terça-feira, 2 de junho de 2015

O que muda a vida são as relações



"Não é fácil cultivar bons encontros 
num mundo sustentado por forças tristes. 
A lógica do escravo é preponderante, 
desde crianças somos ensinados a comportar 
conforme condutas estabelecidas, 
sufocamos as nossas paixões alegres 
em prol de paixões tristes. 
Somos fabricados com corpos acostumados a responder 
às vilanias do entristecimento 
e ao depreciamento do prazer, 
nascemos e crescemos num meio 
onde todos parecem julgar 
as vidas uns dos outros com a maior naturalidade 
e quando se trata de amar, 
bom… todos parecem se assustar."

 Inspirado no Spinoza 



Quando nos encontramos com corpos próximos à nossa natureza produzimos um aumento da potência de existir. Os termos podem parecer estranhos, falar em potência de existir e corpos estranha quando somos constituídos num mundo acostumado a andar sob a égide de uma “razão pura”. Mas tudo isso é muito concreto e perceptível.

Quando estamos entristecidos é custoso existir, falta-nos energia para tudo e aquilo que pensamos sobre as coisas e os outros nos incomodam facilmente, quando estamos alegres acontece o contrário, viver parece fácil, acontecemos sem preocupações e as implicâncias do outro parece não ter efeito sobre nós, nossos pensamentos são outros. O tempo todo isso acontece, não se restringe a nenhum momento especial. De repente uma refeição me satisfaz de maneira muito prazerosa e há um aumento da potência de existir, todavia, às vezes a gente repete o prato, uma, duas vezes, e uma azia nos toma e nos embrulha completamente, houve uma diminuição da potência de existir.

Alegria e tristeza são nossas duas paixões básicas, todos os outros afectos são derivados. Situamos então no seguinte: alegria produz um aumento da nossa potência de existir, a tristeza produz um rebaixamento da nossa potência de existir. Trata-se de uma ética das paixões.

Uma paixão alegre é resultado de uma causa externa, daí a necessidade de encontros com outros corpos. Pode ser o encontro com uma árvore, um bicho, um poema, um trecho de um livro, um filme, um pensamento… alguém. 
Corpo aqui é tudo que em contacto consigo mesmo é capaz de gerar uma afectação.

O que muda a vida são as relações – imaginem se a psicologia compreendesse isto o quanto de teoria sobre a consciência não iria desabar…Falar em ética das paixões, e especificamente de um cultivo das boas paixões, implica falar de encontros que produzam paixões alegres. Uma boa vida trata-se muito mais de uma selecção de bons encontros do que uma questão de se empanturrar com títulos e mais títulos como costuma nos passar o modelo dominante de vida.
É verdade que o saber nos possibilitaria seleccionar melhor os encontros, isto em tese, pois por si só o saber não aumenta a potência de um corpo se a relação com este saber é direccionada para uma melhor adaptação em sociedade.
E não precisaria dizer o quanto os saberes estão alinhados com a nossa sociedade que é, por excelência, uma máquina de produzir paixões tristes, pois somente entristecendo os corpos é possível manter estruturas de dominação e hierarquia.

Uma ética de paixões alegres é o que precisamos para não sucumbir às forças negativas que nos decompõem em paixões tristes. A alegria vai surgir quando no encontro com outro corpo a relação efectuada for compatível para ambos. Quando nos compomos com um corpo compatível com o nosso o encontro é bom, a composição eleva-nos a um estado mais forte, a vida passa a ser mais intensa, deixamos a passividade e tornamo-nos activos.

Sabem aqueles instantes vividos que gostariam de vivê-los novamente? 
Nesses momentos a energia em nós é de uma potência transbordante, nada parece nos afligir, cessamos as nossas queixas, a impotência destrutiva dá lugar a uma potência de vida criadora, estamos em pleno gozo de um bom encontro. Aqui estamos no auge de uma paixão alegre se pensarmos em termos gradativos de intensidade.

A alegria é revolucionária e incomoda o outro, quanto mais alegre mais incómodo, isto porque o nosso entorno é dominado por forças impotentes, forças de manutenção das coisas e das relações como estão, a alegria surge como uma ameaça pois ela é capaz de desfazer relações já cristalizadas e estabelecer outras, a alegria é criadora.

Uma psicologia sem Spinoza não consegue perceber a alegria enquanto uma questão ética e política, capaz de gerar resistências, militâncias e engendrar outros modos de vida.
E sim, a nossa sagrada psicologia começou por servir o poder, e por mais que tenha avançado ainda se preocupa muito mais numa adaptação do que numa libertação.
Não é fácil cultivar bons encontros num mundo sustentado por forças tristes.
A lógica do escravo é preponderante, desde crianças somos ensinados a comportarmo-nos conforme condutas estabelecidas, sufocamos as nossas paixões alegres em prol de paixões tristes. Somos fabricados com corpos acostumados a responder às vilanias do entristecimento e ao depreciamento do prazer, nascemos e crescemos num meio onde todos parecem julgar as vidas uns dos outros com a maior naturalidade, e quando se trata de amar, bom… todos parecem assustar-se.

As paixões tristes levam-nos a impotências generalizadas. 
No mundo há muito mais paixões tristes, o capitalismo é um produtor em abundância de paixões tristes, manter os corpos tristes é o principal modo de fazê-los dóceis e desejantes dos produtos oferecidos, não só bens materiais como espirituais, carros e estilos de vidas.

Daí a necessidade de encontros com o mundo que, unidos a um conhecimento que nos permita selecionar bons encontros, fortaleça-nos enquanto activos e criadores da própria vida.
O que muda a vida são as relações – imaginem se a psicologia compreendesse isto o quanto de teoria sobre a consciência não iria desabar…
Por uma ética das paixões alegres, por mais encontros e menos verborreia no divã à espera de um suposto insight.

Adriel Dutra




"A vida é a arte do encontro, 
embora haja tanto desencontro pela vida." 
– Vinícius de Moraes

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