivo”, lançado em 1952 pelo pastor norte-americano Norman Vincent Peale.
Uma curiosidade é que Peale foi o sacerdote da família de Donald Trump desde quando ele era criança, em Manhattan, e chegou a conduzir a sua cerimónia de casamento com a primeira esposa, Ivana. Trump já citou “O poder do pensamento positivo” como um livro bastante inspirador para ele.
O livro de Peale fala sobre como você pode conseguir o que quiser se tiver pensamentos positivos. E veja o que aconteceu com Donald Trump! É um perigo. Eu pessoalmente sou bastante cético com relação a Trump e, assim, temo que essas técnicas sejam usadas para fins problemáticos."
"O mundo do trabalho se tornou muito psicologizado. Não são apenas as minhas competências que preciso desenvolver, mas também a minha personalidade, os meus sentimentos mais íntimos. Para ser um bom profissional hoje, preciso fazer cursos de desenvolvimento pessoal, coaching e por aí vai.
O empregador não pede apenas para o funcionário vender o seu tempo por uma certa quantia de dinheiro, mas também vender-se a si mesmo, a sua personalidade. Se eu me entregar nesse sentido, eu realmente não tenho nada mais que é meu. Esse é o problema."
"Deveríamos pensar em termos mais coletivos. Não sou contra os objetivos que os livros e cursos de autoajuda pregam. Eu também quero que as pessoas sejam felizes e conquistem os seus sonhos! Mas nós precisamos pensar na forma como tentamos fazer isso. Precisamos lembrar que os nossos males e tristezas têm uma natureza política. Portanto, os desafios precisam ser resolvidos de forma social, e não só individual.
Quando seguem o discurso do autodesenvolvimento, as pessoas tentam ser versões melhores de si mesmas, mas esquecem que também são responsáveis pelos outros. Vivemos numa sociedade que não dirige a sua atenção às necessidades dos outros. A alternativa à autoajuda, a “antiautoajuda”, seria ajudar o outro em vez de ajudar a si mesmo."
"Teoricamente é possível ter um foco no seu próprio desenvolvimento sem deixar de pensar nos outros. Mas, na prática, essa atenção que você dirige a si mesmo, por meio da autoajuda, dificulta o pensamento nos outros.
Muita gente diz que você precisa primeiro amar a si mesmo para então amar o outro.
Elas citam aquela instrução que recebemos em viagens aéreas: em caso de despressurização, coloque a máscara de oxigénio antes em você, e só então ajude a pessoa ao seu lado. Para mim isso está completamente errado. Não no sentido literal do avião, claro! Mas, na vida, precisamos estar lá para o outro, incondicionalmente, e não pensar antes em nós mesmos.
Para aproveitar a metáfora, imagine que a humanidade é um avião em queda livre. Hoje, as pessoas só estão preocupadas em respirar nas suas máscaras de oxigénio. Estamos a chamar isso de autoajuda, “mindfulness”, e por aí vai. Ocorre que ninguém se levanta para confirmar se há algum piloto na cabine, a tentar salvar o avião. Se fizessem isso, descobririam que a cabine está vazia.
O que deveríamos fazer?
Assumir o controle da cabine e tentar salvar o avião da queda.
O que estamos a fazer?
Estamos concentrados em respirar nas nossas máscaras individuais.
O que quero dizer com esta imagem é que estamos numa sociedade desestruturada, que está a enfrentar muitas crises, como um avião a cair. E nós somos esses passageiros que ficam sentados nas suas poltronas, concentrados na sua própria felicidade e no seu próprio sucesso, nas suas máscaras de oxigénio.
Deveríamos sair dos nossos lugares e procurar uma solução sistémica se quisermos salvar o avião, ou o mundo, do desastre. Não vamos melhorar o mundo se apenas melhorarmos nós mesmos. Precisamos agir juntos."
"Todos nós queremos ter um emprego e contribuir para o progresso. Não há nenhum problema em ser produtivo, em adquirir novas competências para trabalhar melhor. O problema é que o discurso sobre maximizar a produtividade tem uma consequência paradoxal. Ele deixa as pessoas cansadas e tristes, o que as torna menos criativas e menos eficientes.
Seres humanos fazem um bom trabalho quando se sentem seguros, quando sentem que podem confiar nos seus chefes, nos seus colegas. A economia moderna, a economia do conhecimento, precisa de pessoas que tenham coragem de desenvolver novos produtos e novas ideias. Todos sabem disso. Mas o sistema que temos não tem dado sustentação a esse fato.
Talvez seja uma herança da velha sociedade industrial, por exemplo, que os empregadores ainda falem de seus funcionários como “recursos humanos”. Como se as pessoas fossem recursos comparáveis a carvão ou petróleo. Coisas que se deve explorar, usar, otimizar.
Em primeiro lugar, isso é antiético, as pessoas não são recursos, são seres humanos, com dignidade e direitos, elas não são coisas.
Em segundo lugar, não é produtivo. Na vida moderna, precisamos trabalhar em equipa, com autonomia, com horários flexíveis. O modelo de trabalho mudou, exige mais liberdade. As pessoas precisam ser tratadas como pessoas, não como recursos humanos.
Na Dinamarca e em muitos países, há estatísticas assustadoras sobre a quantidade de profissionais com depressão, ansiedade, esgotamento por causa dos seus empregos. Esse tipo de coisa não poderia existir num mundo civilizado. Nós deveríamos conseguir trabalhar sem passar por esses problemas."
"De forma simplificada, ter sucesso é ser capaz de cumprir as suas obrigações. Algumas delas são comuns a todos os seres humanos, algumas são específicas de cada um de nós. Não acho uma boa ideia falar sobre sucesso sem falar em compromissos e obrigações.
Se perguntar para um coach como Tony Robbins, um dos mais famosos do mundo, ele dirá que sucesso é fazer o que você quer, quando você quer, onde você quer, com quem você quer. Eu questiono isso. E se o que eu quero não for digno? E se o que eu quero for prejudicial para os outros? Se esse for o caso, eu serei realmente bem-sucedido se conseguir o que quero?
Acho que não. Eu preciso ter um objetivo digno. Mas, para saber o que é um objetivo digno, preciso fazer uma avaliação ética da minha vida. Não posso definir sucesso sem ética. Ter sucesso é conseguir fazer muito bem o que eu preciso fazer."
"É importante estar atento para não cair em discursos motivacionais baratos. Quando a economia de um país vai mal, é quase constrangedor ouvir alguém a dizer frases como:
“Basta que você esteja motivado para ter sucesso”.
O título original do meu livro, em inglês, é “Stand firm” (“Fique firme”, em português). Mas para um país que está a enfrentar múltiplas crises, seria importante acrescentar a palavra “juntos” a essa mensagem: “fiquem firmes juntos”.
É importante não transformar a solução em mais um projeto individual. Pensar só em si mesmo é uma tentação muito grande em tempos de crise. Mas eu espero que as pessoas percebam que, a longo prazo, será melhor para todos se procurarem soluções coletivas para os seus problemas."
Sem comentários:
Enviar um comentário