Para servir assim tão bem para nos apanhar no casamento, a experiência de se apaixonar tem provavelmente como uma das suas características a ilusão de que a experiência irá durar sempre. Esta ilusão é fomentada na nossa cultura pelo mito vulgarmente cultivado do amor romântico, que tem as suas origens nas nossas histórias infantis favoritas, em que o príncipe e a princesa, uma vez unidos, vivem felizes para sempre. O mito do amor romântico diz-nos, com efeito, que para cada rapaz no mundo há uma rapariga que “foi feita para ele” e vice-versa. Além disso, o mito implica que há um só homem destinado a uma mulher e uma só mulher para um homem e que isso foi predeterminado “nas estrelas”.
Quando conhecemos a pessoa a quem estamos destinados, o reconhecimento advém do facto de nos apaixonarmos. Encontrámos a pessoa a quem os céus nos tinham destinado, e uma vez que a união é perfeita, seremos capazes de satisfazer as necessidades um do outro para sempre, e portanto viver felizes para sempre em perfeita união e harmonia. Se acontecer, no entanto, não satisfazermos ou não irmos de encontro a todas as necessidades um do outro surgem atritos e desapaixonamo-nos. Está claro que cometemos um erro terrível, interpretámos as estrelas erradamente, não nos entendemos com o nosso único par perfeito, o que pensámos ser amor não era amor real ou “verdadeiro”, e não há nada a fazer quanto à situação a não ser viver infelizes para sempre ou obter o divórcio.
Embora eu pense que, de um modo geral, os grandes mitos são grandes precisamente porque representam e incorporam grandes verdades universais (serão explorados vários destes mitos mais adiante neste livro), o mito do amor romântico é uma terrível mentira. Talvez seja uma mentira necessária por assegurar a sobrevivência da espécie, por estimular e validar convenientemente a experiência de nos apaixonarmos que nos leva ao casamento. Mas, como psiquiatra, o meu coração chora quase todos os dias pela horrível confusão e sofrimento que este mito gera. Milhões de pessoas desperdiçam enormes quantidades de energia tentando desesperada e futilmente fazer com que a realidade das suas vidas se ajuste à irrealidade do mito.
A Sra. A submete-se absurdamente ao marido devido a um sentimento de culpa.
“Eu não amava verdadeiramente o meu marido quando nos casámos,” diz ela. “Fingia que sim. Acho que o enganei para se casar comigo, portanto não tenho o direito de me queixar dele, e devo-lhe fazer tudo o que ele quiser.”
O Sr. B lamenta:
“Estou arrependido de não me ter casado com a Menina C. Penso que poderíamos ter tido um bom casamento. Mas não me sentia perdidamente apaixonado por ela, portanto parti do princípio que ela não era a pessoa certa para mim.”
A Sra. D, casada há dois anos, fica gravemente deprimida sem causa aparente e começa a fazer terapia, afirmando:
“Não sei o que se passa de errado. Tenho tudo o que preciso, incluindo um bom casamento.” Só meses mais tarde consegue aceitar o facto de se ter desapaixonado do marido, mas que isso não significa que tenha cometido um horrível erro.
O Sr. E, também casado há dois anos, começa a sofrer de dores de cabeça intensas à noite e não acredita que sejam psicossomáticas.
“A minha vida doméstica corre bem. Amo tanto a minha mulher como no dia em que casei com ela. Ela é tudo o que eu sempre quis.” Mas as dores de cabeça continuaram até que, um ano mais tarde, conseguiu admitir,
“Ela dá-me cabo da cabeça porque está sempre a querer, querer, querer coisas sem se preocupar com o meu ordenado,” e foi então capaz de a confrontar com a sua extravagância.
O Sr. e a Sra. F reconhecem que deixaram de estar apaixonados e passam a fazer-se infelizes um ao outro por mútua infidelidade galopante à medida que procuram o “verdadeiro amor”, sem se aperceberem que o seu próprio reconhecimento podia marcar o início da obra do seu casamento em vez do fim.
Mesmo quando os casais reconhecem que a lua-de-mel terminou, que já não estão romanticamente apaixonados um pelo outro e ainda conseguem empenhar-se na sua relação, continuam a agarrar-se ao mito e tentam adaptar-lhe as suas vidas.
“Apesar de já não estarmos apaixonados, se agirmos por força de vontade como se estivéssemos apaixonados, pode ser que o amor romântico regresse às nossas vidas,” segundo o seu raciocínio.
Estes casais privilegiam o estar juntos.
Quando iniciam a terapia de grupo para casais (que é o cenário em que a minha mulher e eu e os nossos colegas mais próximos exercemos o aconselhamento matrimonial mais crítico), sentam-se juntos, falam um pelo outro, defendem os defeitos um do outro e tentam apresentar ao resto do grupo uma frente unida, acreditando que esta unidade seja um sinal de saúde relativa do seu casamento e um pré-requisito para a sua melhoria.
Mais cedo ou mais tarde, normalmente mais cedo, temos que dizer à maior parte dos casais que estão demasiado casados, demasiado próximos, e que têm de estabelecer alguma distância psicológica entre si antes de começarem a tratar construtivamente os seus problemas. Por vezes, é mesmo necessário separá-los fisicamente, dando-lhes instruções para se sentarem longe um do outro no círculo do grupo.
Repetidamente, temos que dizer,
“Deixe a Mary falar por si própria, John” e “O John é capaz de se defender, Mary, é suficientemente forte.”
Por fim, se continuam na terapia, todos os casais aprendem que a verdadeira aceitação da sua própria individualidade e da do outro e a independência são as únicas fundações sobre as quais se pode basear um casamento adulto e o verdadeiro amor pode crescer.
M. Scott Peck
in, O Caminho Menos Percorrido
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