Alexandra Cameron
“O Ser Humano dividido contra si mesmo procura estímulos e distrações; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentaneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a dolorosa necessidade de pensar. Toda a paixão é para ele uma forma de intoxicação e, desde que não possa conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das faculdades. São nos momentos em que o espírito está mais ativo, em que mais coisas são esquecidas, que se sentem alegrias mais intensas.”
“A raiz do mal reside no fato de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal fonte de felicidade. Não nego que o sentimento do triunfo torna a vida mais agradável. Um pintor, por exemplo, que viveu obscuramente na juventude, decerto se sentirá feliz se o seu talento acabar por ser reconhecido. Não nego também que o dinheiro, até um certo limite, é capaz de aumentar a felicidade; para lá desse limite, julgo que não. O que eu afirmo é que o êxito só pode ser um dos vários elementos da felicidade, e que é demasiado o preço pelo qual se obtém se a ele se sacrificam todos os outros.”
“Exigimos de toda a gente o mesmo sentimento de amor e de profundo respeito que sentimos por nós próprios. Nunca nos ocorre que não devemos exigir que os outros pensem melhor de nós do que nós pensamos a respeito deles, e isso não nos ocorre, porque, aos nossos olhos, os méritos são grandes e evidentes, ao passo que os dos outros, se na realidade existem, só são reconhecidos com certa benevolência.”
“Na maior parte dos casos, o trabalho que as pessoas têm de executar não é interessante, mas ainda em tais circunstâncias oferece grandes vantagens. Em primeiro lugar, preenche uma boa parte do dia sem haver necessidade de decidir sobre o que se há de fazer. A maioria das pessoas, quando estão em condições de escolher livremente o emprego do seu tempo, têm dificuldade em encontrar o que quer que seja suficientemente agradável para as ocupar. E tudo o que decidem deixa-as atormentadas pela ideia de que qualquer outra coisa seria mais agradável.”
“Há sempre um certo aborrecimento quando se evita em demasia a agitação, mas, por sua vez, a agitação demasiada não só enfraquece a saúde como embota o gosto para toda a espécie de prazeres, substituindo titilações por profundas satisfações orgânicas, habilidade por inteligência e impressões fugidias por beleza. Não pretendo exagerar os perigos da agitação. Uma certa quantidade talvez seja saudável, mas, como em quase todas as outras coisas, o problema é de ordem quantitativa. Uma dose demasiado pequena pode gerar desejos mórbidos, e o abuso pode produzir esgotamento. Certa capacidade para suportar o aborrecimento é essencial a uma vida feliz, e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos jovens.”
“À medida que nos elevamos na escala social, a busca da excitação se torna cada vez mais intensa. Aqueles que podem pagá-la estão se movendo perpetuamente de um lugar para outro, carregando com eles a alegria, dançando e bebendo, mas por alguma razão sempre esperando para desfrutar mais destes em um novo lugar. Aqueles que têm de ganhar a vida recebem a sua parte de tédio, por necessidade, nas horas de trabalho, mas aqueles que têm dinheiro suficiente para ser libertados da necessidade de trabalho têm como seu ideal uma vida completamente livre do tédio. É um ideal nobre, e muito longe de mim para condená-lo, mas tenho medo de que, como outros ideais, seja mais difícil de realização do que os idealistas supõem. Afinal, as manhãs são chatas na proporção em que as noites anteriores foram divertidas. Talvez algum elemento de tédio seja um ingrediente necessário na vida. O desejo de escapar do tédio é natural; de fato, todas as raças da humanidade a mostraram como a oportunidade aconteceu. Guerras, genocídios e perseguições fizeram parte da fuga do tédio; até mesmo discussões com vizinhos foram encontradas melhores do que nada. O tédio é, portanto, um problema vital para o moralista, uma vez que pelo menos metade dos pecados da humanidade são causados pelo medo dele.”
“De todas as características que são vulgares na natureza humana, inveja é a mais desgraçada; o invejoso não só deseja provocar o infortúnio e o provoca sempre que o pode fazer impunemente, como também se torna infeliz por causa da sua inveja. Em vez de sentir prazer com o que possui, sofre com o que os outros têm. Se puder, priva os outros das suas vantagens, o que para ele é tão desejável como assegurar as mesmas vantagens para si próprio. Se uma tal paixão toma proporções desmedidas, torna-se fatal a todo o mérito e mesmo ao exercício do talento mais excepcional […] Afortunadamente, porém, há na natureza humana um sentimento compensador, chamado admiração. Todos os que desejam aumentar a felicidade humana devem procurar aumentar a admiração e diminuir a inveja.”
“Há a ideia de que quando se concede à razão inteira liberdade, ela destrói todas as emoções profundas. Esta opinião parece-me devida a uma concepção inteiramente errada da função da razão na vida humana. Não é objetivo da razão gerar emoções, embora possa ser parte da sua função descobrir os meios de impedir que tais emoções sejam um obstáculo ao bem-estar. Mas é um erro supor que, diminuindo essas paixões, diminuiremos ao mesmo tempo a intensidade das paixões que a razão não condena.”
“Pregar racionalidade é um tanto diferente, porque ela nos ajuda, de modo geral, a satisfazer os nossos próprios desejos, quaisquer que sejam. O Ser Humano é racional na proporção em que a sua inteligência orienta e controla seus impulsos. Acredito que o controle dos nossos atos pela inteligência é, afinal, o que mais importa e a única coisa capaz de preservar a possibilidade de vida social.”
“O Ser Humano que deseja agir de certa forma se persuadirá que, assim procedendo, alcançará algum propósito que considera bom, mesmo que não vise motivo algum para pensar dessa forma, se não tivesse tal desejo. E julgará os fatos e probabilidades de maneira muito diferente daquela adotada por alguém com desejos opostos. Como todos sabem, os jogadores estão cheios de crenças irracionais relativas a sistemas que devem, no fim, fazê-los ganhar. Os que se interessam pela política persuadem-se de que os líderes do seu partido jamais praticariam as patifarias cometidas pelos adversários. Os homens que gostam de administrar acham que é bom para o povo ser tratado como um rebanho de ovelhas, os que gostam do fumo dizem que acalma os nervos, e os que apreciam o álcool afirmam que aguça o tino. A parcialidade assim criada falsifica o julgamento das pessoas em relação aos fatos, de modo muito difícil de evitar.”
“O Ser Humano difere de outros animais num aspecto muito importante, e é que ele tem alguns desejos que são, por assim dizer, infinitos,( desejos infinitos, que são: aquisição, rivalidade, vaidade e amor ao poder) que nunca podem ser totalmente gratificados, e que o manteriam inquieto mesmo no Paraíso. Uma jiboia-constritora, quando já teve uma refeição adequada, vai dormir, e não acorda até que precise de outra refeição. Os seres humanos, em sua maior parte, não são assim.”
“Uma vida boa é inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento. Nem amor sem conhecimento nem conhecimento sem amor podem produzir uma vida boa.”
“Jamais morreria pelas minhas crenças, porque elas podem estar erradas”.
“Muitas pessoas cometem o equívoco de substituir o conhecimento pela afirmação de que é verdade aquilo que eles desejam […] É importante aprender a não se aborrecer com opiniões diferentes das suas, mas dispor-se a trabalhar para entender como elas surgiram. Se depois de entendê-las ainda lhe parecerem falsas, então poderá combatê-las com mais eficiência do que se você tivesse se mantido simplesmente chocado.”
“Eu acredito que quando morrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobreviverá. Mas me recuso a tremer de terror diante da minha aniquilação. A felicidade não é menos felicidade porque deve chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque não são eternos.”
Bertrand Russell
in, A Conquista da Felicidade
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