quinta-feira, 1 de junho de 2017

O Super-Detergente





Nós vivemos no tempo do record, do máximo, do prestígio do campeão.
Todo o vocabulário está cheio dos hiper ou dos super da propaganda comercial.
Dizer que tal livro é o melhor de há 30 anos equivale a dizer que este é que é de facto um superdetergente.
De resto, os agentes publicitários do material literário não pretenderão talvez enganar-nos. Eles sabem que sabemos que estamos no domínio do reclame.
É uma actividade inocente como proclamarmos a excelência de um sabão.
E é exactamente por isso que eles usam sempre números redondos. Nunca dizem, por exemplo, que este é o melhor livro de há 47 anos ou de há 23 anos e meio.
Na realidade, eles não têm um ponto de referência para marcarem as datas.
Falar em 30 ou 50 anos é como usar uma «numeração indeterminada», como se diz em retórica. Garção, ao dizer da Dido moribunda que «três vezes tenta erguer-se», não pretende convencer-nos de que estiveram lá a contá-las.
Em todo o caso e de qualquer modo, dizer que este é o melhor livro de há 50 anos afecta as pessoas impressionáveis. Mas por isso mesmo é que existem as agências de publicidade. E ninguém vai pedir-lhes satisfações por reclamar um produto contra a calvície que nos deixou talvez ainda mais depilados.


Vergílio Ferreira
in, Um Escritor Apresenta-se






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