O Tantra não é apenas sexo
com super-orgasmos,
ou sequer 'sexo sagrado'.
Existem correntes interligadas do Tantra
que são conhecidas como
Kundalini Tantra,
Laya Yoga,
ou Shaiva Siddhanta.
São caminhos de dedicação à União Sagrada com o Supremo Ser - que é o nosso verdadeiro Ser.
Mas mesmo antes do desenvolvimento moderno (e frequentemente superficial) de 'neo-tantra' com a sua visão limitada do 'Sexo Tântrico', houve uma vertente Tântrica na Índia que questionava activamente os tabus da sociedade e trazia o sagrado ao plano da união sexual ritualizada em conjunto com essas práticas de Kundalini Tantra.
Essa via que integra a sexualidade ritualizada (também conhecida como a via da 'esquerda') é considerada as vezes uma via 'perigosa' porque é fácil uma pessoa se perder na intensidade e na sobre-valorização dos prazeres sensuais.
Mas saber trabalhar conscientemente com a energia sexual, pondo-a ao serviço da iluminação e da libertação, faz com que se possa resgatar essa vibração primordial criativa (Shakti*) e 'domá-la' - não através de força masculina controladora, mas preparando o caminho para a integração do poder dela - pelo honrar dela como uma manifestação do Divino em forma da Grande Mãe - a consorte de 'Shiva'** - a Energia Universal que complementa a Consciência Universal.
Assim, em vez de chamar a nossa atenção apenas ao prazer e às zonas erógenas, a energia percorre o canal central (Shushumna nadi) que une Shiva e Shakti internamente.
Então, apesar do Tantra não se reduzir à união de sexos, quando as bases são compreendidas, tudo em que focamos torna-se sagrado por vermos o próprio Universo como uma Dança Divina - os princípios são aplicáveis a tudo, inclusive para 'sacralizar' o sexo, e torná-lo numa meditação devocional.
O praticante 'falso' vai apenas procurar justificar e explorar os seus impulsos sexuais, compreendendo mal, ou distorcendo a filosofia Tântrica. O praticante sincero vai procurar abranger tudo na sua prática devocional e meditativa, seja o sexo, seja o trabalho, seja o acto de respirar.
Há uma cura interna efectuada pelo Tantra - uma transcendência da dualidade de categorias: 'mundano' e 'sagrado'. É uma cura para com nós próprios - o nosso relacionamento com o corpo, o sensual, a terra, o feminino, a Vida. Isso é uma das consequências do Tantra - uma das características da via Tântrica - mas não é o fim. O fim é a transcendência do 'eu'.
Por isso o Tantra tradicional e o Yoga tradicional são em muitos aspectos idênticos.
Contrário à representação comum da União Tântrica em forma do casal divino em união sexual (em posição Yab-Yum), a imagem aqui é de 'Ardhanarishvara'. Não mostra uma união de dois corpos mas sim um corpo com duas energias - o masculino e o feminino unidas harmoniosamente. Mostra o equilíbrio e fusão entre o masculino e o feminino - que refere à natureza inerente do Divino, e no plano humano refere a um trabalho interno de 'purificação', harmonização, disciplina, devoção ao sagrado, e abertura à Graça.
Refere-se tanto ao equilíbrio dos canais 'ida' e 'pingala', como ao despertar e o conduzir/sublimar da energia vital para atingir a união êxtática de Shakti (residindo na raiz do sistema energético/chakra raiz) e Shiva no ápice transcendental/coroa).
Mas é importante perceber que tradicionalmente esses ensinamentos não eram apenas técnicos e esotéricos - faziam parte de uma abordagem devocional que valorizava a entrega ao Divino com plena 'fé' na sabedoria da Grande Mãe que guiaria o processo através da inteligência inerente na força vital desperta - que era Ela mesmo, na sua forma microcósmica - Kundalini Shakti.
Que o seu caminho, seja qual for a sua forma, seja permeado pela Graça intoxicante do Mistério infinito, que transcende a mente racional.
Que venha a conhecer o Amor Invencível, e que a sua Presença traga Paz.
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* Shakti significa 'poder' ou 'energia'.
Shakti é representada/ antropomorfizada em forma da deusa 'Parvati', 'Durga' e 'Kali'.
Não são 'deusas' diferentes.
São o aspecto feminino-dinâmico do Supremo Ser - a forma, matriz, e força motriz de todo o Universo, até manifestando-se no 'indivíduo' através da capacidade de pensar (Manas Shakti), e na capacidade de acção no corpo, e das funções vitais internas, em forma de Prana Shakti.
Os sábios de muitas culturas percebiam o que a física do século XX comprovou - que tudo no Universo é energia. Os Tantricos chamam essa energia Shakti, ou afectivamente 'Shakti Maa' - a grande Mãe.
E viam, o que alguns estão a começar a perceber - que essa energia não está separada nem da Inteligência Criativa macrocósmica, nem da própria mente humana.
A Consciência e a Energia estão numa dança amorosa constante.
A Shakti, nas suas várias formas, é o veículo para a experiência de todo o plano relativo e relacional.
Como tal é as vezes vista num papel parecido com o da Eva - como 'tentadora' - a nos chamar para nos envolver no plano das aparências enganadoras - descrita então como Maya (ilusão).
Quando somos 'enganados' por Maya, identificamo-nos com o corpo e julgamo-nos ser finitos.
Daí vem o medo, o apego, a resistência à mudança.
Daí vem também a busca incessante e frustrante para o poder pessoal, para o prazer efémero, para dar 'sentido' à vida e dar segurança, para compensar pela sensação de desenraizamento da nossa essência infinita.
Muitas tradições religiosas e espirituais desprezam então o elemento feminino e o seu poder de atracção para o mundo sensorial, e para o sensual. Essas tradições tendencialmente vêem o Divino como algo distante no espaço (acima de nós, no 'Céu'), e até distante no tempo (presente quase apenas no momento primordial da Criação).
A visão Tântrica, por outro lado, é que a própria matéria ('mater' = Mãe) é o corpo cósmico, ou vestimenta, que o Divino assumiu.
A tendência das tradições espirituais foi achar que a associação com o corpo e com o mundo vai nos 'sujar' e tornar-nos insensíveis ao plano celestial, levando então aos votos de ascetismo dos que se dedicam à busca pela comunhão Divina.
Mas o Tantra faz a ponte entre o divino 'Celestial'-impessoal-transcendental, e o Divino verdadeiramente omnipresente.
No Tantra, o Divino não está apenas a acompanhar e a interpenetrar o Universo previamente criado, mas sim a manifestar-se como Energia Cósmica, a formar o Universo - a dar à Luz - a cada momento através da Grande Mãe.
E é Ela que, residindo no corpo em forma de Kundalini, e infinitamente sábia e compassiva, guia o grande Despertar, levando à fusão com o Infinito.
**Shiva significa 'o auspicioso'. É um nome que representa as qualidades do Divino.
E sob esse nome o Absoluto é antropomorfizado em forma de um Yogi - e conhecido como o Supremo Guru.
Contrário à ideia que ele é um deus entre muitos num panteão politeísta, muitos devotos no caminho de Yoga e de Tantra consideram Shiva como 'O Supremo Ser' - não um Ser Divino externo, mas a Consciência Original, e idêntica com a consciência Liberta - o nosso próprio Ser.
A simples busca do prazer sensual, apenas satisfaz a nossa consciência local o que acaba por prejudicar a busca pela consciência universal!
No entanto, como evitar o desejo e o prazer?
Na via Tântrica não é preciso evitar o desejo e o prazer.
Eles são utilizados habilmente como veículo para a prática espiritual-meditativa-energética.
Tradicionalmente apenas se pratica Tantra a dois, depois de muitas outras práticas de disciplina ética e bio-energética.
Por isso mesmo que disse que no Tantra o desejo e o prazer são utilizados 'habilmente'.
Se não, pode se acabar por reforçar 'maus hábitos' sim (tanto de desgaste da energia vital como também de 'vampirismo' da energia vital).
Peter Littlejohn Cook
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